Após 15 anos dedicados ao atletismo, Francis Obikwelu decidiu arrumar os ténis de competição e desfrutar da vida, sem ter de se preocupar em fazer e desfazer malas, viajar de país em país, ou acordar todos os dias de madrugada para iniciar os treinos. Ainda a habituar-se aos novos horários e ritmo de vida, o atleta, de 29 anos (completa 30 em Novembro), recebeu-nos na sua moradia, em Albufeira, onde nos falou das dificuldades que passou tanto na Nigéria, onde nasceu, como até em Portugal, já que viveu os dois primeiros anos como clandestino no nosso país. Revelou também projectos que tenciona desenvolver, entre os quais uma fundação com o seu nome, através da qual tenciona ajudar novos talentos do mundo do desporto. Durante esta conversa, ficámos a conhecer melhor Francis Obikwelu: além de ser um atleta exemplar, é também um ser humano sincero, humilde, muito religioso, com um respeito enorme pela família, que sonha encontrar a mulher ideal ao lado da qual possa concretizar o desejo de ser pai de… 11 filhos! – Que recordações guarda dos 16 anos que passou na Nigéria? Francis Obikwelu – O meu pai era comandante da polícia e a minha mãe tinha um restaurante. Éramos uma família rica até sermos roubados por um agente em que o meu pai confiava demasiado. Ficámos pobres, e uma das razões pelas quais admiro muito os meus pais é terem sabido guardar tudo aquilo no seio da família. Ninguém sabia que estávamos a passar fome: não estava escrito na nossa cara, estávamos sempre felizes… A minha mãe chegou a chorar por não ter comida para dar aos filhos. – Foi o Francis quem os ajudou a ultrapassar as dificuldades? – Sim, fui eu. A minha mãe sempre gostou muito de mim, mas fui o filho que lhe deu mais problemas: estragava e desmanchava tudo em casa, porque gostava de aprender. A minha mãe dizia que devia tornar-me engenheiro! [risos] Um dia ela levou o nome dos cinco filhos a um vidente, que lhe disse: "Esse que tu dizes que não tem cabeça vai ser o mais rico da família." A minha mãe não acreditou, mas foi isso mesmo que aconteceu. Sempre disse à minha mãe que ia ficar famoso e rico, e que depois a ajudaria, mas ela não acreditava, dizia que estava a sonhar muito… Tenho-os ajudado muito: montei um negócio de importação de vinho espanhol para a Nigéria para o meu irmão, a minha mãe tem uma mercearia e o meu pai tem um escritório. – Chegou a Portugal em 94 para representar a Nigéria no Campeonato do Mundo de Juniores, e acabou por ficar clandestino no nosso país. Por que não quis voltar para a Nigéria? – Porque a vida lá é muito difícil e sempre nos disseram que a vida na Europa era melhor… não sabia é que era mais complicada, porque ninguém nos dá trabalho. Não tinha documentos, não falava português, e acabei a trabalhar nas obras, no Algarve. – Foi o momento mais difícil da sua vida? – Foi muito duro e muito complicado. Nunca tinha feito aquilo na vida, era muito jovem, só tinha 16 anos, e não parava, trabalhava como uma máquina. Só mais tarde, através de uma amiga, é que deixei as obras para começar a treinar com o Fausto Ribeiro, no Belenenses. Mas no início também foi difícil, pois todos os dias fazia o percurso entre o Bairro Alto e o Belenenses a pé. Chegava exausto a casa… – Desistiu da alta competição após a participação nos últimos Jogos Olímpicos. Emocionou-se nesse momento? – Cheguei a chorar na pista! A minha treinadora ficou muito triste e nenhum dos meus amigos acreditava que ia mesmo deixar as competições… – Já se habituou a este novo ritmo de vida? – Sim, é um pouco estranho e muito diferente daquilo a que estava habituado. Neste momento estou a iniciar uma nova vida, a conhecer novos amigos, mas espero que daqui a uns meses já tenha entrado no ritmo. – Continua a treinar? – Sim, dia sim dia não, para não perder o ritmo e não ficar com barriga! [risos] – Depois dos Jogos tomou a decisão de pôr fim a uma relação que mantinha há dois anos. Até no campo amoroso a sua vida mudou… – Sim. É uma nova etapa da minha vida. As coisas não estavam bem entre nós e decidi terminar com a minha namorada. Acredito que existe a mulher certa para nós, só temos de estar atentos para a encontrar. – Um dos seus maiores desejos é ser pai… – Sim, gostaria muito de ter filhos num curto espaço de tempo. – Para encher esta casa de crianças? – Sim, quero vê-las brincar, ouvi-las gritar, acho que as crianças dão outra vida à casa. Além dos meus filhos biológicos, queria muito adoptar três filhos, um africano, um europeu e um asiático. – Acha que vamos ter um atleta sucessor do Francis? – É muito difícil. Ou é outro atleta nigeriano ou é meu filho, e, para que isso aconteça, ainda faltam uns anos… [risos] O atleta, de 29 anos, abriu as portas da sua casa, em Albufeira, para falar dos seus sonhos e projectos. Ainda a habituar-se à sua nova rotina, longe das competições, o atleta não esconde o desejo de se casar e ter filhos em breve. "É muito difícil voltarem a ter um Obikwelu nas pistas. Ou é outro atleta nigeriano ou é meu filho, e, para que isso aconteça, ainda faltam uns anos…" "Continuo a treinar, para não perder o ritmo nem ficar com barriga!" Francis Obikwelu falou das dificuldades que enfrentou tanto na Nigéria, onde passou fome, como em Portugal, onde chegou a viver como clandestino.