Durante alguns anos, Maria Manuel e José Pedro Cyrne recusaram-se a celebrar o Natal. Não porque o casal não gostasse da quadra, mas porque sempre achou que era, por excelência, um tempo para celebrar com crianças. Primos direitos, estiveram casados 26 anos sem conseguir ter filhos, o que os entristecia profundamente. Consequentemente, com o passar do tempo, foram perdendo o encanto, a magia e o entusiasmo próprios desta época. Mas isso foi há mais de sete anos. Entretanto, tudo mudou, quando, a 5 de Dezembro de 2001, nasceram os filhos, os gémeos Pedro e António. Um ‘milagre’ que veio dar, novamente, sentido ao Natal, que a partir desse dia o casal tem preparado com grande alegria, na Casa dos Viscondes da Várzea, em Lamego – onde vivem e que transformaram em hotel rural -, onde receberam a CARAS por um dia. Enquanto José Pedro brincava com os gémeos, Maria Manuel contava-nos como, desde há sete anos, todos os Natais da sua família têm um quê de especial… – Quem passa, nem que seja cinco minutos aqui em casa, em plena fase de preparativos natalícios, percebe que esta época é vivida com bastante intensidade…Maria Manuel Cyrne – É verdade! Acho que o Natal é das crianças, e o facto de terem aparecido os gémeos na nossa vida mudou tudo. E uma das coisas que mudou foi o facto de voltarmos a festejar esta quadra. Perdi a minha mãe pouco tempo antes deles nascerem e com isso perdi o entusiasmo. Não fiz árvore de Natal nem decorei a casa durante algum tempo. Para nós esta época tinha perdido todo o encanto… "O Natal é das crianças e o facto de terem aparecido os gémeos na nossa vida mudou tudo." – Então o nascimento dos gémeos mudou completamente os vossos Natais…- Mudou mesmo. Hoje esta é uma quadra que nos maravilha. Tudo isto tinha morrido para nós até eles nascerem. E termos vindo para Lamego também contribuiu para isso. Aliás, foi por eles que nós nos mudámos para esta quinta. O António nasceu com graves problemas respiratórios e o médico disse que ele precisava de ar puro… Esta mudança de vida foi totalmente por eles. Viemos para aqui pela saúde e pelo crescimento deles, pelo contacto com a Natureza, pelas coisas da terra… E ao Pedro, já ninguém o tira daqui. Têm aqui a horta e os animais deles… Ao todo, têm cinco póneis, uma égua, dois cavalos lusitanos, um rebanho, uma gaiola grande com pavões, três pombas… E tinham uma gaiola com 60 e tal pássaros, mas um dia o Pedro chegou ao pé de mim e disse: "Mãe, não ralhe comigo, mas os passarinhos estavam tão infelizes que eu abri-lhes a porta. Mas mãe, eles voltam! Se quiserem, entram, se não quiserem, deixamo-los ir." [risos] – Acha que aqui eles crescem mais saudáveis?- Sim. Acho que esta ligação à terra, o facto de estarem tão perto destas coisas, fá-los crescer de uma forma saudável e acho que têm uma infância inesquecível e, se Deus nos der forças para continuar a levar isto para a frente, a adolescência também o será. Quantas crianças têm acesso a uma vivência destas? No fundo, este trabalho exige muito de nós, saímos muito pouco daqui, e, quando o fazemos, é para que eles apanhem um bocadinho de sol e praia, e também para lhes darmos um bocadinho de cultura. Desde pequenos que falamos com eles como se fossem mais crescidos. E eles assimilam, interiorizam, alguma coisa fica. "Eles vivem intensamente esta época (…) Preparamos sempre a vinda do Pai Natal de forma original." – Portanto, não pensam em voltar para Lisboa?- Neste momento é impensável. Se um dia vier a acontecer, será porque eles entraram numa universidade lá. E se isso acontecer – como queremos tê-los sempre pertinho de nós -, não sei se não iremos atrás deles. Temos lá a nossa casa que adoramos, e a loja… – Mas é aqui, nesta quinta, que se sentem completos e realizados?- É aqui que vivemos os nossos sonhos, foi aqui que os concretizámos. O mais importante foi sermos pais. Depois, foi o termos conseguido comprar as ruínas da casa onde eu nasci, onde começámos a namorar e onde tínhamos sido muito felizes. Pensámos terminar os nossos dias de mão dada, da mesma forma que a começámos, naquela varanda. Quis Deus que viessem as alcofas, os gémeos… E agora, sim, somos uma família feliz, a viver, finalmente, a vida. A viver os dois sonhos. Obviamente que não é só sonho. É também uma luta diária para que as pessoas gostem de nós, para que venham até aqui, para que este projecto ande para a frente. Felizmente, isso tem acontecido, e aqui estamos nós de portas, de alma e de coração abertos para quem quiser. Este é um sonho que está a ser vivido, somos uma prova viva de que vale a pena sonhar, lutar, não desistir, ter até uma certa dose de obstinação e loucura… "Agora sim, somos uma família feliz, a viver finalmente a vida." – Voltando ao Natal… Começam a preparar esta quadra muito cedo, não é?