O encontro com
Joe Berardo estava marcado para a zona da Bairrada, no novo Aliança Underground Museum, a última aventura do comendador. Depois de nos termos perdido várias vezes numa longa viagem desde Lisboa, fomos recebidos pelo clã Berardo – Joe, o seu filho,
Renato, e seu genro,
Zair – e uma grande equipa da Aliança. Almoçámos numa das caves, repleta duma original coleção de faianças Bordalo Pinheiro, com mais de cem pessoas, todas ligadas ao mundo dos vinhos. O famoso leitão da Bairrada e os diversos vinhos da região fizeram as delícias de todos. Joe Berardo tinha acabado de chegar da Madeira e tinha que estar no Porto nesse mesmo dia. É um homem que vive a mil à hora e não gosta de perder tempo, por isso, tivemos que entrar no seu ritmo. E foi também a um ritmo alucinante que percorremos as sete coleções que animam as velhas caves de vinho, reconstruídas sob um projeto muito contemporâneo: a coleção Arqueológica, conjunto de figuras em terracota com cerca de 1500 anos.
Uma verdadeira força da natureza, com uma energia contagiante, Joe Berardo é um homem que gosta de partilhar a sua paixão pela arte, pelos vinhos e pelo colecionismo. Ele que não se cansa de dizer que a cultura é fundamental para um país e que, com esse gosto pela partilha, pretende contribuir para o enriquecimento humano. Entre visitantes curiosos que acedem ao museu gratuitamente, naquele cenário fora de série, a conversa fluiu.
– Mais um projeto original, o Aliança Underground Museum. Como surgiu a ideia deste inovador museu subterrâneo com uma extensão de um quilómetro e meio?
Joe Berardo – Quis aliar o vinho à arte e assim surgiu a ideia de transformar os túneis subterrâneos num extraordinário museu. Com as novas tecnologias, deixou de ser necessário colocar milhões de garrafas de espumante em estágio, por isso, tínhamos toda aquela área praticamente sem utilidade. Quis juntar o útil ao agradável e fizemos ali um grande investimento de melhoramento. O casamento entre a cultura, a gastronomia e os vinhos é uma combinação fantástica. Provam-no os prémios que o Aliança Underground Museum tem recebido. Este ano, por exemplo, já nos foram atribuídas duas distinções, uma em janeiro, sendo considerado o Melhor Enoturismo sem Estadia pelo enólogo e crítico de vinhos
Aníbal Coutinho, e agora, no passado dia 24 de fevereiro, uma Menção Honrosa pelo Turismo de Portugal, no âmbito de uma cerimónia que teve lugar na Bolsa de Turismo de Lisboa. Este tipo de reconhecimentos é para nós um grande motivo de orgulho, pois com menos de um ano de funcionamento, contamos já com várias distinções e uma grande afluência de público.
– Porquê a região da Bairrada? Houve alguma razão em particular para essa escolha?
– Esta é uma região com uma larga tradição no espumante, é o cenário ideal para dar a conhecer as presentes coleções, aliando a arte à cultura vinícola e gastronómica. Os meus filhos, a minha nora, o meu genro e os meus amigos portugueses e estrangeiros são todos unânimes em dizer que não é normal, num local tão pequeno, encontrar uma tão grande diversidade gastronómica. A Bairrada é uma terra de uvas, vinhedos e grandes vinhos de renome nacional e internacional, que soube, notavelmente, manter a autenticidade e integridade da paisagem cultural. A escolha desta localidade vem premiar essa identidade, mas vem, também, ao encontro das políticas de descentralização da cultura, que são fundamentais para o desenvolvimento do nosso país.
– Também aqui volta a partilhar com o grande público a sua paixão por África através da apresentação de coleções tão emblemáticas dessa cultura. Há em si uma nostalgia permanente desse continente? Com que frequência volta a essa que foi a sua segunda casa? Ainda lá tem casa e amigos?
– Quanto mais longe estou do continente africano, mais apaixonado me sinto pela sua cor, cheiro e gentes… Mantenho lá imensos amigos e família. A minha mulher é a mais velha de 12 irmãos, todos nascidos na África do Sul. Neste momento não vou tão frequentemente como gostaria, mas mantenho, ainda, uma extraordinária casa com jardins fenomenais em Joanesburgo e continuo com o meu coração em África, não só na África do Sul, bem como em toda a África Austral.
– Passando agora para outra paixão: fale-me dos vinhos. Continua com um grande investimento no sector? Em sua casa havia o culto do bom vinho e da boa mesa?
– O vinho é algo que está no meu sangue. O meu pai era
blender da Madeira Wine, e é curioso que, entre mim, o meu pai e o meu irmão, temos 125 anos daquela empresa. É uma tradição muito forte! Não herdei o paladar refinado, mas herdei o gosto pelo vinho.
– Sei que tem uma relação muito especial com a sua família. Ela também faz parte das suas equipas de trabalho? Partilha consigo o gosto por estas aventuras culturais e empresariais?
– É verdade, tenho uma relação maravilhosa com a minha família e sinto-me privilegiado pelo apoio familiar. Nós somos uma autêntica equipa e trabalhamos como tal. A ideia é eles estarem preparados para uma grande variedade de negócios, quer em Portugal quer no estrangeiro. Tenho muito sorte, porque todos eles, filhos, nora, genro, a minha mulher, e até os meus netos, se interessam pela arte e têm gosto de participar em todas as atividades que desenvolvemos. É um apoio incondicional a todos os níveis, não só para mim, mas também para os nossos colaboradores, que são indispensáveis ao meu sucesso.
– O seu entusiasmo é contagiante. Não se deixa abater pelo estado do mundo e pela depressão do país?
– Nós somos otimistas por natureza. O momento que vivemos não é fácil, mas não podemos cruzar os braços e ficar parados a lamentar. A nossa vida não espera por ninguém, o futuro depende de todos nós, por isso temos que ir à luta!
– Falemos agora da sua querida Madeira, que neste último ano enfrentou momentos difíceis. Tem projetos para lá?
– Infelizmente, nos últimos tempos temos assistido a imensas catástrofes naturais, não só na Madeira, bem como um pouco por todo o mundo. Mas como em tudo na vida, temos que tirar uma lição positiva, e a Madeira é disso exemplo, após as terríveis cheias do ano passado, as pessoas puseram mãos à obra e poucos meses depois a ilha recebia milhares de visitantes na resplandecente Festa da Flor. Nunca se viu uma onda de solidariedade tão grande, quer a nível regional quer a nível nacional. Gostaria inclusivamente de aproveitar esta oportunidade para agradecer e enaltecer a ajuda do povo português. Quanto a projetos para a Madeira, tenho neste momento alguns em análise, essencialmente na área do turismo, que é base da economia da região.
– A sua vida tem sido muito preenchida e já fez de tudo um pouco. Depois dos jardins luxuriantes, da arte contemporânea, das casas, das quintas e das caves de vinho, o que se segue?
– Parar é morrer, por isso é preciso continuar a sonhar. Vou continuar a apostar no desenvolvimento da cultura, pois é a melhor maneira de ajudar o país e os nossos jovens. Temos que apoiar a criação artística. Se não podemos competir com a mão-de-obra chinesa ou indiana, podemos incentivar o desenvolvimento do
design. É indispensável que Portugal aposte na área cultural!
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.