A imagem de
Maria de Medeiros remete-nos para uma mulher sensível, discreta e de gestos delicados. Uma actriz com provas dadas, uma realizadora em ascensão e uma cantora recém-nascida, agora também modelo-revelação. Isto porque foi escolhida para ser a imagem das jóias que têm a assinatura de
Gio Rodrigues, e o resultado é o que vemos nestas páginas. O pretexto ideal para falarmos com Maria de Medeiros, que nasceu em Lisboa, viveu em Viena de Áustria e acabou por escolher Paris para morar, com o marido, o cenógrafo espanhol
Agustí Camps, e as duas filhas de ambos,
Júlia, de 11 anos, e
Leonor, de cinco. Nesta entrevista, a filha mais velha do maestro
António Victorino d’Almeida – a primeira portuguesa a ser nomeada Artista para a Paz da UNESCO – fala da sua relação com as jóias, revela que o marido lhe ofereceu um anel de diamante e diz que as filhas ainda não acordaram para o mundo da vaidade feminina.
– Tenho da Maria a ideia de uma mulher reservada e confesso que não esperava vê-la em fotos tão sensuais. Ser actriz ajudou-a a representar este papel?
Maria de Medeiros – Ser actriz ou actor muitas vezes é uma maneira de "negociar" com a nossa timidez. Sou reservada, sim, e a interpretação ajuda-me a preservar essa reserva. As personagens encobrem-nos ao mesmo tempo que nos permitem magníficos momentos de expressão.
– Regra geral, a imagem, a beleza, influenciam na escolha do modelo. Acha-se bonita?
– A beleza é uma questão de olhar.
– A sua carreira profissional tem apostado mais no cinema de autor, ao qual nem todos os portugueses têm acesso. Tem noção do mediatismo que esta campanha lhe pode trazer?
– Escolho sempre o trabalho de forma intuitiva e emotiva. Na hora de aceitar um projecto, esqueço por completo, na maioria das vezes, as considerações comerciais. Gosto da beleza e aprecio infinitamente o talento dos outros. E isso motiva as minhas escolhas, tanto no cinema como em tudo o que faço.
– Como é a sua relação com as jóias?
– Gosto de objectos bonitos, realizados com arte, com espírito. Sejam jóias, quadros, filmes, roupas, livros, móveis…
– É das que defende que os diamantes são os melhores amigos das mulheres?
– Acho que os diamantes também podem ficar bem aos homens, se as jóias forem bonitas.
– No seu dia-a-dia usa jóias, ou deixa esses acessórios para dias de festa e momentos especiais?
– Passei a gostar de usar jóias a partir do nascimento das minhas filhas, talvez porque a minha sogra me tenha oferecido uma esmeralda muito bonita quando nasceu a minha primeira filha. Passei a gostar de usar os pequenos rubis, pérolas e safiras que me chegaram pelas mãos das avós e que foram viajando assim, de dedos em dedos, de pele em pele, de século em século, através das gerações. Há nas jóias um conceito de transmissão que me comove. Gosto de usar jóias porque são objectos que transportam consigo histórias. Gosto de as usar no quotidiano, justamente para que esses objectos continuem a "viver", a acariciar os cabelos das crianças, a apertar mãos, conhecer o contacto da água, a acumular "história". Mas tento usá-las de forma discreta.
– O seu marido tem por hábito oferecer-lhe jóias?
– Tanto o meu marido como eu somos muito pouco conformistas e gostamos de transgredir normas. Por isso, na nossa relação estavam descartadas alianças, anéis de noivado e outros símbolos antiquados. Mas talvez para transgredir as nossas próprias normas (às vezes, o mais difícil), um belo dia, fora de qualquer comemoração, claro está, ofereceu-me um magnífico anel de diamante.
– É vaidosa?
– "Coquette", como dizem os franceses, mas moderadamente. Em geral, por falta de tempo. Curiosamente, são homens, como o Gio Rodrigues ou o meu caro amigo e estilista francês Jérôme L’Huillier, que, pelo seu talento, me puxam para o gosto pela moda.
– As suas filhas são femininas, gostam de brincar com Barbies, ou são mais marias-rapazes?
– Tenho uma de cada, mas nenhuma delas é muito virada para as Barbies. Eu era muito mais. Mas nas personagens que eu lhes inventava, as minhas Barbies eram "superliberadas", emancipadas e intelectuais. Eram o reflexo da época em que cresci.
– Brincam com maquilhagens, gostam de experimentar os seus sapatos?
– Não, ainda preferem uns belos bigodes de gato a qualquer maquilhagem glamour.
– Acha que alguma delas já revela apetência para uma profissão artística?
– Ambas. A mais velha actuou já num filme e numa peça de teatro.
– Foi a primeira portuguesa a ser nomeada artista da UNESCO para a Paz. A distinção deixou-a orgulhosa?
– Sim, fiquei muito honrada por essa nomeação. Foi também uma oportunidade para mim de descobrir todas as importantes actividades da UNESCO.
– E que responsabilidades acrescidas tem um título destes?
– Há sem dúvida um sentimento de responsabilidade. A de dar a conhecer da melhor forma possível os programas da UNESCO, a de representar a organização. Há muitas ideias, mas nem sempre é fácil levar a cabo a sua realização. De momento, tive um encontro fascinante com Malangatana, outro Artista pela Paz da UNESCO, em Moçambique, e vi o trabalho extraordinário que ele está a levar a cabo na área da educação artística, precisamente. Associei igualmente a UNESCO a um filme brasileiro que se estreia em Agosto, O Contador de Histórias, que narra um caso paradigmático da importância da educação artística.
– Paris é a sua cidade?
– De alguma forma, passou a ser. É a cidade em que sei conduzir como um taxista. Mas Lisboa também será sempre a minha cidade, e também o Porto passou a ser, e Barcelona ou São Paulo…
– Que lugar é que Portugal tem na sua vida?
– Para essa pergunta, vale-me sempre a referência absoluta de Fernando Pessoa: a minha pátria é a minha língua. A língua materna é a língua dos afectos mais profundos.
– O que é que ainda lhe falta fazer para se sentir realizada?
– Não acredito na ideia simplista de "metas" a atingir. Acredito que é preciso estar muito atento ao que o quotidiano nos oferece. Tanto no que é assustador como no que é milagroso.