Designer, artista ou ilustradora?
Desde a infância que me mantenho fiel a mim mesma. Cultivei uma paixão profunda pelo desenho, que, mais tarde, encontrou expressão em várias formas. Hoje, se tivesse de traçar o meu perfil, descrever-me-ia como uma designer no sentido mais lato do termo. A capacidade de dar forma ao design, tornando-o tangível e integrando-o em contextos tridimensionais, é um testemunho da minha versatilidade.
Como define o seu trabalho?
Talvez a palavra que melhor o descreva seja “contaminação”. Procuro ir além da essência puramente funcional do objeto. Esforço-me por acrescentar camadas de complexidade e diferentes interpretações. Podem rotular-me de maximalista, mas isso nem sempre é verdade. Depende muito do projeto e da história que tenho para contar.
Qual é a sua abordagem ao design?
O valor da minha abordagem reside na capacidade de desafiar convenções predefinidas e explorar novas perspetivas. O design é sinónimo de inovação e esta só se pode manifestar através da mescla, descoberta e exploração, que vão para além dos limites estabelecidos. Quer se trate de design, arte ou ilustração, o meu trabalho evolui através da criação de composições e metáforas visuais, feitas a partir de uma seleção cuidadosa de elementos capazes de contar uma história. O resultado não se limita à conceção de objetos ou imagens esteticamente agradáveis e funcionais. Passa também por gerar um impacto positivo na sociedade, no ambiente e bem-estar emocional das pessoas. A emoção é uma função primordial. Acredito que, através de uma abordagem criativa, é possível evocar sensações e reflexões, assim como contribuir ativamente para a formação de um contexto social e ambiental mais sustentável. A consciência da importância da estética, aliada à responsabilidade social, tem como objetivo produzir obras que não sejam apenas expressões artísticas, mas veículos de mudança positiva.
A sua filosofia de vida reflete-se na forma como gere o Elena Salmistraro Studio?
Sem dúvida. Penso que a sinceridade e a honestidade são fundamentais em qualquer movimento criativo. Mesmo no simples ato de traçar uma linha, o designer, artista ou ilustrador entrega uma parte de si e da sua personalidade. Esta transmissão não é apenas necessária, mas essencial, pois gera a autoria da obra. No meu caso, a minha tendência para sobrepor elementos pode levar a uma certa desordem. Acredito que essa sobreposição acrescenta uma camada de complexidade e profundidade ao trabalho, contribuindo para expressar a minha visão.
Existe um estilo, algo que reflita os valores das suas criações?
Não exatamente. Trata-se de uma sobreposição significativa, da estratificação de tudo o que desperta o meu interesse, ressoa em mim e, de alguma forma, me pertence. Estar ligada a um estilo é limitador e, em alguns casos, até prejudicial. Gosto de definir o meu trabalho como orgânico, no sentido em que evolui, está vivo e em constante mudança. Esta perspetiva dinâmica permite adaptar-me aos desafios artísticos e explorar novas direções, contribuindo assim para o meu crescimento criativo e pessoal.
Quais são as etapas do processo criativo?
O processo criativo é extremamente variável e a sua dinâmica depende muito da especificidade do projeto. Nalguns casos é necessário dedicar algum tempo à fase inicial de estudo. Aqui, o passo fundamental é uma pesquisa meticulosa. Noutros casos, posso começar a minha viagem criativa com a fase de conceção, anotando ideias e esboços iniciais sem esperar pela compreensão de todos os aspetos. Posteriormente, procedo a uma exploração aprofundada de áreas ou pormenores específicos. Em ambos os casos o processo evolui em simultâneo, através de fases de experimentação, ensaios e criação de modelos, tanto físicos como virtuais. O segredo está na capacidade de moldar e personalizar o processo criativo com base nas necessidades e no contexto específico de cada projeto.
Qual é o seu método de investigação?
A abordagem à investigação baseia-se num método simples mas eficaz, centrado na recolha, análise, observação e compreensão. A recolha de elementos desempenha um papel fundamental em vários aspetos. Em primeiro lugar, serve como peça-chave para compreender segredos, técnicas e padrões. Em segundo lugar, ao operar através de sobreposições e estratificações, a recolha de material e informação constitui a força vital do processo. Naturalmente, tudo isto implica uma reinterpretação cuidada de cada elemento com o objetivo de gerar algo novo e inovador. A investigação torna-se, assim, um processo dinâmico, onde a sinergia entre recolha e reinterpretação resulta em obras que estimulam a mente e convidam à reflexão.
Quanto tempo leva a criar um produto?
