Desde que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), em Fevereiro deste ano,
Ana Maria Lucas tem vindo a reaprender a saborear a vida. Ainda não recuperou totalmente os movimentos finos da mão direita e, aos poucos, tem vindo a readquirir a fala. A gargalhada, essa, é a mesma. A ex-Miss Portugal vive agora um dia de cada vez, sem pressas, e não faz planos. O que lhe interessa neste momento é a felicidade dos filhos,
Francisco e
Miguel Mendes, de 36 e 31 anos, que lhe
"salvaram a vida", da nora,
Sara, de 38, que a tem acompanhado e lhe tem dado força, e da neta,
Ana Mar, de cinco, que a
"ensina a falar". Nesta conversa, a protagonista é Ana Maria Lucas, mas os filhos também fizeram algumas revelações.
– Como foram estes meses?
Ana Maria Lucas – Sinceramente, não foram difíceis. Adaptei-me facilmente a esta nova realidade, e não posso fazer mais nada a não ser ter muito boa disposição.
– Como é o seu dia-a-dia?
– Muito calmo… Faço terapia da fala, onde me divirto imenso. A terapeuta, a Glória, diz que o facto de eu ser comunicativa ajuda bastante. E com ela falo perfeitamente. Também faço fisioterapia, para recuperar os movimentos finos da mão direita. Entretanto, comecei a ir ao cinema, ao teatro e a ver alguns espectáculos.
Francisco – A minha mãe tinha de viver com mais calma, fazer as coisas que lhe dão mais prazer, sem pensar muito no futuro. Qualquer preocupação pode ser perigosa para a saúde dela.
– Pensava que estas coisas só aconteciam aos outros?
Ana Maria Lucas – Sim, nunca pensei que me acontecesse a mim, e quando o meu filho Francisco me disse que eu estava a ter um AVC, não acreditei. Só percebi que era verdade quando cheguei ao hospital e a recepcionista me perguntou o nome e eu não consegui dizer.
– Qual é a sensação de querer falar e não conseguir?
– Não há explicação, não consigo descrevê-la, mas é uma sensação de impotência… Está tudo ligado à cabeça. Durante dois meses, só dizia ‘sim’ e ‘não’.
– Alguma vez se sentiu diminuída por tentar fazer alguma coisa e não conseguir?
– Sim, por exemplo, não conseguir maquilhar-me… Agora já consigo pôr base, sombra, rímel e batom, com a mão esquerda, mas não consigo pintar os lábios de vermelho. Pequenos gestos, coisas simples às quais nunca dei valor…
– Conquistar alguns movimentos, recuperar a fala devem ser grandes vitórias…
– Nunca duvidei de que iria conseguir voltar a falar, e tenho a certeza de que vou conseguir recuperar ainda mais. Quando estou mais calma, consigo falar melhor, se estou num ambiente de stresse, ficou baralhada…
– Tendo sido sempre uma mulher atenta à imagem, ficar com marcas físicas seria traumatizante…
– Prefiro nem pensar nisso. Quando ouço dizer que há pessoas que em consequência de um AVC ficam acamadas, de fraldas, sem andar, penso que afinal sou uma sortuda, porque estou viva e consigo, ainda assim, fazer imensa coisa. Não posso pedir mais nada! Se ficar como estou, já é bom, a partir desta fasquia, tudo o que vier a mais é óptimo…
– E psicologicamente, que marcas é que estas ‘partidas’ deixam?
– Pois, as físicas, no meu caso, tenho estado a recuperar, já interiormente, é uma coisa que nunca mais esquecerei. Ninguém está livre disto e o que me interessa agora é estar consciente de que a vida é para ser vivida.
– Deve ser difícil para uma pessoa que vive sozinha ver-se de repente dependente da ajuda de terceiros…
– Durante quatro meses houve uma pessoa que ficou sempre lá em casa. Entre os meus filhos e amigos, revezavam-se. Depois, quando fiquei sozinha pela primeira vez, não dormi, tinha medo, estava receosa, mas habituei-me. Tudo depende da força do hábito.
– E nessa noite, os filhos conseguiram dormir?
Francisco – Claro que ficámos apreensivos e atentos ao telefone. E na manhã seguinte fui logo lá a casa, para ver se a minha mãe estava bem.
