Há 25 anos,
Roberto Medina sonhou organizar um evento de música em grande escala. Nesse ano, nasceu o Rock in Rio, que levou um milhão e meio de pessoas à ‘cidade do rock’, no Rio de Janeiro. Quando trouxe o projecto para Portugal, gerou a mesma onda de sucesso, que alastrou ainda a Espanha e poderá em breve chegar a outros países.
Actualmente, o pai do RiR divide a sua vida entre o Brasil, Portugal e Espanha, onde passa agora a maior parte do tempo. Na sua casa de Madrid, o empresário recordou os melhores e os piores momentos da sua vida, entre os quais o sequestro de que foi alvo no Brasil, há vinte anos, e que quase lhe custou a vida. Revela que a experiência o tornou um homem diferente: redefiniu as suas prioridades e, actualmente, para além do orgulho e da paixão pelos filhos mais velhos,
Rodolfo, de 34 anos, e
Roberta, de 32, jurada do programa Ídolos e ambos envolvidos no RiR, não esconde ser um melhor pai para a sua filha mais nova,
Raíssa, de quatros anos, fruto da relação com
Mariana Ferreira, com quem está há mais de dez anos.
– O Rock in Rio tem crescido com o envolvimento de toda a família…
Roberto Medina – Sim. O Rodolfo ainda era criança quando criei o projecto, mas já andava comigo de um lado para o outro no recinto. A Roberta dormia no chão do Rock in Rio, e não havia uma área VIP como há hoje! Mas eu não imaginava essa trajectória do RiR. Nem que hoje iríamos estar todos a trabalhar neste projecto. Portugal deu-me o impulso para internacionalizar o projecto, e agora já estamos em Espanha, em breve na Polónia, e vamos regressar ao Brasil.
– Como viu os seus filhos transformarem-se nos seus principais parceiros de trabalho? Educou-os para isso?
– Não, foi uma opção deles. Quando eu era pequeno, o meu pai fazia as grandes promoções do Brasil, promoções de rua, de programas de televisão. Convivi sempre com o
backstage e não gostava. Mas todo aquele mundo nos influencia. Acho que o Rodolfo e a Roberta se entusiasmaram com tudo isto, mas nunca imaginei que fossem seguir o meu caminho. Mais ainda, pensei que a Roberta ficasse a trabalhar na agência de publicidade, não a fazer eventos. Mas faz, e muito bem.
– Hoje sente-se orgulhoso por terem seguido este caminho?
– Claro que sim. Ontem estava a ver o Ídolos, lá estava a minha filha, linda, a falar muito bem. O Rodolfo é um grande executivo, está a brilhar no Brasil. Tomou conta da agência de comunicação e eventos no Brasil e está a ajudar-me na comercialização de tudo. Fazemos uma grande equipa.
– Como vê a popularidade que a Roberta está a atingir em Portugal?
– É lindo. Qualquer pai é tendencioso ao falar dos filhos, mas tirando isso, acho mesmo que ela é linda, muito comunicativa, e é uma grande profissional. Estou muito orgulhoso dos meus filhos.
– Outro grande apoio é a sua mulher…
– Sem dúvida. Sem a Mariana nunca teria organizado o RiR em Portugal. Porque ninguém me encorajava a fazer este projecto em Portugal e eu não tinha os conhecimentos que tinha no Brasil, sobretudo ao nível de patrocínios. A Mariana foi uma companheira que me deu força e trabalhou sempre comigo. A primeira equipa de trabalho em Portugal fui eu, a Mariana e um advogado.
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– Com a expansão para Espanha, decidiu também mudar-se para Madrid. Como tem sido a adaptação da sua família a este país?
– Estamos a adaptar-nos muito bem. A Mariana está óptima, a Raíssa também, está numa escola inglesa, fala inglês e espanhol e já tem amigos aqui. Eu, na verdade, é que ainda estou a adaptar-me. Porque o raciocínio dos espanhóis é mais concreto, nós somos mais românticos. E digo nós porque também sou português. Em Espanha tudo tem que fazer sentido e eu gosto de sonhar.