Cada projeto constitui um universo próprio, caracterizado por diferentes níveis de investigação, definição e estudo. Às vezes, as ideias precisam de anos para desenvolver plenamente o seu potencial. Exemplo disso é a coleção de joias em aço inoxidável concebida para a Alessi. Outras vezes alcançamos os resultados desejados num mês. Foi o caso das mesas Sangaku, para a Driade. O design vive de erros e descobertas, testes e experiências, o que torna impossível estabelecer um tempo definitivo para a conclusão do processo. Este ciclo constante de experimentação contribui para moldar o percurso do projeto de uma forma dinâmica e inesperada.
De onde vem a inspiração?
Diretamente da vida quotidiana. O verdadeiro exercício consiste em reconhecê-la, na arte de observar em vez de apenas olhar. Ao longo dos anos, aprendi a transformar ideias, pensamentos e visões em formas tangíveis. A rotina diária do desenho tem desempenhado um papel fundamental, atuando como catalisador da minha expressão artística.
Qual é o seu material de eleição?
É, sem dúvida, a cerâmica, única, versátil e sustentável. Foi com a cerâmica que dei os primeiros passos! Após a licenciatura, comecei a produzir os meus primeiros objetos e aprendi várias técnicas de modelação. A cerâmica deu-me muito e estou-lhe profundamente grata. Ainda hoje é um material que consegue surpreender-me e cativar-me. A sua natureza, intrinsecamente sustentável, torna a experiência de trabalhar com cerâmica não só criativamente gratificante como eticamente significativa.
Há algum desenho ou coleção de sua autoria de que goste particularmente?
Os Primates, concebidos para a Bosa. Estes três vasos de cerâmica representaram uma oportunidade extraordinária de mostrar o meu trabalho a um público alargado. A minha – já referida! – paixão e a minha experiência no campo da cerâmica foram a base para a criação de uma coleção que é simultaneamente contemporânea e icónica. Os Primates são a combinação perfeita entre a minha visão artística e o meu trabalho artesanal, refletindo o meu empenho em aliar estética e funcionalidade.
E qual das suas criações é o maior hit?
Não sei. Depende da perspectiva. Os Primates deixaram uma marca indelével no imaginário coletivo, sendo um best-seller até hoje. No entanto, a minha homenagem ao Mickey Mouse (Disney+Bosa) também alcançou um sucesso considerável. A poltrona Lisetta (para a Bottega Intreccio) ganhou inúmeros prémios, tal como o revestimento Chimera, em grés porcelânico, para a Cedit. Além disso, a coleção de joias Venusia, criada para a Alessi, e a série de tapetes Legami, para a Tai Ping, também foram bastante aclamadas. Cada projeto tem a sua própria história e um percurso distinto.
Foi eleita Ambiente Designer 2024 pela Ambiente, que decorreu em janeiro em Frankfurt. O que nos pode dizer sobre a sua apresentação especial The Lounge – A Serious Game que teve lugar na feira?
A minha narrativa é uma visão, um conceito que desejo que seja compreendido, servindo de estímulo para uma abordagem radicalmente diferente ao design. Através do design lúdico, podemos convidar as pessoas a explorar novas perspetivas, levando-as a refletir sobre a forma de criar um mundo melhor. Esta abordagem visa quebrar barreiras conceptuais e inspirar mudanças positivas, incentivando a participação ativa e o envolvimento da comunidade. Numa era em que reina a complexidade, o design deve atuar como um catalisador da transformação cultural e social. A educação através do sorriso e da imaginação abre as portas a uma aprendizagem mais profunda e duradoura, contribuindo para moldar um futuro em que o design não é apenas funcional, mas também imbuído de significado e impacto positivo.
Projetos para 2024. O que podemos esperar?
Atualmente a finalizar a produção das novas coleções, estou ansiosa por partilhá-las durante os próximos eventos. Além disso, estou concentrada em projetos mais ligados ao mundo da arte, embora ainda estejam numa fase embrionária. Tenho um forte desejo de voltar a colaborar com a indústria da moda e estou a pensar em dedicar mais tempo e energia a um projeto de design de interiores, explorando esta minha paixão de uma forma mais tangível e concreta. Por norma, concentro-me no presente, permitindo que as ideias se desenvolvam naturalmente e ganhem forma. Mas estou bastante entusiasmada com os próximos desafios, com o que o futuro me reserva e aberta a novas oportunidades que se alinhem com a minha visão artística e criativa.
FOTOS: cedidas
Publicado na edição 319 da Caras Decoração