Profissional da Rádio Renascença há 14 anos, na qual conduz T3 ao lado de Filipa Galrão e Daniel Leitão, Renato Duarte estreou-se recentemente em televisão em Dilema, o reality show de domingo à noite da TVI que tem como anfitrião Manuel Luís Goucha.
A meio do projeto, em que tem a figura de “infiltrado” no jogo, o animador e repórter, de 36 anos, conta-nos como encara o novo desafio profissional, ao mesmo tempo que percorremos o fio condutor da sua vida, desde os tempos de miúdo, em Santarém, até à descoberta de quem é e do caminho que quer seguir na sua vida.
– O que o fez aceitar este desafio?
Renato Duarte – É um programa que tem muita audiência, mas, mais do que isso, é feito por uma equipa muito competente e apresentado pelo Manuel Luís Goucha, o melhor apresentador de televisão em Portugal, para além de muito generoso, algo que vim a descobrir mais tarde. Ele e a vontade de querer viver esta experiência em pleno foram o que me fez aceitar.
– Como é o papel de “infiltrado” num reality show?
– Qualquer pessoa que tenha visto um programa destes já teve vontade de entrar na casa e saber como é, mas poucos têm coragem de participar num desafio deste género. Aquilo é para bravos. No início, entrei a medo e um bocadinho nervoso, mas tem sido uma experiência muito interessante. Cinco minutos depois ficamos pouco conscientes de que estamos a ser filmados. Para mim, tem sido um enorme privilégio começar a fazer televisão numa estrutura como esta.
– Houve algum preconceito da sua parte na hora de aceitar fazer um reality show? Ainda há reservas em relação a este género de programas.
– Há, mas eu não tenho esse preconceito. Nunca entraria num programa deste género como concorrente, porque não tenho coragem de me expor dessa maneira tão intensa e explícita, mas, no que diz respeito ao meu trabalho enquanto comunicador, não há nada de que me possa envergonhar. As pessoas que apresentam este tipo de programa são os comunicadores mais experientes e preparados, com uma habilidade emocional e psicológica grande para poderem conduzir aquilo com sucesso. Enquanto espectador, honestamente, também não tenho preconceito. Quem teve esta ideia de fechar pessoas numa casa e observar como se vão comportar foi um génio.
– Este é o começo de uma carreira na televisão?
– Não sei dizer. Tenho vontade, evidentemente. O bichinho da rádio já existe há muito tempo e estou agora a criar o da televisão. Confesso que ainda tenho de gerir a ansiedade, mas sinto-me estranhamente confortável na televisão. Tenho vontade de fazer mais coisas, de experimentar outros formatos, mas também tenho saudades de fazer rádio todos os dias.
– No entanto, já tinha tido uma pequena incursão como jornalista na RTP 2.
– Sim, no início da minha carreira fiz um estágio no Público e depois o Câmara Clara, na RTP 2. Entretanto, entrei na rádio e uns anos mais tarde fui convidado para ser repórter num programa de moda no mesmo canal, mas televisão desta forma, com este grau de exposição e de volume de trabalho, é a primeira vez.
– A rádio ainda é a grande paixão?
– Foi a primeira paixão, o lugar que me acolheu e deu espaço para me desenvolver enquanto profissional. Obviamente, tenho um enorme carinho pela rádio e, enquanto conseguir, vou tentar conciliar com os desafios que me vão aparecendo. Mas não é a única.
– Quando escolheu Comunicação, pensava em trabalhar em entretenimento ou era o jornalismo que o fascinava?
– Mal cheguei à faculdade, a minha cabeça virou-se para o jornalismo. Comecei a apaixonar-me pelas notícias e quando escolhi o estágio foi a apontar nesse sentido. Se tivesse ficado no Público, talvez ainda hoje fosse jornalista. Ou talvez não. No estado em que o jornalismo está, facilmente se torna uma área que nos desencanta. Aquilo que é muito sedutor ao início depressa se desvanece ao percebermos que há uma série de coisas que não acontecem como imaginávamos. Falo dos meios de trabalho, do tamanho das equipas, da liberdade que temos ou não para fazer as coisas como queremos e, acima de tudo, da falta de tempo para construir, investigar e contar uma história. Consegui encontrar mais facilmente o que procurava no entretenimento. Além de que percebi que o registo informal, com regras menos estritas, tinha mais a ver comigo.
– De que forma chegou ao entretenimento?
