A voz, familiar na rádio há 14 anos, começa finalmente a associar-se a quem lhe dá espessura:
Luís Caetano, autor de programas e entrevistas culturais da Antena 2, editor e apresentador na televisão do
Diário Câmara Clara, no ar há um ano.
Pelo incansável trabalho de divulgação da literatura portuguesa e estrangeira, assim como dos seus autores, já recebeu três prémios: Prémio Jornalista ou Imprensa de Edição da Revista Ler/Booktailors, em 2009; Pré-mio Pró-Autor da Sociedade Portuguesa de Autores, em 2009; e ainda Prémio Fahrenheit Rádio da União de Editores Portugueses, em 2007.
Casado e com dois filhos –
Mariana, 13 anos, e
Miguel, 11 – nasceu na Figueira da Foz há 41 anos e é licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa. É um ho-mem tranquilo, que aproveita o silêncio das madrugadas para ler e documentar-se, e também um caso sério de charme, tanto pelo timbre como pela presença serena e desprendida, aparentemente surda à barulheira do mundo.
A somar, é ainda autor de do-cumentários, narrador de séries e enviado especial da sua antena para cobrir as edições da grande Feira do Livro de Frankfurt, dos Concertos Promenade de Londres e da Folle Journée de Nantes, bem como dos encontros Correntes d’Escritas, Literatura em Viagem e Escritaria.
Recebeu-me na Ler Devagar, em Alcântara, catedral de livros onde gosta de se perder por entre as estantes e lombadas, e de se distrair, nas horas vagas, dos interiores insonorizados dos estúdios. É praticante de ténis e frequentador de leilões de documentos e livros antigos.

– Começando pela rádio: pode suceder que um programa cultural se bata em audiências com uma rubrica de entretenimento?
– Um bom programa cultural pode ganhar aos pontos a um programa de entretenimento banal. Mesmo não ganhando, muitos milhares de pessoas agradecem ter essa alternativa. Os métodos de medição de audiências são muito imperfeitos. Interessa-me mais a opinião crítica de uma pessoa com bom senso e bom gosto.
– Como se medem as audiências na rádio?
– Através de inquéritos regulares a um grupo de pessoas sobre as estações de rádio escutadas no dia e na véspera.
– Há tantos anos a entrevistar escritores encontraste algum traço comum entre eles?
– Pouco em comum, tirando serem habitualmente cordatos e disponíveis. Uns transmitem inquietude, outros, consolação. Há os que escrevem por amor e os que o fazem para ser amados. Os que chegam à literatura por talento inato e os que o conseguem por trabalho árduo…
– E as inseguranças? E a vulnerabilidade? E a fragilidade? E a bipolaridade? E as doenças de ego? E os surtos de desespero? E o desajuste social? Tudo isso não será pelo menos comum à maioria dos artistas? Ou não me digas que o ‘temperamento artístico’ foi chão que deu uvas?
– Credo! Em vez de café vou começar a oferecer psicofármacos aos meus entrevistados. Acredito que o ego continue vibrante, e isso é importante para o ímpeto criador. Mas acho que esse temperamento se democratizou, ou então há uma epidemia… Nos dias de hoje entra-se facilmente, e falsamente, no clube dos escritores e dos artistas.
– [risos] E filósofos? Já entrevistaste?
– Sim, o
Eduardo Lourenço,
Slavoj Zizek,
Daniel Innerarity,
Miguel Real,
António Cícero…