- Sim. Preparamos as casas, até o estado de espírito… Os meus filhos andam a perguntar-me há que tempos quando é que chega o Natal, quanto tempo falta… Evidentemente, são crianças e gostam de presentes. Mas não só. Tenho a certeza que não é só pelos presentes, é por toda a envolvência. Eles vivem intensamente esta época. Eu seria incapaz de fazer esta árvore sem os gémeos. Eles têm de subir ao escadote, pôr as figuras… e eu respeito a opinião deles. Esta árvore é feita em família e com alguns dos empregados que cá vivem e passam esta quadra connosco. A véspera de Natal é o único dia em que o hotel não abre. – Como é a vossa ceia?- Procuro pôr a casa muito bonita, criar um ambiente acolhedor e sempre diferente. Sou eu que imagino tudo. E a mesa fica sempre posta até passar o Dia de Reis. E nessa época jantamos sempre na sala de jantar todos juntos, até passarem os Reis. É para esticar a quadra. Sempre fui muito de manter as tradições, desde pequenina. É uma questão de educação, porque os nossos pais nos incutiram isto, passavam-nos a mensagem de que o Natal é o encontro da família. No fundo, é estarmos mais disponíveis para a família, para os amigos, que também precisam, porque muitas vezes precisa-se, sobretudo, é de afecto. As pessoas têm pouco tempo, por isso, se conseguirmos pelo menos abrandar um bocadinho nesta quadra e darmos um bocadinho mais de nós, então acho que os presentes estão resolvidos. Mais importante do que os presentes materiais é o facto de estarmos disponíveis… "Somos uma prova viva de que vale a pena sonhar, lutar, não desistir, ter até uma certa dose de obstinação e loucura." – Sei que costumam preparar umas surpresas especiais para os gémeos…- É verdade. No Natal do ano passado apareceu a nossa égua branca, puxada por uma charrete, com o Pai Natal lá em cima cheio de presentes… Veio do fundo da quinta, por uma estrada toda iluminada. Foi um dos empregados que se vestiu de Pai Natal, trazia chocalhos e tudo. Aí, quando ouvimos os chocalhos, fomos à janela… O Pedro agarrou-se ao pescoço do pai e tremia que nem varas verdes, cheio de medo. O António, que é todo maluco como a mãe, disse logo que queria ir ter com o Pai Natal, que assim que chegou à porta começou a tirar os presentes cheio de pressa, porque ainda tinha de ir distribuir mais pelos outros meninos. Os gémeos disseram-lhe logo para ir à casa dos amigos deles… Ficaram numa felicidade imensa. E toda a noite de Natal é maravilhosa. Porque isto é só um pouco do que acontece por aqui, preparamos sempre a vinda do Pai Natal de uma forma original. – E como vai ser este ano?- Ainda não sabemos, mas pode ser, por exemplo, o Pai Natal descer por uma corda e aparecer do telhado, carregado com o saco. Acho que esta magia é para se manter e alimentar. "Já nem tenho coragem de pedir mais nada, porque os meus sonhos estão completamente realizados." – São uma família conservadora que segue as tradições desta quadra à risca?- Sim, somos muito conservadores. Vamos sempre com eles ao Menino Jesus… Sabem a história toda. Este ano, já estão na catequese e já sabem rezar ao anjo-da-guarda, a Ave-Maria, rezam todas as noites pelos avós… E o Menino Jesus é uma figura que eles amam de paixão. Nós falamos-lhes também no Natal dos meninos que não têm tantas condições como nós. Aliás, todos os anos eles têm de escolher uns brinquedos de que gostem, e não dos que estão partidos, para dar a crianças necessitadas. Eles têm de saber partilhar. – Incutiram desde muito cedo esse espírito de partilha e solidariedade nos gémeos…- Tem de ser. Inclusivamente, o colégio onde eles andam também organiza no Natal uma coisa que eu acho maravilhosa. Todas as crianças têm de levar um cesto para as famílias mais carenciadas. É uma delícia ver os meus filhos a irem à despensa e a quererem levar quase tudo para essas pessoas. Aquilo às vezes já não é uma cesta, já é um contentor. [risos] "Para esta quadra procuro pôr a casa muito bonita, criar um ambiente acolhedor e diferente." – Mudaram-se para cá nesta altura do ano, quando os gémeos eram pequeninos. Foi, como já disse, um desejo tornado realidade. E para este ano, o que deseja?- Costumo dizer que já nem tenho coragem de pedir mais nada, porque os meus sonhos estão completamente realizados. Agora, tudo aquilo que peço é para os outros, para que as pessoas consigam, da mesma maneira que eu consegui, atingir tudo aquilo com que sonham. Para mim, queria uns anos largos de vida para ver crescer os gémeos, vê-los voar sozinhos… Sou muito casamenteira e costumo dizer, obviamente na brincadeira, que espero ainda poder casar os meus filhos. Eles são pequeninos, ainda só fazem sete anos, mas pelo menos pedia ainda uns anos bons para os ajudarmos a crescer, a tornarem-se uns homens bons. Não é importante pensar no que vão ser em termos profissionais, mas sim que sejam felizes, que sejam homens honestos, com respeito pelo próximo… Ou seja, todos os valores que nos foram ensinados a nós. Porque só assim será possível um mundo melhor.