É fácil simpatizar com Rosa Lobato de Faria: sorri facilmente, o tom de voz é doce, conta histórias envolventes… É uma pessoa com carisma. Aos 76 anos, não há nada que a demova dos seus objectivos nem assuntos que a intimidem. Actriz e autora de letras para canções, é como escritora que nos últimos anos se tem afirmado. As Esquinas do Tempo é o seu mais recente romance, uma história intrigante que se passa no início do séc. XX e que serviu de pretexto para marcar encontro com a autora, que acabou por fazer também uma viagem no tempo.
Nascida em Abril de 1932, Rosa Lobato de Faria casou-se aos 19 anos com António Sacchetti, pai dos seus três filhos mais velhos – Teresa Sacchetti, de 56 anos, João Sacchetti, de 53, e Bi Rebelo de Sousa, de 52 -, com quem se manteve casada dez anos. Depois, voltou a encontrar o amor junto de Carlos Franco, e desta relação nasceu, há 43 anos, o quarto filho, Nuno. Também essa paixão não foi para a vida, mas Rosa Lobato de Faria não desacreditou no amor eterno e desbravou caminho rumo à felicidade.
Há 33 anos a sua vida cruzou-se com a do editor literário Joaquim Figueiredo Magalhães, fundador da Ulisseia, agora com 92 anos, com quem continua a viver um casamento baseado na cumplicidade. Além dos filhos, também os 12 netos – nove raparigas e três rapazes, a mais velha de 31 anos, a mais nova de quase dois anos – fazem parte do seu grande tesouro.Mas deixemos que seja a própria protagonista da história a contar alguns dos episódios que preenchem o livro da sua vida…
– Antigamente, as meninas casavam-se cedo e a grande maioria ficava a tomar conta dos filhos. Aconteceu o mesmo consigo ou fugiu à regra?
Rosa Lobato de Faria – Optei por me dedicar 100% aos meus filhos, mas chegou uma altura em que comecei a dar explicações de inglês em casa, o que escandalizou algumas pessoas que odiavam que eu trabalhasse. Havia um preconceito. Mas eu não queria saber, precisava do dinheiro para me sentir independente. Depois, quando as minhas filhas foram para o colégio, fui trabalhar. Tinha o curso de guia-intérprete e arranjei emprego no Turismo de Évora.
– Isso deve ter causado alguma discórdia…
– Uma discórdia absoluta. Só que eu não era pessoa para ficar dependente e quietinha.
– Bem, então presumo que quando se divorciou do seu primeiro marido, também tenha sido um escândalo…
– Naquela altura foi escandaloso, mas nunca me ralei nada com o que os outros pensavam. Regulei-me sempre pela minha cabeça.
– Ou seja, rompeu com o ‘politicamente correcto’ e foi em busca da sua felicidade…
– Casei-me cedo, com 19 anos, e achava que seria para a vida. Só anos mais tarde, quando parei para pensar, é que percebi que já não era feliz no meu casamento. Repensei os meus valores. Alguns ignorei, outros aproveitei, como a lealdade, o companheirismo, a seriedade, a responsabilidade e a competência. Não sabia se era para ser feliz, mas era uma forma de experimentar a vida.
– Entretanto voltou a apaixonar-se, a ter filhos e a separar-se. Depois de duas relações sem um final feliz, ainda teve coragem para um terceiro casamento…
– Estava farta de homens, mas, de repente, apareceu-me este anjo na minha vida, que é o Joaquim, e não resisti… Foi o meu filho João que me alertou para o facto de a felicidade só passar por nós uma vez…
– O que é que o Joaquim tem de diferente?
– Ele gosta de mim como sou. Há muitos homens que se apaixonam por nós porque somos diferentes, mas mal se casam connosco querem que sejamos iguais às mães deles, de preferência. É uma regra. O Joaquim não. Quando me conheceu, achava-me imensa piada. Dizia que eu era linda, inteligente. Ele é uma pessoa de uma tolerância enorme. Dá-me toda a independência que quero ter, com todo o carinho que preciso. É uma pessoa tão boa… É inteligente e excepcional.
– Antes de encontrar o Joaquim, chegou a acreditar que não voltaria a amar?
– Desacreditei no casamento, no amor nunca deixei de acreditar. Mas acho que o amor também não é a melhor condição para uma pessoa se casar…
– Quer dizer que só o amor não chega, não é suficiente?
– Entre duas pessoas tem de haver uma enorme amizade, à qual podemos chamar amor, que vai passando com o tempo, que se transforma. Se a pessoa tem uma grande paixão por outra, isso não é uma boa condição para se casar. A paixão passa, a grande amizade fica para sempre…
– Alguma vez se sentiu apaixonada pelo Joaquim?
– Não senti paixão nenhuma. Senti ternura, carinho e achava-lhe imensa graça, ele tem um sentido de humor brilhante. Até hoje nunca nos faltou assunto, o que é bom sinal. Entre nós há uma grande cumplicidade.
– Dá-lhe os seus livros a ler quando são ainda um rascunho?
– Ele diz que gosta muito do que eu escrevo, mas deve estar a ser pouco isento. [risos] Ele foi editor, e se diz que um livro meu é bom, é porque, pelo menos, tem alguma coisa que se aproveite.
– Para o Joaquim, a Rosa é melhor escritora ou melhor actriz?
– Melhor escritora. Acho que ele preferia que eu não representasse, embora nunca mo tenha dito. O sonho dele é que eu passe o tempo só a escrever e, ao que parece, está a conseguir.
– Sim, acabou de lançar mais uma obra. Onde é que foi buscar inspiração?
– Isso da inspiração é uma coisa um bocado misteriosa. Quando tenho uma ideia, só sei se é boa se me deitar e acordar a pensar na mesma coisa. Se assim não for, a ideia não é para explorar.
– A acção deste seu romance passa-se em 1908. Também costuma fazer viagens no tempo e recuar ao seu próprio passado?
– Em relação à História, sim, gosto de fazer pesquisas e saber como se vivia noutros séculos. Em relação à minha vida, não vivo no passado, o que me interessa é o momento presente. Só tenho preocupações em relação ao futuro por causa dos meus netos. Não sei como vai ser este planeta, mas, felizmente, não vou cá estar para ver. Também sei que o ser humano tem um poder de adaptação extraordinário e acredito que vai inventar a forma, os meios, as atitudes que vão ser precisos para viver com essa nova realidade.
– Vive harmoniosamente com o passar dos anos?
– Nem dou por isso. Sei é que tenho de fazer tudo depressa porque estou de saída…