É fácil ficar a ouvir as ‘venturas’ e aventuras de
Cristina Malhão-Pereira. Casada há 42 anos com o comandante
José Malhão-Pereira, a antiga professora já fez das muitas histórias da sua vida livros que relatam as alegrias e dificuldades vividas pela família de um oficial da Marinha. Foi em África que Cristina e o marido viveram os seus primeiros anos de casados. Os três filhos,
Miguel,
Marina e
João Tiago, também partilharam com os pais esta aventura, onde a realidade de todos os dias era sempre nova e tão diferente da de Portugal. Depois, regressaram a terras lusas e, após reformar-se da Marinha, José Malhão Pereira começou a viajar pelo mundo para aprofundar os seus estudos na área dos Descobrimentos portugueses. Do Brasil à Índia, Cristina foi sempre a companheira ideal nestas descobertas pelo mundo fora, podendo dar asas à sua alma de viajante. As viagens levaram-na à escrita, onde perpetua memórias e conta histórias sobre um Portugal de outros tempos e seus heróis. Mas não é só enquanto viaja que Cristina é feliz. Mãe e avó, a escritora tem nos netos,
Margarida, de dez anos,
Pedro, de oito,
Vasco, de quatro,
Duarte, de três, e
Francisco, de um ano e meio, a sua grande prioridade.
Foi sobre uma vida de peripécias e emoções que a CARAS falou com a escritora na sua casa em Caxias, onde já se vivia em pleno o espírito natalício.
– Passam sempre esta época em família…
Cristina Malhão-Pereira – Sim, para nós, esta festa representa a comemoração da família de Jesus. Aqui em casa, as comemorações começam com um auto de Natal, que é feito pelos meus netos. E tão depressa um é o burrinho do presépio como é o São José. Normalmente, eu sou o pastor. E todos os anos são diferentes. Geralmente temos cá em casa três presépios e passeamos pela casa para irmos ver cada um deles. Cantamos e representamos. Depois, abrimos os presentes da família e jantamos. E temos tido imensa sorte, porque, até aos dias de hoje, estamos todos sentados à mesa, ouvimos barulho, e pela chaminé aparecem mais presentes.
– Dá muita importância aos presentes?
– Acho que os presentes têm de ser, ou algo com que as pessoas sonharam, ou o nosso amor transformado em qualquer coisa que faço com as minhas mãos.Há muitos amigos a quem ofereço trouxas-de-ovos e toucinhos-do-céu feitos por mim. As vésperas de Natal são de muito trabalho e de muitas horas na cozinha.
– E consegue passar esses valores mais espirituais aos seus netos?
– Sou uma avó muito presente na vida deles e, de consumismo, cá em casa não há nada. Os presentes são um por pessoa. O Natal é partilha, amor e magia. E isso não passa pelo dinheiro. Passa por outras coisas mais do coração. O que a minha neta Margarida diz desde pequenina, quando lhe perguntamos o que quer para presente de Natal, é: "Ó avó, já pensou no Menino Jesus, toda a gente a pedir-lhe coisas? Eu não vou pedir nada!"
– E tem muitas memórias dos Natais em África?
– Tenho, mas são memórias muito estranhas. Em primeiro lugar, era Verão. Os presentes das crianças eram bóias, sapatilhas e t-shirts. Passávamos na praia, e sempre senti muitas saudades de cá, da família e dos amigos. Como não tínhamos família lá, passávamos o Natal sozinhos. Não foram Natais que perpetuassem o sonho desta época. Mas o primeiro Natal de que me lembro foi muito especial. Na cozinha da casa dos meus pais havia um cordão que estava atado à porta do fogão e tinha muitos presentes pendurados. Fui seguindo os presentes e entrei na casa de jantar, onde havia o presépio mais bonito que alguma vez vi. Era um presépio descomunal, com muito musgo verdadeiro, e havia um pinheiro todo enfeitado. E esse Natal foi mágico para mim. Ainda tenho esse presépio.