– Dirias que os filósofos são ‘artistas’? Tem rasteira…
– O Innerarity, que é leitura de cabeceira de
Sócrates e
Zapatero, tem um excelente livro intitulado
A Filosofia como Uma das Belas Artes, onde diz que se a filosofia não for arte, não consegue compreender a vida. Acho que a filosofia é a arte de pensar, sim, algo que começa a ser uma excentricidade.
– Boa! Quais foram os escritores/pensadores que mais prazer te deu entrevistar? Um português e um estrangeiro…
– O incomparável
José Saramago e o maravilhoso
Luís Sepúlveda, mas também o genial
Umberto Eco.
– Duas linhas sobre o Eco, essa lenda…
– Até podes pedir duas páginas, Rita, tal a minha admiração por ele. É um homem do Renascimento, um olhar arguto, uma inteligência rara. Tem um humor refinado e defende o riso, essa capacidade libertadora que chamou ao seu grande romance,
O Nome da Rosa. Um homem para quem Deus é a biblioteca. Também por isso gosto dele.
– Que disciplinas do teu curso te ajudaram mais no início da rádio?
– As que foram leccionadas pelo
Francisco Sena Santos e o
Adelino Gomes: Atelier de Rádio e Géneros Jornalísticos. São dois grandes profissionais.
– Quantos radialistas há em Portugal, tens ideia?
– Radialistas, algumas largas centenas, presumo. A assinar programas de autor, poucas dezenas, infelizmente. As rádios estão a ficar formatadas, especialmente por causa das
playlists, ou seja, de um propósito de repetição incessante das mesmas músicas. Isso retira criatividade e variedade.
– Quando se trabalha só na rádio, como foi o teu caso du-rante tantos anos, cultiva-se o anonimato como forma de alimentar a fantasia do ouvinte e gerar em torno daquela voz uma espécie de mito? Noto que há colegas teus que fazem questão absoluta no anonimato…
– Sim, a fantasia é algo importante na rádio, e faz parte da sedução. Nesta era de rádios na Internet esse mistério é cada vez mais difícil. É divertidíssimo conhecer a imagem que os ouvintes fazem de nós. Mas também nós nos perguntamos quem são e como são os nossos ouvintes.
– Diferenças básicas entre o trabalho na rádio ou na TV?
– A rádio é um trabalho solitário, e por isso tem muito a ver comigo. Recebo
mails e cartas endereçadas à equipa d’
A Força das Coisas, ou da
Última Edição quando, na realidade, a equipa sou eu. Televisão é uma máquina pesada e aí sim, um trabalho de equipa.

– Ler por obrigação não se torna penoso?
– Não, porque tenho a possibilidade de escolher quem entrevisto. Leio o livro e logo de seguida encontro-me com o autor e procuro dá-lo a conhecer aos ouvintes. É um privilégio.
– Como está a correr o
Diário Câmara Clara, na RTP2?
– Está a correr muito bem. Já completámos 300 programas, cada um com várias reportagens e destaques do que de melhor se faz na produção artística nacional, e o que de mais relevante a nível cultural o país tem para apresentar, de norte a sul. É uma equipa vasta e dedicada, que tem a coordenação geral da
Paula Moura Pinheiro e a edição e apresentação a meu cargo e da
Inês Fonseca Santos. É um programa que faz todo o sentido na RTP, e que tem tradição no serviço público. O
Acontece abriu caminho.
– Porque é que a rádio paga tão mal?
– A rádio não atrai o mercado publicitário da mesma forma que a televisão, apesar de quase todos nós mudarmos de canal durante a publicidade. Muitas pessoas não têm o hábito de se sentar para ouvir um programa de rádio, mas tenho a certeza de que iriam gostar da experiência. E hoje os programas estão todos acessíveis na Internet, para escutar a qualquer momento.
– Noto que, na rádio, não há disparidades salariais gritantes como na TV…
– Na rádio não há estrelas. É mais democrática na remuneração. No que respeita às rádios de público mais jovem, há uma certa promoção dos apresentadores. Mas nada a ver com o que se passa na televisão, onde alguns salários são absurdos. Claro que, tratando-se de estações privadas, têm toda a legitimidade.
– Que sentimento dominante encontras nas feiras e eventos culturais que acompanhas?
– Entusiasmo. Tanto nos eventos literários como nos grandes festivais de música clássica. É gente que gosta da vida.
– Conta uma história engraçada ligada ao teu ofício.
– Na sei se será engraçada, mas uma das vezes que fui a Nantes para acompanhar a Festa da Música daquela cidade, nevava imenso, e o avião abortou a aterragem no último segundo. Quando se preparou para nova tentativa, liguei o gravador que trazia comigo… podia acabar ali, mas perder a oportunidade de uma boa reportagem é que não.
– És uma vocação. Vias-te a fazer outra coisa?
– Dirigir uma boa livraria ou um bom hotel. São lugares cheios de histórias. Ou então passar da cultura para a agricultura. Entre outras afinidades, têm ambas campo fértil.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico