Foi com emoção e alguma surpresa que
Joana Carneiro recebeu a notícia de que foi distinguida com o Prémio Helen M. Thompson, atribuído pela Liga das Orquestras Americanas, pelo seu trabalho como diretora artística da Berkeley Simphony, no estado norte-americano da Califórnia. Aos 33 anos, a maestrina portuguesa, filha do antigo ministro da Educação
Roberto Carneiro e da deputada socialista
Maria do Rosário Carneiro, continua a viver o seu sonho de infância e a encontrar na música o sentido maior para a sua vida.
Numa entrevista em que faz o elogio do silêncio, Joana Carneiro mostrou a mulher que se esconde por detrás da batuta com que dirige orquestras em todo o mundo e falou das saudades permanentes dos pais e dos seus oito irmãos.
– Começou por tocar viola de arco, mas logo aos nove anos disse que queria dirigir uma orquestra. Não sendo uma profissão comum, e menos ainda numa mulher, lembra-se como nasceu o desejo de ser maestrina?
Joana Carneiro – Tudo começa com a decisão dos meus pais de que todos os seus nove filhos deveriam aprender música da mesma forma como aprendiam português ou matemática. Assim, desde os seis anos, todos nós integrámos uma escola de música e aí fizemos o conservatório ao mesmo tempo que o chamado ensino regular. Por outro lado, a música sempre foi um fator de união familiar, uma vez que fazia parte dos nossos programas assistir a concertos, bem como tocar e cantar em casa, algo que ainda hoje fazemos. Por tudo isto, mas também por, desde pequena, tocar e assistir a muitos concertos, a figura do maestro sempre fez parte da minha imaginação.

– Mas tem a noção de ter existido um momento exato em que decidiu ser maestrina ou, pelo contrário, foi algo construído gradualmente?
– Aos nove anos foi uma escolha completamente espontânea. Mas, nesse contexto, talvez o mais importante seja o facto dessa escolha, ainda muito irracional, ter sido abraçada pela minha família, nomeadamente pelos meus pais, de uma forma incondicional. Esse apoio foi demonstrado ao longo da minha adolescência e, aos 18 anos, quando já estudava direção de orquestras e dirigi pela primeira vez, ou seja, quando pela primeira vez usei a batuta, senti um novo clique. Nesse momento tive também uma sensação de alívio, porque o sonho de criança, afinal, poderia ser mesmo concretizado e esta poderia ser a minha vocação.
– Em algum momento sentiu que estava a entrar num mundo tradicionalmente de homens e que a concretização do seu sonho poderia ser ainda mais difícil?
– Fui sempre tão amada e apoiada nas minhas escolhas que nunca pensei ser esta uma profissão de homens ou de mulheres, se era ou não difícil, e muito menos que esta era uma profissão que implicava escolhas difíceis, como sair de Portugal ou ficar longe da família. Só mais tarde me apercebi de tudo isto, mas já estava em liberdade a exercer a minha vocação…

– Tendo em conta o que descreveu, sente que a sua personalidade mudou ao longo dos últimos anos e se adaptou às dificuldades e às responsabilidades?
– É evidente que sinto que hoje sou uma pessoa muito diferente daquela que começou a dirigir, há 15 anos. É difícil dizer se foi a música que mudou ou a música que me mudou. A vida muda-nos… sinto que é um grande privilégio e uma grande responsabilidade ter este veículo – a música – para transmitir aos outros quem sou e para poder transportar o público para um plano que não é apenas terreno.
– O afastamento físico da sua família, por força das constantes viagens, também tem moldado a forma como vive a música?
– Embora seja muito feliz a dirigir uma orquestra em qualquer parte do mundo, sinto também uma tristeza muito grande quando estou longe da minha família, por não poder partilhar com ela o meu quotidiano. É uma vida de grande solidão, seja pela responsabilidade, seja pelo facto de voltar a casa ou ao hotel sozinha, após os ensaios ou os concertos. Sinto, por outro lado, que a aprendizagem e a valorização da importância do silêncio na minha vida, como forma de crescimento e como uma forma de clarificar aquilo que faço, têm sido muito ricas e têm-me transformado profundamente. Tem sido duro, mas o silêncio tem também uma beleza infinita. Estes momentos dão-me uma grande maturidade, que se reflete na minha vida pessoal e profissional.

– É por tudo isso que se justifica o facto de ainda não ter constituído família?
– Fazendo parte de uma família tão extraordinária como a minha, na qual se vive um amor diário tão profundo, seria natural que gostasse de o viver e perpetuar também na minha vida. Mas, a verdade, é que não sinto e não penso a minha vida dessa forma. Hoje, com o amor que tenho, vivo plenamente e com uma felicidade profunda. Amanhã, pode ser diferente, mas não será a minha profissão que vai impedir que isso aconteça. Encaro com toda a naturalidade as surpresas que a vida tenha para oferecer.
– Depois desta produção fotográfica, pode-se concluir que a Joana maestrina esconde a Joana mulher?
– [risos] Faz tudo parte da mesma pessoa, mas reconheço que no dia-a-dia tenho um cuidado diferente. Embora queira estar bem, em palco o mais importante é sempre a música. Não quero que nada do que faça ou vista distraia o público daquilo que é a essência daquilo que faço, que é a música. Fora do palco tenho os cuidados que qualquer mulher tem. Gosto de estar bem e de me sentir bonita.
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*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.