
Todos os anos, o Festival do Bacalhau, em Ílhavo, enche-se de comensais que não abdicam de celebrar esse grande protagonista da nossa gastronomia. Este ano, compareceram cerca de 180 mil pessoas que devoraram 22 mil refeições confecionadas por dez restaurantes da região: o que corresponde a qualquer coisa como 10 toneladas de bacalhau. E porque o caso de amor dos portugueses com o bacalhau é, na verdade, um triângulo amoroso, a edição deste ano contou com um convidado muito especial: a Noruega, país sem o qual, muito provavelmente, não teríamos bacalhau ou, pelo menos, não como o conhecemos.
O país foi representado pela Norwegian Seafood Council, empresa pública responsável pela divulgação dos produtos noruegueses em todo o mundo. A chef Kristine Øvrebø fez parte da comitiva e apresentou diversas sessões de showcooking. Chegou encantada com o convite e confessa que regressou à Noruega maravilhada: “A viagem a Portugal foi emocionante. Aprendi muito. Fiquei impressionada com o fascínio dos portugueses pelo bacalhau e com todas as variações que é possível criar. Há uma enorme alegria e criatividade em torno deste peixe e tenho orgulho de vir de um país que contribui para isso. Depois desta viagem, sinto um vínculo mais forte entre os nossos países. Temos uma história e identidade comuns. O mar une-nos como a uma família. Apesar de termos diferentes métodos de preparação e utilização, estamos unidos nas matérias-primas e no amor pelo mar e pelas suas dádivas.”
Para a chef estas iniciativas são importantes não só pelos sentimentos de união e alegria que motivam, mas também porque alertam as pessoas para a necessidade de respeitarem os recursos marinhos. Kristine Øvrebø sabe do que fala. Com quase 30 anos de experiência, atualmente trabalha para a Marinha Norueguesa como consultora e líder de chefs aprendizes e é a embaixadora norueguesa para a World Chefs Without Borders, uma organização humanitária que visa educar e dar apoio a populações necessitadas ou vítimas de desastres naturais. Kristine explica que se tomarmos conta dos oceanos e dos seus recursos, as gerações futuras poderão experimentar as mesmas alegrias que esses recursos nos trazem. E dá como exemplo um episódio recente que viveu numa das suas muitas viagens como embaixadora da World Chefs: “Soltámos peixes juvenis no rio Yangon [na Birmânia] e ensinámos os moradores a respeitar a vida marinha e os recursos alimentares futuros. A pesca pensada e sensata significa que o mar nos pode manter cheios e felizes por muitas gerações vindouras.”

Uma paixão precoce
A preocupação com os recursos é algo que lhe foi transmitido desde muito jovem. A chef conta que quando era criança passava muito tempo com os avós. “Foram eles que me ensinaram a alegria de comer, mas também a importância de cuidar dos alimentos. Vivíamos numa pequena quinta onde havia uma forte ligação entre as estações do ano, os animais e os alimentos. Naquele ambiente, o amor e o cuidado eram os alicerces de tudo.” Foi, de resto, nessa altura da sua vida que descobriu que queria ser chef e a culpa foi mesmo do bacalhau: “A minha memória mais querida relacionada com comida é de quando me sentava na bancada da cozinha a ver a minha avó fritar línguas de bacalhau em muita manteiga que eu espetava com um garfo e comia mal ela as tirava da frigideira. A comida é tudo para mim”, conclui.
E foram algumas dessas memórias e tradições noruegueses que Kristine fez questão de partilhar com os portugueses nas diversas sessões de showcooking. Eis um exemplo: a chef preparou um lefse norueguês – pão tradicional que se assemelha a um crepe – à base de batata e farinha, recheado com ervilhas estufadas e lutefisk – uma forma especial de preservar o bacalhau que inclui mergulhá-lo em soda cáustica – e guarnecido com cubos de bacon frito e queijo castanho norueguês ralado.
E se pensa que “soda cáustica” e “bacalhau” na mesma frase assustou os comensais, não podia estar mais enganado. Os portugueses são, afinal de contas, um povo aventureiro. E apaixonado pelo mar. Tal como os noruegueses.
Dicas da chef Kristine Øvrebø para cozer bacalhau como um profissional
- Calcule 200 a 250g de bacalhau por pessoa
- Prefira bacalhau fresco em vez de bacalhau salgado
- Salgue o bacalhau antes de começar a cozinhar e deixe repousar 10 minutos
- Passe o bacalhau por água e enxugue com um toalhete de papel
- Ponha a água a ferver com sal (terá a quantidade perfeita quando tiver o sabor da água do mar), pimenta em grão, rodelas de limão e folhas de louro
- Reduza o lume quando a água estiver a ferver e adicione o bacalhau
- Não deixe ferver: a temperatura ideal para cozer o bacalhau é abaixo do ponto de ebulição
- Cozinhe o bacalhau durante 6 a 10 minutos, dependendo do tamanho
- O bacalhau está pronto quando a carne estiver branca e começar a lascar