Quem é Sam Baron?
Sou diretor artístico e designer francês e tenho residência e grande ligação a Portugal desde 2001. Estudei na Faculdade de Belas-Artes de Saint-Étienne, França, e fiz pós-graduação na Escola Nacional Superior de Artes Decorativas de Paris.
Qual a sua história?
Nasci em Jura, região da França junto à Suíça, numa vila no meio das montanhas. Depois do liceu fui para Saint-Étienne iniciar a minha educação artística. Durante os estudos aproveitei sempre as férias para fazer estágios, ser assistente de designers ou colaborar com agências de publicidade.
Pode revelar-nos um pouco do seu percurso profissional?
Fui assistente de designers, casos de François Bauchet, Garouste e Bonneti. Acabada a escola, comecei logo a assinar projetos para a loja do Museu de Artes Decorativas de Paris e para marcas pequenas. Em paralelo, fui vitrinista de marcas de moda: Louis Vuitton, Dinh Van, De Beers, entre outras. Em 2003 fui residente na Fabrica – centro de pesquisa em comunicação, financiada pelo Grupo Benetton. Em 2007 assumi a direção do Departamento de Design e, ao fim de uns anos, atuava em quase todas as atividades da Fabrica (incluindo o design gráfico e interativo, exposições de design, etc.). Em 2018 tive uma rotina dita ‘mais normal’, entre Portugal e França, concentrado no regresso ao design enquanto autor e, em paralelo, à direção artística de algumas marcas. Fiz ainda parte de um think tank chamado Thinkers & Doers como consultor criativo.
Quando decidiu que queria seguir uma carreira ligada ao design?
Os dois primeiros anos nas Belas-Artes foram um mix de todas as práticas artísticas. Com boas notas, tive de ser eu a escolher em qual das áreas queria entrar. Tenho imenso respeito pela arte, porque é a prática mais absoluta, mas tinha medo de ficar isolado à espera que uma galeria viesse ter comigo. O design de comunicação é rapidamente consumido. Então o design tridimensional, de objeto, é a prática que permite estar em contacto com o mundo, encontrar produtor, marcas, e, por outro lado, criar peças que ficam e são símbolos de uma marca.
O que prefere desenhar: objetos, mobiliário, iluminação?
Hoje em dia gosto mais de trabalhar projetos globais, ou seja, ter uma reflexão com a marca, escrever o briefing e aí desenhar o que for preciso: espaço, restaurante, pratos, logótipo, menus, etc. Também gosto muito de receber uma ‘missão’ específica, como desenhar uma cadeira ou uma peça para um serviço de mesa. É um exercício a que me dedico horas a fio a ‘sujar’ o papel com a caneta. É uma representação da minha personalidade através de um objeto.
Tem alguma peça preferida?
Gosto e tenho muita ‘facilidade’ (porque tenho muito treino!) com serviços de mesa, e foi assim que iniciei a minha carreira. Seja porcelana fina, cristal ou grés, como o caso de um serviço para a Mateus (produzido em Portugal). Fui educado numa família que gosta de receber: a minha bisavó paterna cozinhava como uma profissional, os meus avós escolhiam bem os vinhos e de acordo com os pratos cozinhados pelas suas mulheres. Os meus pais tinham uma quinta e um restaurante com carta baseada nos produtos locais.
Qual a peça/projeto que foi um grande desafio? Porquê?
Uma exposição, em Milão, para a Daikin (ar condicionado). Um desafio porque, como objeto de design, é difícil de expor: uma caixa branca de plástico. Convenci o cliente a seguir o seu know-how: frio e calor. Resultou numa exposição de 1200m², com instalações multissensoriais a mostrar o contraste e a distância entre calor e frio.
Qual a fonte de inspiração para criar?
Visitar museus, ler para abrir a cabeça e adquirir cultura diferente do meu dia a dia de designer. Procurar inputs variados, que enriquecem a curiosidade.
O que mais importa no desenho de uma peça?
Responder às expectativas dos clientes das marcas, procurando surpreender com detalhes especiais.
Conhece outros designers em Portugal?
Marco Souza Santos, Filipe Alarcão, um dos pioneiros do design atual, Fernando Brízio, uma atitude muito singular, Pedro Sottomayor, uma força tranquila que se envolve com marcas portuguesas, Gonçalo Campos, com carreira internacional de alto nível, e Samuel Santos, um designer que trabalha principalmente os mármores.
