"Tive uma vida louca e dura, mas saborosíssima", disse Raul Solnado em Fevereiro último, na Maratona do Humor, emissão da SIC em que assumiu que o seu coração estava "preso por um fio". O tempero que deu sabor a essa vida ficou a devê-lo em boa parte ao facto de ter canalizado a sua saudável dose de loucura para uma carreira que abrangeu todos os registos: teatro, televisão, cinema, rádio. A felicidade era a maior ambição do comediante, e esta é indissociável do riso. Mas Solnado não era egoísta, e gostava de partilhar o riso. Foi o que fez durante quase sessenta anos, marcando uma época do humor em Portugal. Sucessor de nomes como António Silva, Vasco Santana ou Alves da Cunha, introduziu um novo género: o monólogo carregado de nonsense a que muito mais tarde se chamou stand up comedy.
O primeiro grande sucesso conhece-o em 1962, quando, em plena Guerra do Ultramar, ousa apresentar numa revista A Guerra de 1908, um monólogo surreal que a censura deixou passar e que os portugueses aprenderam de cor. O êxito foi tal que teve repercussão no Brasil, onde vivera um estrondoso fracasso em 58.
Conquistado o país irmão, onde descobriu os teatros de bolso, Raul regressou a Portugal com o sonho pioneiro de aqui criar um. Endividou-se, mas concretizou esse sonho, com a inauguração, em 64, do Teatro Villaret, de que foi empresário e director até 1970.
Em 1969, na primavera marcelista, marca a história da televisão portuguesa em parceria com Carlos Cruz e José Fialho Gouveia, no primeiro talk show feito entre nós. O famoso Zip Zip, que durou meio ano, ainda hoje é recordado por todos os que, à segunda-feira à noite, se sentavam religiosamente em frente do ecrã a preto e branco onde aqueles três comunicadores talentosos faziam rir, mas também falavam de temas sérios.
Em 77, o nome de Raul Solnado volta a estar ligado a mais um estrondoso êxito televisivo, A Visita da Cornélia. Neste concurso, que revelou os talentos criativos de muitos portugueses anónimos, teve novamente a seu lado o amigo Fialho Gouveia.
Em 88, o comediante teria pela primeira vez a honra de subir ao palco do D. Maria II, pela mão de outro amigo, Varela Silva, encenador de O Fidalgo Aprendiz. Ao Nacional voltaria com La Féria em As Fúrias, de Agustina Bessa-Luís, dois anos depois de ter passado pelo S. Carlos, na ópera O Morcego, de Johan Strauss.
Conversas à Solta, que estreou em 2002, na Guilherme Cossoul, levou-o a vários pontos do País nos últimos anos. Neste espectáculo de despedida, disse adeus ao público contando histórias da sua carreira e do teatro. Uma despedida perfeita.