– Fiz um casting para a Rádio Renascença quando trabalhava no Câmara Clara. Fui sem grandes expectativas e a verdade é que fiquei. Estive como repórter, depois passei para os programas da manhã e agora estou à tarde, com o T3, ao lado do Daniel e da Filipa, e está a ser maravilhoso. Não tem sido um percurso monótono. Por isso vejo este desafio na televisão como mais uma hipótese de crescer e de saber como me sinto noutro lugar.
– A Renascença é uma rádio ligada à Igreja Católica. Sentiu algum conservadorismo na programação?
– Não. A Renascença, sendo a emissora católica portuguesa, tem uma linha editorial que é conhecida e explícita, o que permite que todos saibamos o que estamos ali a fazer. Aquilo que nos é pedido é que façamos boa rádio. Sinto-me muito respeitado, e se assim não fosse já não estaria a trabalhar lá. Tem sido uma relação muito amigável e feliz.
– Sentir-se respeitado onde quer que esteja é a premissa mais importante para si?
– Sem dúvida. Faz parte da minha personalidade, ou seja, não estou disposto a ceder naquilo que considero as minhas linhas vermelhas. Estas não podem ser ultrapassadas, quer nas relações de trabalho, quer nas pessoais. Se não me sentir respeitado, se não me sentir valorizado, essencial, retiro-me.
– Também era assim quando era mais novo?
– Sou de Santarém, uma cidade pequena, e em miúdo já se via que gostava de aparecer, de falar e expor as minhas ideias. Era assim na escola e com a família. Depois, no liceu fiz parte do grupo de teatro e percebi que essa minha aptidão podia transformar-se numa coisa que poderia efetivamente fazer. Sempre gostei muito de ler e de estudar, e o jornalismo surgiu da combinação entre esses dois universos. Ao mesmo tempo, também me consigo lembrar de ser uma criança tímida, o que parece contraditório, mas a verdade é que ainda hoje me considero uma pessoa introvertida. Há um lado de mim que gosta de se expor, mas também preciso muito da reclusão. Vivo sozinho e gosto de passar tempo comigo. Fui filho único até aos 15 anos e talvez por isso tenha criado o meu mundo e um conforto muito grande na minha solidão, que ainda hoje permanece.
– Sair de Santarém para estudar representou uma grande mudança na sua vida?
– Vim para Lisboa com 18 anos e foi a maior mudança da minha vida. Foi quando tive espaço para me descobrir e onde pude conhecer pessoas com quem me identifiquei. Correspondeu a um período muito formativo da minha personalidade, daquilo que sou. Durante muito tempo aquilo que sou parecia-me inatingível. Esta mudança deu-me um boost de confiança.
– A sua homossexualidade é assumida. Santarém oprimia-o de alguma forma?
– A maior opressão, descobri com o tempo, está na nossa cabeça. É óbvio que se crescermos num meio cosmopolita, aberto, ajuda-nos a perceber desde cedo que existem várias possibilidades de sermos nós. Eu cresci numa cidade em que aquilo que me era apresentado desse ponto de vista era uma vida num só sentido, muito heteronormativa, conservadora. Ter vindo para Lisboa correspondeu também a uma fase de libertação e de descoberta do ponto de vista sexual e emocional, mas o que é mais importante neste processo é a aceitação interior, quando percebemos: “Sou assim, não vou mudar, e ou me aceito e sou feliz, transformo esta vergonha que senti durante tanto tempo em orgulho, ou então vivo oprimido e infeliz o resto da vida.” Como viver infeliz não era uma possibilidade, decidi ser fiel a mim mesmo. É um processo que precisa de tempo, envolve dor e sofrimento, mas, a partir do momento em que temos a certeza daquilo que somos e nos mostramos confiantes, tudo se torna mais fácil. Não vou esconder que em Santarém, na escola onde estudei, a crescer num ambiente fechado, me senti bastante oprimido. Essa opressão acontecia de formas mais ou menos óbvias. Muitas vezes não era ostensiva, mas era sempre violenta. Sentia que não tinha espaço para ser quem sou.
– Sentiu-se sozinho nesse seu processo?
– Senti. Menos em Lisboa, mas, mesmo assim, foi preciso ganhar confiança. A partir do momento em que percebi quem era e como queria viver a minha vida, tudo o resto se tornou muito menos importante. Se sei que sou gay e que não há nada de errado nisso, qualquer pessoa que venha dizer o contrário não me vai afetar nem demover do meu caminho.
Agradecemos a colaboração de Gant e Lacoste