Qual a origem ou história por detrás do nome Kruella D’Enfer?
Surgiu nas Caldas da Rainha, onde estudei. Interessei-me pelo universo do graffiti em 2009/2010, quando comecei a fazer os meus primeiros trabalhos, porque queria muito experimentar pintar com spray e tive que arranjar um alter-ego, mas também porque comecei a perceber que muita gente dentro da área artística fazia isso. Sendo uma pessoa bastante tímida na altura, achei piada usar um nome de uma vilã, como uma capa para me lançar para o mundo. Entrevista: O mundo encantado de Kruella d’Enfer
Conte-nos um pouco sobre o seu percurso.
Estudei até ao 12º na região de Tondela, sítio onde cresci e vivi até ir para a faculdade. Em 2006, fui parar seis meses à Lusófona, para um curso de Cinema Vídeo e Comunicação Multimédia, mas, por incompatibilidade, regressei a Tondela. Um ano depois, após alguma pesquisa, entrei num curso de Design de Ambientes, nas Caldas da Rainha. Acabei por não concluir o curso para me dedicar à prática artística, onde realmente encontrei a minha paixão. Adorei a forma como a cidade acabou por me guiar no meu percurso. Era fácil ser artista, num sítio onde existe uma faculdade de Artes e Design. Era fácil por causa das pessoas que acabas por conhecer e te relacionar, porque o estilo de vida era muito barato (tinha um quarto gigante, com lareira, com sala de arrumos por €130). Também tive um ateliê numa antiga fábrica de cereais, os Silos (atualmente SILOS Contentor Criativo).
Como se define: artista visual, ilustradora, street artist?
Artista visual, porque engloba o mundo da ilustração, dos murais, da escultura, diferentes media, tudo técnicas que exploro no meu trabalho. E é um termo mais versátil.
De onde vem (e como nasce) o seu interesse pelas artes?
Nasce no liceu. Tive uma turma muito pequena (oito alunos), durante quase todo o período do 10º, 11º e 12º. Logo, a relação com os professores era muito boa e nós próprios tínhamos muito interesse em artes, música. Tinha um ótimo grupo de amigos que ainda hoje se mantém. Comecei por desenhar e pintar coisas muito à base de copiar os grandes artistas que admirava, como o Salvador Dalí ou Magritte, os desenhos animados, como a Sailor Moon ou o Dragon Ball, e até o Tio Patinhas [risos]. Mas sei que foi nas Caldas da Rainha que começou realmente a minha busca verdadeira por querer seguir o caminho das artes e aprofundar esse interesse.
O que mais a fascina na área da ilustração?
A criação de mundos através da imaginação, o poder contribuir de forma positiva para o mundo, os desafios dos variados trabalhos que vou aceitando ou me propondo fazer.
Que influências estão presentes no seu trabalho?
A Natureza, acima de tudo. Sempre foi algo que explorei desde o início e que nunca vou largar. Depois o surrealismo, como corrente artística, o naive, folclore, as lendas, a banda desenhada, os filmes do Studio Ghibli e o mundo do cinema (Kurosawa, Ozu, o artista Moebius). Ouvir música e ver concertos, como o da Björk, o melhor concerto de todos os que vi e o mais inspirador. Muito importante também são as viagens que faço e a cultura que absorvo de cada sítio onde vou. Cativa-me muito olhar para os detalhes. Sou uma pessoa que está sempre a parar para ver uma planta, pedra, a espreitar para dentro duma janela, a ver as pessoas a relacionarem-se.
Como parte para o processo de criação?
Através de esboços nos meus cadernos. Para mim, são a ferramenta mais importante e valiosa, desde o dia em que comecei a desenhar. Claro que a tecnologia está sempre presente. Uso muito o computador e iPad para desenhar, mas a base está sempre no lápis e na folha em branco.
O que mais gosta de criar: murais de grande escala, ilustrações?
Gosto de criar em todos os suportes, utilizar diferentes materiais, explorar novos caminhos. Só assim sei que o meu trabalho evolui e não gosto de estar presa a uma técnica. É uma felicidade cada vez que coloco as mãos em materiais novos. Aprendo constantemente coisas sobre eles e isso leva a que eu consiga aprender coisas sobre mim também.
Que cores, materiais e suportes mais utiliza ou gosta de utilizar?
Uso quase sempre uma palete de 15 a 20 cores, porque utilizo bastantes degradés, texturas, que fazem com que a transição entre as cores seja mais suave e harmoniosa, mas também gosto muito de usar – uma vez por outra – o monocromático, ou seja, desenhos só a lápis de uma cor, ou explorar a ausência da cor. O meu suporte preferido é o papel. Quanto mais fofinho de textura, melhor. Tintas (acrílicas e plásticas) e spray pela sua rapidez de secagem e facilidade de poder usar muitas cores.
Que suportes gostaria de experimentar?
Tive a sorte de poder experimentar a cerâmica no início deste ano, numa residência que fiz na Viúva Lamego e durou um mês. Nunca tinha trabalhado com barro, seja a modelar e trabalhar baixos-relevo, como a pintar com vidrados. É um trabalho que envolve muita paciência e, por isso, difere tanto do que estou habituada: a ser rápida com o spray em murais ou a fazer uma ilustração digital… Portanto, foi super recompensador em termos de aprendizagem e também de resultado.
Qual foi, até hoje, o seu maior desafio?
Os meus primeiros murais, porque não tinha noção nenhuma de escala, não sabia dominar bem a técnica ou manobrar uma grua. Um dos meus primeiros festivais de arte urbana foi na Tailândia. Esses medos e inseguranças, com uma técnica que não domino, estavam obviamente bem acentuados, mas consegui superar e, a partir daí, ganhei toda uma nova skill interna e mental de não ter medo de me atirar para coisas que não domino.
Próximos projetos…
Tenho alguns murais agendados. Inaugurei em maio, no espaço Mono Lisboa, uma das minhas mais importantes exposições a solo (Mono No Aware) e quero aproveitar para mostrar e publicar online as peças, mostrando, a quem não foi à exposição, o que foi feito, assim como o processo e o seu significado.
Entrevista publicada na edição 323 da Caras Decoração