– Na Gala dos Globos de Ouro disse, em tom de brincadeira, que desde que tornou pública a doença o convidam para tudo…
– [risos] É verdade, nunca fui tão assediado para eventos como agora. Muitos deles, felizmente, são de solidariedade e, sempre que posso, colaboro, como aliás sempre colaborei. Mas há manifestamente um interesse maior sobre a minha pessoa.
– Sente que olham para si com pena?
– Felizmente, não. E para isso acho que o espectáculo dos Globos foi muito positivo, porque o facto de eu ter abordado a doença de uma maneira simples e meio a brincar levou com que aquelas pessoas que tinham conhecimento que eu estava doente, e que talvez estivessem com pena, percebessem bem o meu espírito. Aliás, agora é muito frequente as pessoas virem dar-me força e nas suas palavras não se nota qualquer tipo de pena, o que é muito simpático. Não iria gostar que tivessem pena de mim.
– Mas acha que o facto de se falar muito de si ultimamente tem contribuído para a grande afluência de pessoas aos seus espectáculos? Não sente que há uma curiosidade mórbida?
– Penso que não. De qualquer modo, há uma chamada de atenção e é evidente que algumas pessoas poderão ir para ver se eu estou vivo. [risos] Mas não tenho razão de queixa, as últimas digressões que temos feito têm corrido muito bem e algumas salas, às vezes de grande dimensão, esgotaram com muita antecedência, e isso é anterior à minha doença.
– Está preparado para iniciar a nova fase de tratamentos?
– Há dois meses que faço quimioterapia. Agora vou fazer seis semanas de quimio e radioterapia. Esta última será feita diariamente, à excepção do fim-de-semana, com o objectivo de alcançar os melhores resultados para ser operado. E aproveito para dizer que não ando a fazer tratamentos em Espanha, como já foi noticiado. Fui, sim, ao estrangeiro ouvir algumas opiniões para ter um leque mais alargado de opiniões e tentar perceber melhor isto, que para mim é uma surpresa, uma novidade.
– Como muita gente, também pensava que estas coisas só acontecem aos outros?
– Sou muito realista e sempre tive noção de que, mais tarde ou mais cedo, iria pagar os excessos que cometi ao longo da vida, portanto, não é uma surpresa assim tão grande. Neste momento, sinto que há que relativizar as coisas e dar importância ao que realmente é importante.
– Enfrenta a doença com optimismo para ser um exemplo, ou é uma atitude natural?
– Não é propriamente uma coisa premeditada, embora mostrar optimismo talvez possa levar algumas pessoas que têm o mesmo problema a pensar que esta é uma maneira de reagir que talvez valha a pena seguir.
– Publicamente, tem encarado a doença com humor. Em privado também é assim?
– Sim. É óbvio que durante o dia tenho alterações de humor. Não acordo sempre bem-disposto, nem estou 24 horas do dia aos pulos e a sorrir. Tenho momentos de altos e baixos, uns mais divertidos, outros menos, mas tento quanto possível tirar o maior partido da vida. A atitude com que encaramos a doença influencia em parte a cura.
– Mas não deve ser fácil ouvir um médico dizer-nos que temos um cancro…
– Não. Confesso que a primeira fase é extremamente complicada, depois habituamo-nos. No início queixava-me de dores de estômago e assim que comecei este tratamento deixei de as ter. Tenho reacções normais ao tratamento, mas nada que não consiga superar. A perspectiva de que há uma luz ao fundo do túnel compensa tudo o resto.
– A doença veio ensombrar o momento feliz que vivia com a Alexandra, ou, pelo contrário, tem fortalecido a união?
– Neste caso tem fortalecido. A Alexandra tem sido um enorme apoio, é uma pessoa extremamente generosa, preocupada com a minha saúde, mas tem sido uma pessoa que me tem puxado muito para cima, e isso tem sido muito bom. Ela é bastante alegre e dinâmica, e isso tem puxado por mim, exactamente porque há alturas em que estou mais preocupado, mais assustado. A Alexandra tem sido uma válvula de escape extraordinária.
– Não deve ter sido fácil dar a notícia aos seus filhos…
– Se não foi fácil eu recebê-la, mais complicado foi dá-la aos meus filhos. As minhas filhas mais velhas estavam comigo, mas precisei de informar os mais novos. Tive algum receio de os assustar, e assustei, mas tinha que ser, não iria esconder.
– Em alguma fase teve medo da morte?
– Não tenho propriamente medo da morte. Não é uma coisa que me anime, mas não tenho medo. Tenho mais medo de alguma incapacidade física, de perder qualidade de vida, tenho pavor de ficar ligado a uma máquina, em estado vegetativo. Mas sempre achei que iria ultrapassar o cancro. E embora não acredite muito na vida além da morte, sempre vi a morte como uma passagem, que faz parte de um ciclo de vida. A morte é a coisa mais certa que temos.