Com mais de 30 anos dedicados à televisão, onde tem construído uma carreira consistente, alicerçada na dedicação, no profissionalismo, na versatilidade e também na beleza, Catarina Furtado diz que antes de ser comunicadora, atriz ou humanitarista é mãe orgulhosa de Beatriz, de 15 anos, e de João Maria, de 14, que nasceram do seu casamento de longa data com João Reis, e “boadrasta” dos dois filhos mais velhos do ator, Maria, de 24 anos, e Francisco, de 20, que ocuparam desde cedo lugar de destaque no seu coração. No ano em que completa 50 anos de uma vida onde não têm faltado aventuras e sorrisos, a eterna “namoradinha de Portugal” conduziu a CARAS por uma viagem em que se deu a conhecer um pouco mais através da sua entrega a projetos como a Corações com Coroa (CCC), associação que fundou e preside há dez anos, a série documental da RTP1 Príncipes do Nada, da qual é mentora e que aborda questões relacionadas com os direitos humanos, assim como todos os desafios que tem abraçado enquanto Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) ou os momentos de alegria proporcionados pelo The Voice Portugal, programa de talentos que apresenta ao lado de Vasco Palmeirim.
– Se fosse apresentar-se a alguém que não a conhecesse, começaria por dizer que é apresentadora, atriz, mãe ou Embaixadora das Nações Unidas?
Catarina Furtado – Em primeiro lugar, diria que sou mãe de dois filhos e “boadrasta” de dois enteados. Depois diria que sou comunicadora e que coloco a minha profissão e privilégios ao serviço dos direitos humanos, essencialmente como defensora da igualdade de género, quer através do voluntariado que exerço enquanto Embaixadora da UNFPA, quer como fundadora e presidente da CCC e ainda enquanto documentarista da série da RTP. Logo depois diria que também sou atriz e autora.
– Este ano vai fazer 50 anos. Sente a idade como um peso ou, pelo contrário, uma oportunidade para aumentar a bagagem da aprendizagem, da sabedoria?
– Sinto que para as mulheres a idade é ainda um fator discriminatório e sinto que também eu posso contribuir para tentar atenuar o preconceito existente, porque me recuso a aceitar que a idade é um obstáculo para o que quer que seja. Não sou escrava da imagem, mas tenho muito prazer em cuidar de mim, da alma e do corpo desde muito cedo, porque sei o bom impacto que tem na minha saúde mental, autoestima, tranquilidade e bem-estar. Não encaro a idade como um posto. Não sinto o tempo passar porque vivo cada dia com muita intensidade e alegria. Apesar da dureza das realidades que vou reportando em Portugal e no mundo, sinto-me muito grata, e isso faz-me continuar com a convicção de que sei o que vim “cá” fazer. A capacidade de me alimentar da esperança e do que podemos fazer juntos para melhorar o mundo não me deixa margem para pensar na idade.
– Assume gostar de pessoas e só depois de as conhecer faz o seu diagnóstico final. Costuma ser assertiva nas primeiras impressões?
– Vai parecer uma frase feita, mas raramente me engano. A minha intuição tem sido uma enorme companheira de vida. É a minha gestora da vida pessoal, dos afetos e da carreira. Não sigo estratégias, sigo a intuição e o que eu acho que me irá trazer felicidade, independentemente do que os outros pensem.
– É frequente desiludir-se com quem se cruza ou, pelo contrário, acredita que ainda há esperança no ser humano?
– Acredito piamente no ser humano, o que não quer dizer que seja ingénua. Acredito no ensino da empatia, dos valores humanistas e no poder que a solidariedade tem para garantir a realização pessoal, a harmonia, a serenidade ao ser humano. Tenho conhecido centenas de pessoas anónimas que são os meus verdadeiros heróis e heroínas e desconhecem a definição de umbiguismo. São pessoas verdadeiramente inspiradoras. Aprendi que normalmente quem mais tem é quem menos dá e quem está embriagado com o seu ego é quem tem mais dificuldade em colocar-se no lugar do outro. Vive uns centímetros acima da terra, a vibrar com os seus próprios sucessos. É preciso continuar a espalhar os valores que nos unem e derrubar o que nos separa.
– Continua a gostar muito de viver? Nunca perde o alento, não sente por vezes um certo desfoque que a faça desviar ou duvidar daquele que acredita ser o seu propósito de vida?
– Não. Sinceramente, acho que sou feita de uma matéria cheia de positivismo. Como descobri o meu propósito de vida muito cedo, que vem de uma necessidade de tentar contribuir para melhorar a vida de alguém, também porque percebi que era esta a conduta que me fazia feliz, sem nunca me esquecer de mim, sem nunca me anular, vou recebendo permanentemente os resultados desse investimento. Não espero receber nada em troca a não ser constatar que as pessoas foram capacitadas, empoderadas. As minhas expectativas não dependem da reação de quem usufrui do meu esforço (e do das minhas equipas), apenas dependem daquilo que me proponho fazer. Não existe espaço para a desilusão. Só há lugar para fazer mais e melhor, até porque a pobreza social é, infelizmente, uma grande realidade em Portugal, e 2022 vai ser um ano difícil, em que temos de estar muito atentos a quem mais precisa de apoio.