– E ainda hoje tem hábitos ou traços de personalidade que se formaram em África?
– Sim. Por exemplo, não vejo a cor das pessoas. Não criei o hábito de olhar para o outro e reparar nisso, porque via pessoas de tantas etnias e com diversas formas de vestir e de estar. Todas as culturas têm valor e todos os povos são importantíssimos. E quando viajo, gosto de estar com as pessoas e evito os sítios turísticos. Estas viagens são de um grande enriquecimento, porque vejo que sou uma privilegiada, quase sem nada, porque na verdade não tenho muito.
– Qual é o balanço que faz destes 42 anos de aventuras ao lado do seu marido?
– Neste momento, somos inseparáveis. Somos um casal que já não precisa de grandes conversas para saber o que é que o outro pensa ou quer. Somos muito companheiros e gostamos muito de estar sozinhos, adoramos viajar os dois ou com os netos. E rimo-nos imenso! Temos uma grande cumplicidade. O meu marido teve de aceitar aquelas coisas das quais não sou capaz de me despir e eu tive de aceitar aquelas que fazem parte da natureza intrínseca dele.
– O que é que tem sido mais saboroso nesta vida ao lado de um marinheiro?
– O mais saboroso é o meu marido. Tive a sorte de ter pescado um marinheiro fantástico, que é mesmo saboroso. [risos] Gosto imenso de viajar, de sair, de brincar, e isso foi-me tudo facilitado com esta vida sempre em mudança. No fundo, sou uma cigana. Não gosto de estar no meu local. E tive essa vida exactamente à minha medida. Andei sempre com a casa às costas, com a família atrás, e tive a sorte de ter a vida que se adapta à minha maneira de ser.
– Nessa forma de estar na vida, os netos têm um papel muito importante…
– Gosto muito de ser uma avó presente na vida dos meus netos. E eles adoram ir, durante as férias, para o barco com o avô e a avó. Os meus netos são óptimos companheiros e eu e o meu marido, quando estamos com eles, tornamo-nos duas crianças. De facto, a minha carreira sempre foi ser mãe. E agora é ser avó. Isso está acima de tudo e só escrevo nos intervalos.
– E como é que surgiu o seu interesse pela escrita?
– O meu marido passa o dia inteiro a estudar e a escrever. E eu tinha duas opções: ou ia fazer outras coisas ou via televisão. Mas optei por ficar ao pé dele, também a escrever. Quando regressámos da Índia, o meu marido publicou um livro sobre Vasco da Gama, mas é uma coisa muito erudita. E comecei a pensar: se eu fiz as mesmas viagens, se tive as mesmas vivências, poderia fazer uma coisa que fosse fácil de ser entendido e que aumentasse a auto-estima dos portugueses. Escrevo como falo e consigo que as pessoas sorriam enquanto lêem. E, assim, os leitores podem aprender História. Os meus livros fazem-lhes companhia. E foi assim que surgiu o meu mais recente livro, Um Espião nas Descobertas, que é o primeiro de uma trilogia.
– E depois desta trilogia, há mais livros para serem escritos?
– Francamente, não me apetece escrever mais livros. Escrever é uma coisa muito solitária, muito penosa. Exige muita força de vontade, um horário, esforço para as coisas saírem. Mas em termos de vida, ainda quero fazer muitas coisas. E sempre com entusiasmo.
– Ainda tem muitos sonhos por realizar?
– Sim, tenho imensos projectos. Recentemente, apareceu-me cá um fã que veio da América. Vinha com uma guia que tinha sido activista em relação ao caso de Timor. E pensei que estava na altura de me envolver em mais um projecto. Sempre quis conhecer todos os antigos territórios de Portugal e falta-me Timor. E gostava muito de dar um tempo da minha vida à missão. Trabalhar com as pessoas e ensinar-lhes o que for preciso. A minha ideia é dar-me aos outros. E Timor é um território excelente para isso.