Comecemos pelo ‘não’. Como surgiu?
Na faculdade, percebi que a ilustração me fazia muito mais feliz do que o design. O meu apelido é Silva, o mais comum entre os habitantes de Portugal e Brasil (obrigada, Wikipédia). Então, decidi adotar um novo nome. Fiz uma lista e lembro-me de dizer, em voz alta, enquanto lia, ‘não, não, não, não’. Até que me perguntei, ‘porque não?’.
É uma assinatura ou um manifesto?
É o direito que todos nós temos de dizer ‘não’, o direito à liberdade, o superpoder de escolher que temos mas nos esquecemos. Além disso, o ‘não’ transformou-se numa terapia. Custou-me muito aprender a dizer ‘não’ ao que as pessoas queriam e ‘sim’ ao que eu queria.
O ‘não’ é mais importante que o ‘sim’?
Eu diria que o ‘não’ é urgente. É muito mais fácil dizermos ‘sim’, aceitar as coisas, deixarmo-nos ir com a posição de outra pessoa ou grupo, do que nos revoltarmos. O ‘não’ é uma posição de defesa e ainda mais de ataque; é a força de poder dizer ‘eu estou aqui e não concordo’. É acreditarmos em nós mesmos, é lutar pelo direito de escolher. Para o ‘não’, mais do que coragem, é preciso amor-próprio. E se há alguém que está sempre disponível para nós, somos nós mesmos. Há que aproveitar!
O que nasce pós-ideia: a ilustração ou a escrita (ambidestra)?
Regra geral, o que eu quero dizer por palavras vem primeiro e só depois procuro a ilustração que pode enfatizar e complementar a mensagem.
E os bordados?
Sou eu que bordo à mão. Faço-o porque, além da escrita, há outro elemento com um caráter muito forte no meu trabalho: o tempo. A honestidade dos posts (Instagram) vem do desenho imediato da ideia, enquanto nos bordados vem de todo o processo cauteloso que o bordado implica. Logo, faz todo o sentido que seja eu a fazer, e dá-me gosto bordar.
Clara Não gosta de escrever em passadeiras. Vale tudo (tela, papel, tecido, muros, paredes) quando o objetivo é expressar-se?
Sim, vale tudo o que ajudar a comunicar a ideia da melhor forma. Mas quando uso o espaço público como suporte tenho como preocupação o caráter temporário das intervenções. Uma das coisas que mais me atrai na arte de rua é a efemeridade. Por essa razão uso carvão vegetal nas paredes. No caso das passadeiras, além de gostar do formato, os carros vão apagando as palavras, um bocadinho de cada vez. ‘Clara Não gosta de escrever em passadeiras’ é uma brincadeira que faço com o meu nome de artista. Parece que não gosto, quando adoro escrever em passadeiras: são cadernos pautados urbanos.
Que mensagem e símbolos são recorrentes na sua obra?
Falo muito de saudades de um tempo que já passou, sem querer que ele volte, da necessidade e urgência do amor-próprio e respeito por nós e pelos outros e também abordo a sexualidade, como algo natural, independentemente de géneros ou orientações sexuais. Em termos de símbolos, as escamas são um elemento que me é querido, ligam o céu e a terra: as escamas dos telhados e as escamas dos peixes.
Usa a ironia e o humor para falar de assuntos sérios. O amor é um deles? Como é ‘ilustrá-lo’?
É doloroso. O amor é doloroso quando se transforma em saudade. É aí que me dói mais, quando sabemos que não vai voltar a acontecer. Já chorei várias vezes a escrever e ilustrar, mas é bom poder transformar dor em beleza. Passado um tempo, quando olho para as ilustrações sobre o amor, se forem de saudade, sorrio, já não choro; se forem de raiva, rio-me, já não desespero. De uma forma ou de outra, funciona.
Tem trabalhos seus em casa?
Tenho dois na sala, na parede do sofá, e no meu quarto, com um formato de brainstorming de ideias que vejo quando acordo.
A sua divisão preferida é, e não é…?
O meu quarto, que é enorme e tem uma janela quase do tamanho da parede, e não seria o corredor, porque é um sítio que não é nada, só serve para chegar aos sítios para onde quero ir.
Peça de decoração de que mais gosta ou da qual não prescinde…
O meu candeeiro de secretária, sem dúvida. Primeiro, porque é grande, ótimo para os bordados e as ilustrações. Segundo, porque me faz lembrar o Método Castilho (método de aprendizagem da escrita), quando Castilho diz “a palavra candeeiro, sendo quatro vezes maior que a palavra sol, exprime um objeto milhões e milhões de vezes mais pequeno que o sol”.
Próximos projetos…
Dica de amiga: estejam atentos à página instagram/clara.nao.