Passaram-se 40 anos desde que
Jane Birkin e
Serge Gainsbourg cantaram pela primeira vez a mítica canção Je T’Aime… Moi Non Plus. Um tema que se tornou o símbolo da libertação sexual para toda uma geração. Estava-se no ano erótico de 1969. Aos 63 anos, Jane Birkin, modelo, actriz, cantora e realizadora inglesa, radicada em França desde os anos 60, está mais activa do que nunca. Recentemente, lançou um novo álbum, Enfants d’Hiver, que assinala a sua estreia como autora das letras, e que é uma viagem intensa ao seu universo íntimo. Produziu um filme, no qual também tem um desempenho, Boxes, que fala da vida de uma mulher enquanto mãe (ela que tem três filhas,
Kate,
Charlotte e
Lou, de outros tantos pais, os compositores
John Barry e
Serge Gainsbourg e o realizador
Jacques Doillon), das suas alegrias, sofrimentos, arrependimentos. E, finalmente, ainda se empenha no combate pela democracia na Birmânia.
Jane Birkin continua a fascinar várias gerações: é a recompensa por ser um mito vivo. Trabalhou com os maiores nomes da cena independente, mas, sobretudo, é, e será sempre, a eterna musa, mulher e amante de Serge Gainsbourg.
Diana de Cadaval – Boxes é a sua primeira longa-metragem como realizadora. É uma obra autobiográfica?
Jane Birkin – Toda a gente me dizia para fazer um filme autobiográfico e eu não queria. Por isso, imaginei uma mulher parecida comigo, com uma vida parecida com a minha, com três filhas parecidas com as minhas… mas não é uma autobiografia. Anna muda-se para uma casa nova, à beira-mar, na Bretanha, e as divisões estão cheias de caixotes [boxes] de mudanças que encerram mil objectos… mil recordações. Anna viveu muitas vidas e o seu passado está nessas caixas. Quando as abre, aparecem-lhe aqueles que foram importantes na sua vida: os seus pais, claro, mas também os seus filhos e os respectivos pais…
– Como nasceu a ideia deste argumento?
– Surgiu-me há dez anos, quando me mudei para a grande casa onde ainda vivo, na costa bretã, mesmo em frente às ilhas onde o meu pai, que era comandante da Royal Navy, esteve durante a Guerra, para apoiar a Resistência Francesa. A escolha desta costa para morar não foi inocente, o meu pai viveu ali histórias terríveis durante a Guerra. Por isso, comecei a questionar muitas coisas sobre a vida.
– Qual é a principal mensagem do filme?
– À noite, quando me deito, as recordações vêm à superfíce, revivo a minha vida, o que fiz, porquê, como, quando… No meu filme quis deixar falar todas as mães que têm milhares de dúvidas: teremos sido boas mães? Os nossos filhos amam-nos? Compreendem-nos? E também questionar se nós próprias fomos boas filhas! Somos justas com as nossas mães? Respeitamo-las? Amamo-las? Este filme é, de facto, uma análise das relações entre mães e filhas. A minha mãe morreu com o argumento nos braços e fez-me prometer que levaria a cabo este projecto.
– Dá muito valor à família…
– Os grandes, os únicos heróis da minha vida foram o meu pai, a minha mãe, o meu irmão e a minha irmã. Vivi tudo com eles, graças a eles e por eles. A família é essencial na minha vida. Em jovem, nunca passei um Natal sem a família, hoje, não passo um Natal sem as minhas filhas e os maridos e filhos delas. Nunca me deixaram sozinha.
– Em 2009 lançou o disco Enfants d’Hiver. Após 40 anos de carreira, este álbum é o primeiro escrito por si. Por que esperou tanto tempo?
– Serge Gainsbourg ofereceu-me as jóias mais valiosas da canção francesa. É um presente que poucas pessoas podem vangloriar-se de ter recebido. Em 1991, três dias antes de morrer, o Serge deu-me as suas últimas canções… O maior gigante da música francesa escreveu para mim! Como esquecer um homem tão extraordinário como Serge Gainsbourg? Depois da sua morte, eu tinha que o homenagear interpretando essas canções. Entretanto, enquanto escrevia os diálogos de Boxes, comecei a escrever as canções deste disco, com medo que o filme não se concretizasse… E, afinal, tudo se concretizou. O filme foi feito e o disco gravado.
– Fale-nos de uma destas canções, a primeira que lhe vier à cabeça.
– La Grâce de Toi, que foi dedicada à minha filha mais velha, Kate, quando ela estava em depressão. Ela tinha 40 anos e eu tive esse desejo misterioso que todas as mães do mundo têm, de querer saber se fizeram bem o seu trabalho de mães e se continuam a fazê-lo bem. Na verdade, eu sou uma mulher muito mais comum do que as pessoas pensam.
– No seu disco, dedica uma canção a Aung San Suu Kyi. Fale-nos dessa mulher.
– É uma política birmanesa, Prémio Nobel da Paz, que se opõe à ditadura do seu país. Em 1990, venceu democraticamente as eleições birmanesas, mas essas eleições foram anuladas pela junta militar que está no poder. Desde então, está presa. Essa canção é um grito de revolta contra a opressão do poder birmanês sobre o seu povo.
– Em que medida pode a sua notoriedade ser posta ao serviço desta causa?
– O movimento ganha amplitude. Organizei uma manifestação silenciosa em Paris há uns dias e
Catherine Deneuve,
Marion Cotillard,
Charlotte Rampling e várias outras celebridades francesas juntaram-se a mim para denunciar o destino injusto dessa mulher e o poder opressivo que a junta desse país exerce sobre o seu povo.
– Música, cinema, teatro, escrita… Onde encontra energia para conseguir fazer tudo isto?
– Nas outras pessoas, elas têm sobre mim o efeito de carregadores de baterias. Por exemplo, depois de ter falado consigo, estou pronta a enfrentar o serão com uma energia louca! [risos]
– É uma das poucas mulheres no mundo a dar o nome a uma mala Hermès. Como nasceu a famosa mala Birkin?
– Numa viagem de avião, fiquei sentada ao lado do director da Hermès, sem saber quem ele era. Queixei-me da minha mala durante toda a viagem e, então, ele propôs-me desenhar uma mala que me conviesse. E foi assim que a casa Hermès criou a mala com o meu nome. Eu fui a sua inspiradora.