Como nasceu a paixão por áreas, aparentemente tão distintas, como a arquitetura, o design de interiores e de produto?
Quando tinha 14 para 15 anos, fiquei na maior dúvida se ia ser artista plástico ou arquiteto. Fui para Arquitetura. Tudo se foi encaminhando na minha vida. Aos 26 anos, conheci Gilberto Freire, fui parar a Salvador (da Bahia), li Jorge Amado e começou a minha paixão pelo Brasil. Desconhecia o Brasil até então… Foi uma paixão pela nossa cultura, tive contactos muitos bons e fiz trabalhos de arquitetura, como a remodelação no Convento de Santo António, que curiosamente me abriram as portas de Portugal. Em 2008 estive 10 dias em Portugal e fiz uma exposição, como cenógrafo, no Museu das Ciências (Lisboa) sobre o que se processou na Medicina com a ida de D. João VI para o Brasil. Fiz essa exposição também no Museu Histórico do Rio de Janeiro. Passei a estudar, criei uma bagagem e escolhi o que é que acho que devo mostrar do Brasil: as coisas que são bonitas. Trabalhos com as fachadas de Olinda, em loiça, almofadas…
Arquiteto, designer ou decorador?
No Brasil é permitido ao arquiteto ser decorador. Muitos arquitetos fazem arquitetura de interior. Em Portugal são duas profissões inteiramente diferentes, é o decorador ou a decoradora e o arquiteto. A minha base de formação é arquitetura, sou arquiteto e racionalmente penso como arquiteto. Trabalhando com a casa, você sabe o tamanho de uma mesa, de um banco… Só não desenho peças para sentar! Desenho uma mesa, um aparador… Não estudei para desenhar uma cadeira! Mesmo iluminação, só se for decorativa, na brincadeira, não sou técnico.
Que possibilidades vê no design que não estão presentes na arquitetura?
Primeiro, a possibilidade de todo o mundo poder ter uma peça e usá-la no dia a dia. Você pode ter um objeto meu em casa, ter um projeto é outra coisa… São duas proporções diferentes! Não me considero um designer, gosto de desenhar peças… Não sou o Sergio Rodriguez, o Jader Almeida… Sou arquiteto, faço estes móveis e só faço os móveis que acho que sei fazer.
Qual a atividade que lhe dá maior liberdade de expressão?
Claro que é o design de produto. E as imagens que uso e mexo! Agora estou a trabalhar com quatro séries… Uma delas de frutas, que nunca tinha feito… Comecei a descobrir coisas lindas, como uns cachos de Guaraná que parecem uns olhos vermelhos… É quase um prémio! Porque não tenho clientes a exigir, faço o que quero. E uma coisa que sempre quis: que ficassem guardadas imagens da nossa cultura que a gente tem muito bonitas, como um pássaro brasileiro, uma flor…
Lembra-se do seu primeiro projeto?
O meu patrão, que só fazia prédios, deu-me o projeto de uma casa em Itaipava, região do Rio de Janeiro. Ele assinou e eu fiz. A casa está lá até hoje.
De lá para cá, o que mudou?
Hoje, sou rotulado. Sou uma pessoa que adora cor, tenho uma alma ligeiramente barroca, não gosto de morar em espaços vazios. Gosto de formas, de cores, de volumes… A bagagem da vida muda-nos, assim como a tolerância com a crítica! A coisa mais importante da vida é a bagagem que a gente carrega. Só vale a pena envelhecer se a gente tem uma bagagem para carregar.
Quais são as suas fontes de inspiração?
A natureza brasileira. O olhar que o estrangeiro teve do Brasil no séc. XIX, franceses, alemães, austríacos… Cada um olhou o Brasil de uma maneira! Não havia máquina fotográfica, então trabalhavam com o olhar deles. Quando eu comecei a olhar, pensei, porque eu não misturo isto tudo com o meu olhar e a natureza de hoje. Sou louco pelo que vejo, vibro muito com o olhar!
Espaços públicos ou privados?
Nos últimos anos, fiz uma série de restaurantes. Só o ano passado foram cinco! Mas eu adoro fazer casas, entrar na alma da casa, da família…
Móveis ou objetos?
Mesas, gosto muito de mesas. Deve ter a ver com essa coisa de gostar de comer.
O seu hobby é cozinhar… A cozinha é o seu espaço de eleição?
Adoro. E faço uma cozinha como quem cozinha! A minha cozinha é mínima, porque a minha casa é pequena, mas é aberta ao espaço social, de convívio…
Como surgiu a oportunidade de colaborar com a Vista Alegre?
Fiz uma exposição sobre Bordallo Pinheiro. Quando conheci o trabalho de Bordallo Pinheiro, apaixonei-me… É loucura, sou alucinado por Bordallo Pinheiro! Depois a Vista Alegre desafiou-me a desenvolver o projeto Olhar o Brasil por Chicô. Mostrei os pássaros, o papagaio… a fauna e flora brasileiras. E adoraram! Nasceu a coleção Olhar o Brasil, em porcelana, e depois fiz uma peças avulsas, mas poucas (gifts decorativos e utilitários).
Como é transpor a identidade e os valores de uma marca?
A Vista Alegre, por exemplo, pega bem na escolha de identidades diferentes. Mas acho que é a alma. Tem um momento que a gente usa a alma, e isso é importante!
Consegue ‘sair’ de um projeto, uma loiça, por exemplo, e ‘entrar’ num trabalho diferente, como uma almofada?
Tranquilo. Só consigo viver se for assim. Nunca tento fazer uma coisa que acho que não posso fazer. O desafio para mim é limitado. Tenho tanto coisa já. Para quê querer mais do que eu já tenho?
Fale-nos um pouco da marca Olhar o Brasil por Chicô…
A Olhar o Brasil por Chicô só é usada em Portugal, através da Vista Alegre, mas no Brasil é Olhar o Brasil. Esta marca, cujas peças estão disponíveis na Pau-Brasil em Lisboa, veio depois do meu livro, intitulado O Olhar (da Editora Senac Rio, lançado em janeiro de 2006, à venda na Fnac).
Como fez a seleção das peças presentes na Pau-Brasil em Lisboa?
São as peças que viajam melhor, primeiro. Depois, são as peças que vou fazer várias mudando a cara. E quero começar a fazê-las aqui. Os jogos emericanos já são feitos em Portugal. O ferro também será feito aqui. Trazer móveis é muito complicado. Trago uma parte de lá, outra faço aqui.
Das peças disponíveis em Portugal, qual a que destacaria?
Tenho uma única peça minha em casa: a mesa Feijão, semelhante à que está aqui, na loja de Lisboa, embora esta tenha uma imagem da igreja de Paraty.
Qual o feedback desta internacionalização da Olhar o Brasil por Chicô?
Estou aqui com as minhas peças. E isso, por enquanto, é uma delícia!
O que lhe falta fazer?
É uma resposta muito fácil. Sempre quis deixar uma marca minha de arquitetura no Brasil. Não é preciso ser uma obra a partir do zero, mas uma intervenção, num prédio antigo, que ficasse, como restaurar o Copacabana Palace… Não consegui.
Próximos projetos…
Tenho muita coisa andando e cada uma anda a um ritmo diferente.
Decoração: Olhar brasileiro
Entrevista com Chicô Gouvêa.