– Ajudar a construir um mundo mais igualitário e formar uma sociedade mais feliz, justa, inclusiva, onde ninguém é esquecido ou deixado para trás, é uma utopia ou algo alcançável no nosso tempo de vida?
– Alcançável, sem dúvida. Não se consegue transformar o mundo de uma só vez, mas sim a seu tempo. O importante é não acharmos que as conquistas adquiridas são intocáveis e não correm o risco de andar para trás, porque na verdade nada está garantido. E, infelizmente, já assistimos a alguns retrocessos, não só em Portugal mas na Europa. Os populismos são extremamente ameaçadores dos direitos humanos. Por isso acredito e testemunho que todos os dias são oportunidades de construção de uma sociedade mais justa, inclusiva, sustentável, igualitária e saudável. Todos os dias são dias para que, juntos, combatamos preconceitos, discriminações, violências e injustiças. Cada cidadão, a sociedade civil, as empresas, os governos e as associações sem fins lucrativos deverão trabalhar mais em parcerias e criar sinergias com um objetivo comum: melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas que constituem esta humanidade partilhada. Somos muito mais iguais aos outros do que possamos pensar. Nascemos com os mesmos direitos iguais, universais, indivisíveis e inalienáveis.
– Aprender a relativizar é algo que se vai adquirindo com o passar dos anos?
– Sim, é das minhas maiores lições de vida, a par com a certeza de que ninguém é superior a ninguém, independentemente do dinheiro, do estatuto social ou do sucesso. Já vi muita coisa muito triste, indigna, revoltante, chocante, e a minha capacidade de relativizar o nosso meio televisivo, por exemplo, onde vivo há já 30 anos, é hoje gigante. Nós vivemos numa bolha, dependentes das redes sociais e das audiências, mas sei que o mundo é muito maior do que isso. Dou o meu melhor profissionalmente todos os dias, mas, acima de tudo, tento diariamente dar o meu melhor enquanto cidadã, com coerência.
– Ter disponibilidade para ouvir e dar menos opiniões é uma ferramenta que lhe tem sido útil?
– É dos exercícios de humildade que sinto mais necessidade de serem feitos, como uma espécie de higiene mental. Considero cada vez mais que as pessoas têm urgência em dar a sua opinião ouvindo menos. Ora, acho que parte da nossa salvação coletiva passa por nos ouvirmos mais uns aos outros.
– Um dos seus maiores receios era de que os seus filhos sentissem que lhes faltou quando precisavam. Alguma vez sentiu que lhes estava a faltar?
– Sendo totalmente sincera, talvez só quando eles eram mais pequenos e eu fui nas minhas viagens para os documentários do programa Príncipes do Nada. Hoje tenho a certeza de que nunca lhes faltei, o que não quer dizer que tenha sido sempre uma mãe perfeita, porque desconheço essa definição. Mas tenho a certeza de que lhes tenho passado os valores essenciais que nos distinguem dos egoístas. Sou muito atenta às suas necessidades e angústias. E tento agir. Também os alerto para a importância da sua responsabilidade individual e cívica. Acho que estou no bom caminho. Tenho muito orgulho neles.
– Ter sido mãe tornou-a mais segura ou, pelo contrário, mais vulnerável?
– Tornou-me muito mais realizada, feliz, segura, mas com mais receios. Com o nascimento dos meus filhos fiquei consciente de um amor absolutamente arrebatador e inigualável, e esse sentimento traz o medo de que alguma coisa lhes aconteça.
– Considera-se corajosa?
– Tenho de admitir que sim. Tenho muita vontade sempre de fazer acontecer, de viver com adrenalina, e para se viver assim é precisa alguma coragem, mas se comparar, por exemplo, com a realidade dos milhares de refugiados que deixam os seus países sem trazerem absolutamente nada porque fogem à morte, à guerra ou de uma catástrofe natural e tentam sobreviver à chantagem dos traficantes, aos mares perigosos, ao frio, à fome, não sei se teria a mesma coragem. Talvez tivesse se fosse para tentar salvar os meus. Não nos podemos esquecer destas pessoas e temos de nos revoltar mais pelo facto de não terem uma solução digna à vista da comunidade internacional.
– Gosta mais de se ver ao espelho com um vestido romântico esvoaçante ou com um conjunto sexy?
– Tenho várias mulheres dentro de mim. E não represento a Mulher. Sou mulher, adoro ser mulher, sou feminista porque sei que é através da igualdade de direitos, oportunidades, escolhas e no exercício da autonomia do nosso próprio corpo que conseguimos construir uma sociedade que vive em harmonia e respeito. Com menos violência e discriminação. A igualdade de acesso aos mesmos direitos deve mover homens, mulheres, pessoas em geral, porque é a chave mestra para a aceitação das diferenças enquanto complemento, enquanto riqueza. Eu tanto me sinto inteira a entrevistar alguém no meu programa Príncipes do Nada quase sem maquilhagem, com roupa discreta e nada produzida, como também gosto muito de alguma sofisticação. Sou a mesma pessoa. O importante é que as opiniões das pessoas não se confundam com a forma como escolhem apresentar-se à sociedade.
– Qual considera ser o seu maior vício?
– Vício bom: amar muito!
Esta entrevista foi publicada em janeiro de 2022, na edição 1380 da revista CARAS,
Fotos: João Lima
Agradecemos a colaboração de: Boss, Fundação Calouste Gulbenkian e Nuno Baltazar
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