– Como tem vivido o crescimento da Raíssa, tendo em conta que há quase 30 anos de intervalo em relação à Roberta?
– É tudo muito diferente. Agora consigo criar tempo para estar com a Raíssa. E os problemas são mais complexos do que eram quando tive a Roberta e o Rodolfo. Mas consigo definir essa prioridade, que é a minha filha. Quando se tem 30 anos, um filho é fundamental, é maravilhoso, mas acaba por não ser a prioridade na nossa vida. Naquele tempo pensava que não podia perder uma reunião, hoje troco-a pela minha filha.
– Sente que falhou em algum momento com os seus filhos mais velhos?
– Acho que não. Hoje o Rodolfo e a Roberta são pessoas completas, educadas, informadas, enfim… Claro que toda a gente erra em alguma altura na vida. Mas quando se põe amor na relação entre pai e filho, os obstáculos acabam por ser superados.
– Está em sintonia com a Mariana na educação da Raíssa?
– Na verdade, eu deseduco e ela educa. Com a Raíssa faço mais o papel do pai-avô que permite à criança fazer tudo o que quer. Mas penso que acontece muito isso quando se tem de novo um filho tanto tempo depois de se ser pai pela primeira vez.
– Passou por uma prova muito difícil há cerca de vinte anos, quando foi sequestrado no Brasil. Ainda tem esse episódio presente na sua memória?
– Claro que sim. Não posso dizer que não fiquei com marcas grandes daquilo que me aconteceu. Tento é tirar disso as coisas boas. Estive entre a vida e a morte durante cerca de 15 dos 16 dias de sequestro, e nesse momento tudo o que eu mais queria eram coisas muito simples. Quando não sabia se iria sair dali vivo, queria ver o sol, flores, os meus filhos, coisas que eu tinha todos os dias quando estava livre, mas às quais não dava a importância certa. E isso teve muita influência na minha atitude a partir de então. Foi tão emocionante o momento em que fui libertado! Porque estava vivo, porque podia ver os meus filhos. Isso ajudou-me a superar qualquer trauma.
– Tirou, portanto, uma lição de vida de um momento tão angustiante….
– Tirei uma grande lição de vida que me fez mudar muito. Teve coisas más também, porque ver nos filmes não é a mesma coisa que viver uma situação daquelas. Vi o lado negro da vida bem perto. Mas valeu essa sensação de ter saído dali com vida e de ter a minha família toda comigo.
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– O seus filhos sofreram muito?
– Muito. O Rodolfo ficou praticamente seis meses sem falar. A Roberta era um pouco mais nova e ficou extremamente traumatizada, mas o caso do Rodolfo foi mais complicado. Ainda por cima foi o primeiro sequestro naqueles moldes no Brasil, e todos os meios de comunicação se dedicaram ao assunto. Os bandidos fizeram uma combinação com a minha família: se a imprensa falasse no caso, matavam-me. E a minha família conseguiu estabelecer um acordo muito difícil com a imprensa que resultou durante dez dias. Até que a revista Veja decidiu publicar a matéria, e nesse dia quase morri. Foi o momento mais difícil para todos. A partir daí, todos os que se estavam a conter para me proteger começaram a falar também no assunto e isso gerou uma onda de comoção. Lembro-me que não tinha dinheiro para pagar o sequestro, porque eles queriam dois milhões e meio de dólares, e mesmo empresas com as quais não tinha relação comercial deram dinheiro à minha família para ajudar. Foi impressionante. Só assim a minha família conseguiu reunir o dinheiro para pagar o resgate.
– Depois de tudo isso, sentiu, em algum momento, vontade de falar ou confrontar os sequestadores?
