Nasceu em Angola, mas passou a sua infância em Portugal, onde cedo começou a sonhar.
Ricardo Afonso não tem um apelido famoso, nem tão-pouco é conhecido do público português, mas nada disso o fez vacilar quando decidiu deixar tudo e arriscar a sua sorte em Londres como ator e cantor. Família, amigos e bens materiais foram ‘trocados’ pela possibilidade de uma carreira numa das mais exigentes e concorridas cidades do panorama artístico europeu. Cinco anos depois, Ricardo é Galileo Figaro, no musical
We Will Rock You, que está em cena no West End. A par do sucesso profissional, que lhe proporcionou já uma nomeação para os prémios Broadway World, como melhor ator principal num musical, Ricardo Afonso prepara-se também para uma nova etapa no campo pessoal: ser pai.
– Como se sente ao ser o primeiro cantor e ator português a subir a um palco londrino com um papel principal num musical?
Ricardo Afonso – Tem um sabor especial ser o primeiro em algo. E mais especial ainda porque isto é o que procurava, era o meu sonho. Mas tenho a certeza de que serei o primeiro de muitos.
– Fale-me um pouco do seu percurso e de como conseguiu chegar a este patamar.
– Não sei se teremos tempo para tudo, [risos] mas a partir do momento em que cumpri o meu último contrato com a Cunnard a bordo do Queen Mary II, a minha fome de tentar Londres e o West End tornou-se insaciável! Tinha acabado de fazer 30 anos e percebi que era a altura.
– Faz o papel de uma espécie de Freddie Mercury do futuro, o que traz responsabilidades acrescidas…
– Infelizmente, existe uma ideia errada em relação ao que faço no
We Will Rock You. A minha personagem chama-se Galileo Figaro e nada tem que ver com o Freddie Mercury e a sua vida, nem tão-pouco o espetáculo tem que ver com a carreira dos Queen. Em traços muito gerais, é uma sátira aos momentos que vivemos na música hoje em dia. Passa-se num futuro que se pode situar trezentos anos à frente e o mundo e a música são controlados por uma ditadura digital, onde os instrumentos e qualquer expressão musical individual são proibidos. Eu, como Galileo, tento salvar a Humanidade através do
rock!
– Qual é a sensação de ser aplaudido por milhares de pessoas?
– Estarei em cena até setembro de 2011, e todas as noites, momentos antes do pano subir, aparecem o nervosismo e o formigueiro na barriga… É bom saber que, através da minha voz, consigo alcançar até a última pessoa na sala. Os aplausos são como um carregador para as baterias que estarão cheias no dia seguinte quando voltar a fazer tudo outra vez.
– Sei que deixou tudo para tentar a sorte em Londres…
– Deixei muita coisa para trás… Mas às vezes é necessário deixar coisas para trás quando perseguimos um sonho. Hoje em dia não olho muito para trás, se calhar porque tive sorte na altura certa, ou porque parti na altura certa, ou talvez as duas coisas…
– Imagino que não tenha sido fácil fazer este percurso até aqui.– A parte final foi a mais difícil. Talvez porque não dependia só de mim. Quando cá cheguei, cedo percebi que precisava de um agente, de representação profissional. Muito dificilmente se avança sem um agente cá, especialmente se ninguém te conhece ou sabe do que és capaz. Isso levou alguns meses, e foi nessa altura que as dúvidas se instalaram na minha cabeça. Mas como em tudo o que faço, desistir não é opção. Esperei pela altura certa e o resto é história…
– Gostaria de regressar a Portugal, ou acredita que o sonho vai continuar a ser realidade em Inglaterra?
– Portugal foi onde cresci e onde estão os meus amigos e família, portanto, nunca estou longe deles por muito tempo. Fazer parte de um projeto em Portugal é algo que também ambiciono, mas terá de ser o projeto certo… Por agora as coisas correm bem em Inglaterra, mas como nada é certo neste meio…
– Como é a sua vida em Londres? Fale-me um pouco da sua rotina, do dia-a-dia…
– Moro numa vila fora de Londres, e viajo para a capital todos os dias, para fazer o espetáculo. Exceto ao domingo, que é o dia de descanso, de família, futebol, Fórmula 1, moto GP e
superbikes! O resto da semana restringe-se ao espetáculo. Já não sou um garoto e faltam-me as pilhas para a vida noturna. Os tempos são outros…
– Sente saudades de Portugal, da família, dos amigos?
– Todos os dias.
– Vai entrar numa nova fase da sua vida agora que vai ser pai…
– É verdade, eu e a minha mulher estamos à espera do nosso primeiro bebé. Não sabemos, nem queremos saber, o sexo… há coisas que devem ficar como surpresa. Que tenha saúde!
– Que outras paixões ou sonhos o movem?
– Cozinhar sempre foi uma paixão que mantive perto. Sou um aficionado dos programas culinários. Todos. E se isto da música não der, vou para a cozinha!
– Qual é o próximo passo?
– Passos dou todos os dias. Tento planear tudo de manhã quando acordo e vou traçando o meu caminho. Por agora, estou feliz assim.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.