Com 82 anos e a comemorar 70 de carreira,
Eunice Muñoz dispensa apresentações. Atriz desde criança, sempre soube que ia fazer do teatro o palco da sua vida. A paixão pela arte e a energia que tem não a deixam abrandar o ritmo e atualmente é a protagonista de
O Comboio da Madrugada, em cena no Teatro Mirita Casimiro, no Estoril. Foi a propósito desta peça, na qual a sua neta
Lídia se estreou, que a CARAS esteve à conversa com aquela que é considerada, tanto pelos seus pares como pelo público, a grande dama do teatro português.
– Para quem já tem tantas peças no currículo, o que é que
O Comboio da Madrugada acrescenta à sua carreira?
Eunice Muñoz – Acrescenta um papel muito interessante, uma mulher milionária, meio tresloucada, doente, que se apaixona por um jovem. A minha neta também entra nesta peça, o que é muito enternecedor. Durante os seus 20 anos, ela esteve sempre comigo e penso que olhou para mim como alguém que queria seguir. É uma pessoa interessada, estudiosa, que quer saber cada vez mais.
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– Nesta peça, a sua personagem é visitada por esse jovem nos últimos tempos da sua vida. A Eunice tem medo da morte?
– Não penso na morte, nem me assusta, porque sou uma pessoa de fé. Sei que quando Deus quiser lá estarei e será o fim dos meus dias. A minha natureza não tem inclinação para o negativismo. Sou uma pessoa positiva.
– A Eunice conciliou sempre os papéis de mulher, mãe e atriz. Sendo uma profissional tão empenhada, nenhum dos outros papéis ficou para trás?
– Não, porque tive muita sorte. O meu segundo marido [de quem teve quatro filhos] era um homem excelente com uma grande sensibilidade e gostava muito de todas as manifestações de arte. Ele tinha muita admiração por mim e sacrificou-se muitas vezes para que eu pudesse representar.
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– Conseguiu ser uma mãe presente?
– Sempre que podia… Mas fui muitas vezes uma mãe ausente. Os meus filhos foram muito generosos, porque vejo-os menos do que aquilo que queria e devia, sobretudo quando estou a preparar um papel como este, que é muito exigente.
– Nesta altura da sua vida é importante para si estar sempre rodeada de pessoas?
– Depende. Eu vivo sozinha e isso não me aflige nada. Trabalho em casa, tenho uma empregada que vai lá quatro horas por semana, o resto faço eu, a lida da casa, cozinhar – que, aliás, gosto muito. Leio, escrevo, tenho sempre em atraso muita correspondência. E gosto muito de estar sozinha, gosto da pessoa que sou.
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– Casou-se três vezes. O amor e a paixão sempre tiveram muita importância na sua vida?
– Sim, muita. Na vida, sempre fui uma mulher muito apaixonada e isso deu-me coisas boas, coisas negativas… Não me considero de modo nenhum infeliz, vivi muito bem as minhas emoções.
– Apesar de já ter tido alguns problemas de saúde, a Eunice conseguiu chegar aos 82 anos cheia de vitalidade. Qual é o segredo para se envelhecer tão bem?
– Não sei… Ora bem, em primeiro lugar não podemos prestar muita atenção a nós próprios. Temos de nos libertar da dor que sentimos aqui, acolá… É verdade, elas estão lá, mas não me vou estar a massacrar com isso. E não tenho a idade sempre na minha cabeça nem me sinto com 82 anos. Tenho muita energia, graças a Deus. Já fiz duas operações, tenho uma angina de peito, tenho coisas graves, mas não vou estar sempre preocupada com isso. E cuido-me, tenho atenção… Tenho coisas bem mais interessantes em que pensar.
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– É considerada a dama do teatro português. Gosta de ser encarada dessa forma?
– Não é desagradável e fico grata, mas nunca me considero uma dama do teatro nem quero que isso tome conta de mim. Sou uma atriz, uma profissional que deve tentar sempre, sempre e sempre melhorar o seu trabalho. Isso vai acontecer até à última peça que faça.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.