– Sente que deste AVC nasceu uma nova Ana Maria?
A.M. – Sim. Tornei-me uma mulher mais doce. E agora não me incomodo com nada, excepto com os meus filhos, a minha neta e a minha nora. De resto, nada me interessa, tudo é passageiro. Estou a gozar de uma nova vida…
– E essa nova vida é…
– Mais calma, mais regrada e menos triste. Porque, apesar de eu parecer estar sempre alegre, no fundo, não o estava. Agora sou mais feliz.
– Então, tem sido uma boa descoberta…
– Sim, dei uma volta de 180 graus à minha vida. Vi que o stresse e o dia-a-dia agitado não me levavam a lado nenhum. Eu não pensava em nada, esquecia-me que a vida era mais do que andar a correr de um lado para o outro, não dava a devida importância a cada dia. Tinha medo de perder alguma coisa e queria viver muito depressa, intensamente, principalmente por causa do trabalho. E, afinal, acabei por ficar sem trabalho! [risos] Sei também que agora devo ainda mais aos meus filhos, porque foram eles que me socorreram. Os meus filhos salvaram-me a vida!
– Francisco e Miguel, o que é que estão a achar desta ‘nova’ mãe?
Francisco – A nossa mãe está num processo de descoberta que, para nós, filhos, está a ser muito proveitoso. Havia uma série de coisas que não apreciávamos nela e que estão a mudar drasticamente. Está mais tolerante, menos teimosa e até menos irascível… Ela vivia sozinha e tomava decisões a solo, esquecendo-se por vezes que estávamos cá para a ajudar.
Miguel – O importante foi ela ter acabado com a ansiedade do futuro. Neste momento, vive a um ritmo quase contra o próprio sistema. Vive o presente, que foi o que sempre quisemos que ela fizesse.
– Acha que era mesmo preciso passar por esta provação para dar mais valor à vida?
A.M. – No meu caso, sim. Eu não aproveitava a vida, e isto foi uma grande lição.
Francisco – Ninguém consegue carregar o mundo às costas, e a nossa mãe só agora percebeu que tinha de depender de alguém. E isso foi uma grande lição, a maior para ela, que agora percebe que, por mais que não queiramos, estamos sempre dependentes dos outros.
– Para vocês, foi também uma lição? Também estão a aprender a viver de outra forma?
– Sim, se sou melhor homem agora, devo-o às virtudes, mas também aos erros dos meus pais. A minha capacidade de harmonia é muito maior neste momento.
– Sendo figura pública, o que lhe aconteceu, e a forma como tem ultrapassado tudo, é um exemplo para muita gente…
A.M. – É extraordinário perceber isso, porque nunca pensei ser um exemplo para ninguém… Há pessoas que vêm ter comigo, beijam-me a mão e que dizem que sou um exemplo para elas…
– E às que passam pelo mesmo, dá-lhes conselhos? O que é que é preciso para conseguir dar a volta por cima…
– Cada caso é um caso, mas ter força de vontade é essencial, sem isso não se vai a lado nenhum. Eu tenho tido essa força, e também um grande optimismo. Tudo isto aliado à terapia adequada, claro.
– E a uns filhos que a mimam muito…
– Agora muito mais… E, sem dúvida, o amor dos meus filhos tem-me dado muito alento. É preciso ter a capacidade de acreditar que o amor faz milagres…
– E a sua neta, também lhe demonstra o seu afecto, a sua preocupação? Ela tem cinco anos, já percebe…
– Sim. E é engraçado, porque os papéis inverteram-se. Agora é ela que me ensina a falar. Ela diz palavras e eu repito. E se eu disser mal, ela corrige! [risos] Quando ela começou a falar, também eu lhe ensinei algumas palavras dessa forma…
– Como é que alimenta a sua auto-estima actualmente?
– Sempre tive cuidado com a minha imagem e continuo a ter, por exemplo, ao fim de três dias do AVC, quando ainda estava no hospital, já estava a pedir um espelho para ver o meu rosto.
Francisco – A nossa sorte é a nossa mãe ser vaidosa e gostar muito de se arranjar, ser uma pessoa que sempre gostou dela fisicamente, querer estar bem e ter um ar cuidado. Depois, acho que alimenta a auto-estima através do carinho que as pessoas lhe têm mostrado e os amigos têm sido fundamentais.
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