Estávamos no ano 2020, em plena pandemia, quando Cláudio França, de 30 anos, se estreou como pivô na SIC Notícias. O jornalista não passou despercebido, sobretudo pelas suas rastas, que nunca pensou tirar antes de ir para o ar e que ficaram como uma imagem de marca. Nestes três anos, a sua carreira consolidou-se e a sua vida seguiu em frente, sempre com o apoio daquelas que considera as mulheres da sua vida e que o moldaram, tornando-o o homem que é hoje: Margarida, a namorada, Beatriz, a mãe, e sobretudo a avó, Ana, com a qual cresceu em Portugal, pois a mãe percebeu que ele não estaria em segurança em Angola.
– Sei que gosta de viajar, ainda recentemente fez uma viagem à Tailândia. É aí que recupera energias para um ano de trabalho?
Cláudio França – Fui com a minha namorada e com outro casal e foi, de facto, uma viagem maravilhosa, que nos deu energia para recomeçar. Fomos de norte a sul do país e ainda estivemos em duas ilhas, o que foi muito bom. Começámos em Banguecoque e terminámos em Phuket, numa viagem de mochila às costas.
– Foi esse espírito de aventura que o fez aceitar entrar na formação para pivôs de Rodrigo Guedes de Carvalho quando era estagiário?
– Esse foi talvez o maior desafio profissional que tive até agora, pela exigência que o Rodrigo colocou durante a formação. Foi um curso muito intensivo, na altura da pandemia. Fui com muito receio pelo que podia acontecer e pela falta de experiência que tinha, mas sempre demonstrei isso ao Rodrigo e houve muito acompanhamento da parte dele e dos colegas que fizeram a formação comigo.
– Nesta fase, já se sente seguro em frente às câmaras?
– Seguro mas sempre com um nervoso miudinho, que é essencial, pela responsabilidade que temos quando nos sentamos à frente das câmaras para passar informação a milhares de pessoas. Estamos sempre sujeitos ao erro, mas isso acaba por diminuir pela confiança que temos na equipa que está ao nosso lado.
– Enquanto jornalista, qual é a área pela qual mais se interessa?
– Gosto muito de desporto, mas há outras áreas pelas quais fui ganhando interesse entretanto. O facto de estar a cobrir as guerras tem-me permitido aprender bastante, principalmente na questão do Médio Oriente, sobre a qual não tinha muito conhecimento.
– O que é contrário à ideia formada de que o pivô não está tão preparado como um repórter.
– No caso de um pivô, há uma preparação diária e o desafio vem muito disso. Saímos da redação com uma ideia do que podemos encontrar no dia seguinte, mas obviamente que há sempre as últimas horas. Aconteceu recentemente com a Operação Influencer, em que fomos apanhados de surpresa. Nestas alturas, é a bagagem que trazemos que faz com que nos sintamos preparados, tal como a confiança que temos na redação.
– Começa a trabalhar às quatro da manhã e termina às onze. O que faz quando sai da redação?
– A primeira coisa que faço é ligar à minha namorada. Agora, que a minha mãe está cá, tento encontrar-me com ela. Gosto de me abstrair, estando com amigos, vendo séries, a jogar, nas redes sociais. E não dispenso o meu treino ao final da tarde. Deixei de jogar râguebi porque não era compatível em termos de horários, mas não consigo estar parado e comecei o crossfit, que é um desafio físico brutal. Finalizado o treino, foco-me no dia a seguir, preparo entrevistas e janto com a minha namorada e vemos uma série antes de me deitar. Enquanto casal, a dinâmica é complicada, porque temos horários desfasados.
– Como é que conheceu a Margarida?
– Conhecemo-nos no colégio, nas Caldas da Rainha. Temos três anos de diferença. Ela era obviamente mais velha e eu parecia muito novo, porque era magrinho e baixo – mudei drasticamente com o râguebi –, e nessa altura notava-se a diferença. Mas apesar de termos o mesmo grupo de amigos, só nos começámos a relacionar na faculdade, em Lisboa. Namoramos há nove anos e vivemos juntos desde 2018.
– Conseguem, apesar dos vossos horários, um equilíbrio enquanto casal?
– Sim, conseguimos, mais ao fim de semana. Aos fins de semana vamos para as Caldas e tentamos desligar de tudo para estarmos os dois e também com as nossas famílias e amigos. Durante a semana a rotina é um pouco louca.
“Aos oito meses fui para Angola com a minha mãe, que facilmente percebeu que o país não era bom para eu crescer.”