Qual a sua relação com Portugal?
É o meu segundo país, pelo qual tenho muita consideração, amor e respeito. Portugal é cheio de recursos, capacidades e também de encanto, claro.
Na história do design, tem algum designer de culto?
Tenho muito respeito por Jean Royère, o primeiro designer de interiores francês a pensar os projetos como um todo. Os criadores da época modernista, como Gio Ponti (o Starck dos dias de hoje), abraçavam a prática do design com um novo olhar.
No mundo do design, tem uma peça favorita? Aquela que gostaria de ter desenhado…
É muito difícil responder, porque há muita coisa interessante! Mas gosto muito do candeeiro Parentesi, do Castiglioni, pela presença escultural, aparente simplicidade e complexidade técnica.
Como será a sua casa ideal ?
Bastante vazia e arejada, com traço arquitetónico particular, que permita ter lugares de “exposição” para famílias de peças – mistura de antiguidades, peças de design contemporâneo, objetos do quotidiano (found objects). Um minigabinete de curiosidades.
Em sua casa, quais as peças que não dispensa?
Os castiçais, pela luz das velas, e o vide poche, para poder largar tudo quando entro em casa depois do trabalho…
O seu espaço favorito em casa.
A sala de jantar, porque é versátil: serve para juntar amigos e família, partilhar comida e vinhos. Também se transforma numa enorme mesa de trabalho. Ou é uma grande superfície plana para composições de plantas, objetos decorativos… (cenário próprio do quotidiano do designer!)
Qual vai ser, em seu entender, o futuro da casa face ao crescimento tecnológico?
Sempre mais prática, fácil de viver mas também, cada vez mais, um refúgio. O excesso de tecnologia na vida atual vai provocar o efeito da gruta: o anseio por um espaço onde partilhamos momentos de vida únicos.
Acha possível decorar uma casa de forma acessível e personalizada?
Claro! Só é necessário fazer o esforço de editar gostos. Refletir sobre como queremos a casa: um espelho da nossa personalidade? Uma imagem na qual ficamos bonitos? Uma viagem imóvel entre paredes? Com pouco se consegue, basta escolher as peças base.
O que compraria para a sua casa com 200 euros?
Plantas, flores, vasos para dar vida, cores e cheiro. Acrescentaria um espelho, para multiplicar o efeito.
O que gostaria de desenhar e ainda não fez?
Um hotel e um restaurante de raiz. Gostava de mostrar através do design um encontro perfeito entre proprietário e chef, e sabendo transmitir que em todo o momento ali vivem clientes. Gosto de desenhar memórias únicas que ficam nas cabeças dos clientes.
Qual a maior lição que a vida já lhe deu?
Tudo é novo, nada é antigo – é uma questão de contexto! Criar contexto à volta da chávena ou de uma loja é o mais difícil, mas o mais gratificante.
Projetos futuros?
Está a ser apresentado o serviço Petites Histoires, composto de momentos da vida escolhidos para a Vista Alegre. a pensar na partilha de um bolo, no apresentar de uma peça para ‘esconder’ bombons ou segredos em caixas de porcelana. Recentemente, fui escolhido pela Maison Pierre Frey para ser o primeiro diretor artístico da nova coleção de móveis da marca. É um grande desafio projetar o futuro nessa casa e marca com peças de design como sofás, cadeiras, biombos, etc. Adorei também ser chamado pelo Maat para criar uma sinalética especial para as regras da Covid-19. Trabalhei com o ateliê lisboeta Lavandaria um projeto onde as mensagens entram em contacto com os visitantes através de espelhos e tijolos (referência à antiga fábrica de eletricidade e ligação às obras recentes do Maat). Vou fazer mais peças para a Noma e Petite Friture, duas marcas de sucesso do design internacional. E estou a desenvolver uma linha de casa para uma grande casa de moda de Paris.
Porquê o Teatro São Carlos para este encontro?
É um pouco uma escolha inesperada. O São Carlos é a histórica casa de ópera no coração da capital portuguesa. O lar da música, para mim uma das práticas artísticas sem fronteiras, vai diretamente ao coração. Tem um toque levemente francês, com as suas molduras e lustres, que aprecio. Gosto de contrastes, pois destacam as diferenças e as qualidades, por isso sou um contemplador da decoração do São Carlos, que também é um espelho da minha atitude perante a vida.