– Não. Eram 18 pessoas e acabaram por morrer todos, em confrontos com a polícia. O principal sequestrador foi morto no meio da rua, de dia, por cinco homens da polícia. Esse homem era uma figura muito estranha e quando me soltou deu-me um gavião que me proibiu de dar ou vender. Imagine eu a chegar, a ser solto, com um gavião no braço. Criou uma grande confusão. Fiquei com o gavião, porque ele ameaçou matar a minha família se eu não cumprisse certas condições como guardar o gavião, não revelar o esconderijo onde estivera, entre outras. O engraçado é que esse homem era fã do Rock in Rio e disse-me que eu devia continuar a fazer o evento e que iria lá dar-me um presente. Disse-lhe que se fosse lá seria morto. Respondeu que era problema dele. Acabou por não ir, porque foi morto antes, mas foi à agência de publicidade que eu tinha, no auge da perseguição e quando já sabiam quem ele era, e levou uma caneta para me oferecer. Ligou-me antes, apareceu na agência, eu avisei a segurança, ele deixou a caneta na recepção, fugiu com toda a gente atrás dele, mas cumpriu. Morreu quinze dias depois. E tudo porque, quando fui sequestrado, tinha um cordão de ouro e um relógio, e outros bandidos, não ele, roubaram-me tudo. Quando o chefão viu, perguntou-me onde estavam e tentou recuperar os objectos, mas já não conseguiu e foi aí que me prometeu o dito presente. E levou-me mesmo essa caneta de ouro. Isso é Brasil mesmo, porque é uma loucura. Até nisso somos românticos. E o gavião era a marca dele.
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– O que fez para que os seus filhos superassem o trauma?
– Foi algo muito natural, com o tempo.
– Mas ainda ficaram algum tempo restritos à vossa própria casa?
– Claro que sim, sobretudo eles. Mas nós também, porque não conseguíamos sair com a imprensa toda na porta. Eu queria muito andar na rua, mas a imprensa fantasiava muito. Lembro-me que tinha uma colecção de bengalas e gostava de as usar, embora não tivesse qualquer problema. No primeiro dia em que vi que não havia imprensa na rua, saí para dar uma volta no condomínio e levei a bengala. Havia um fotógrafo e uma jornalista disfarçados de namorados, tiraram a foto e no dia seguinte o jornal dizia que eu usava bengala porque tinha levado um tiro dos bandidos. Muita gente ainda acredita que eu levei mesmo um tiro.
– Daí ter sentido uma necessidade maior de proteger os seus filhos?
– Sim. Mas também porque eu queria ir para a rua combater aquela onda de crimes que tinham começado com o meu sequestro. Disse à minha família que eles iam viver para Miami e tudo, mas eles não deixaram que assim fosse. Aguentei muito tempo sem falar, mas um dia sequestraram três pessoas no mesmo dia. Foi quando decidi agir. Falei pela primeira vez à imprensa e tentei convocar toda a gente para ir para a rua lutar contra os bandidos. No dia seguinte era capa dos jornais mais importantes, e toda a gente ficou emocionada. Apareceram mais de 700 mil pessoas na rua, vestidas de branco, com todos os artistas do Brasil. Toda a gente a lutar pela mesma causa. Não terá sido só por causa disso, mas num mês, curiosamente, acabaram os sequestros no Rio de Janeiro.
– Hoje, e sobretudo depois de ter sido pai de novo, receia voltar a ser alvo de uma situação parecida?
– As coisas estão muito diferentes. Estranhamente, nunca tive muito medo, não fiquei traumatizado com o sequestro. Só não fui livre na minha vida durante aqueles 16 dias. Hoje saio no Rio para passear sem problemas, sem segurança, e vou a todo o lado.
– Voltando ao presente: o que podemos esperar para o Rock in Rio em Portugal e Espanha?
– Podemos esperar mais do mesmo. Estou a tentar encontrar artistas que se identifiquem com os gostos do país, vou continuar a apostar num dia dedicado aos adolescentes e tentar melhorar um pouco de tudo o que fazemos.
– Madrid vai ser uma aposta maior este ano?
– Este vai ser o ano da consolidação para Madrid, porque as pessoas já perceberam o espírito do RiR. Foi como o primeiro ano em Portugal. Já somos a maior marca de música nos três países, por isso, o que espero é consolidar tudo isso cada vez mais. E aqui em Espanha a ‘cidade do rock’ foi feita de propósito para o Rock in Rio. Acho que está muito bom.
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