– Falando das suas origens, veio para Portugal ainda muito pequeno ou já nasceu cá?
– Nasci em Portugal, mas aos oito meses fui para Angola com a minha mãe, que facilmente percebeu que o país não era bom para eu crescer e, tendo em conta a profissão dela, que é enfermeira, e a guerra civil, acabei por voltar para cá com três anos. A minha irmã já estava cá e fiquei com os meus avós nas Caldas. Cresci distante dos meus pais, mas muito próximo, ao mesmo tempo, porque a família sempre foi muito unida.
– Foi certamente uma decisão difícil para a sua mãe.
– Não tomou a decisão de ânimo leve. Foi preciso muita coragem para enviar os filhos para viver longe, com os avós, mas era a solução necessária. Caldas da Rainha, ao contrário de Luanda, é uma cidade muito pacata, aberta à cultura, ao desporto, à diversidade, que acolheu muito bem a nossa família. A minha avó cuidou dos filhos e dos netos ao mesmo tempo e foi a pessoa mais importante no meu crescimento, pelos valores e pela educação que me transmitiu. Principalmente ensinou-me a lidar com as outras pessoas, sobretudo tendo em conta a discriminação que sabemos que existe. Ela transmitiu-me muita confiança. Os valores de casa com os do râguebi tornaram-me a pessoa que sou hoje.
“Sou motivado, tenho ambição profissional e é muito difícil desistir de alguma coisa, mas conto sempre com a família.”
– Alguém com perseverança e que nunca desiste?
– Sem dúvida. Sou motivado, tenho ambição profissional e é muito difícil desistir de alguma coisa, mas também conto sempre com muita ajuda da minha família e da minha namorada. A família tem sido essencial no meu percurso, sempre a apoiar.
– Faz parte dos seus planos casar-se e ter filhos?
– Claro que sim. Casar-me, ter filhos, mas ainda temos objetivos para cumprir antes disso. A Margarida faz voluntariado, é uma das paixões dela. Já fez vários projetos em África, o próximo deve estar para acontecer, e ainda temos algumas viagens de mochila às costas que queremos fazer com amigos e só depois pensamos em ter filhos e no casamento.
– Gostariam de fazer uma festa grande, como é típico em Angola?
– Da minha parte, será grande de certeza. A minha família é enorme e gostamos todos de festa. Optarmos por um casamento pequeno é impossível.
– A sua mãe veio para estar com a família ou passou a viver em Portugal?
– A minha mãe continua a viver em Angola. Veio por motivos de saúde em outubro e vai ficar até março. Tenho aproveitado bem o tempo com ela, gosto muito de tê-la perto de mim, é maravilhoso, até porque não a pude ter durante o meu crescimento.
– É uma mãe orgulhosa de si?
– É, sem dúvida, uma mãe muito orgulhosa dos seus filhos e uma mãe que adora dar mimos. A distância nunca nos facilitou a vida, mas sempre compensámos com amor.
– Tem apenas uma irmã?
– Da parte da minha mãe, tenho só uma irmã, mas da parte do meu pai tenho muitos irmãos, uns em Angola, outros em Espanha. Somos imensos e unidos, que é o mais importante. E isso reflete-se naquilo que sou. A família é mesmo muito importante para mim. Em Portugal, neste momento, só estão a minha avó e primos que estão a estudar, mas estamos sempre todos próximos, até pela grande vantagem que nos dão as redes sociais. O grupo da família está sempre on.
– Como reagiu a sua avó quando o viu pela primeira vez a apresentar um noticiário?
– Fez uma festa, dançou, cantou. Foi engraçado, porque ninguém sabia, quis estar concentrado na formação. Numa família angolana há sempre muito burburinho, por isso só no dia da estreia é que a Margarida contou à minha avó e a alguns amigos próximos. Ninguém estava à espera e foi engraçado ver a reação de todos eles.
“Se as pessoas têm capacidade para ocupar determinados lugares, essa oportunidade tem de ser dada.”
– Acha que quebrou tabus na televisão, pois foi o primeiro pivô negro na SIC?
– Sim, o que alcancei fez com que muitas pessoas soubessem que, independentemente da etnia, é possível chegar onde cheguei. Acredito que o que alcancei permite que outros percebam que é possível chegar a qualquer lado. É a principal mensagem que gosto de passar. Há tabus que devem ser quebrados. Sou um pivô negro, de rastas, e não tenho medo de mostrar o que sou. Se as pessoas têm capacidade para ocupar determinados lugares, essa oportunidade tem de ser dada.
Agradecemos a colaboração de Crossfit Neverland