Luís Solano Cabral de Moncada é doutorado em Direito, especialista em Direito Administrativo, professor universitário de Direito em diversas universidades, autor de muitas obras jurídicas e advogado. É casado, tem 59 anos e um filho de 22 anos,
Sebastião, finalista do curso de Economia. É cavaleiro de Honra e Devoção da Ordem de Malta. A vida universitária é quase uma tradição familiar: é neto homónimo do vice-reitor da universidade de Coimbra (1932-1940) que se notabilizou por importantes contribuições publicadas na área da Filosofia e da História do Direito. Aliás, nas últimas três gerações houve na sua família mais próxima nada menos do que sete doutoramentos em Direito e Engenharia. Nas horas vagas não joga golfe nem ténis nem vai ao futebol – dedica-se à obra assistencial da Ordem de Malta, convive com os amigos, colabora com a imprensa ou vai para a Torre do Tombo e para os Arquivos Distritais, da Beira ao Alentejo, vasculhar as genealogias das famílias da província, sobretudo daquelas que viveram sempre longe de Lisboa e sobre quem já publicou numerosos trabalhos. Consi-dera-se um homem tranquilo e
"rigorosamente independente de tudo e de todos". Conversámos em Lisboa, sobre genealogia e ensino, na Casa-Museu Medeiros e Almeida, que aproveitámos para revisitar.
– A genealogia é o estudo das origens familiares. Que interesses lhe encontra, para além dos óbvios?
– O estudo genealógico permite ter da história social do país ideias muito claras e sobretudo evitar cair no ‘pronto a pensar’ a que nos habituaram e que dá um retrato social do país completamente desfocado e ideologicamente comprometido.
– ‘Desfocado’ em que sentido?
– É a genealogia que nos leva à conclusão de que as diferenças sociais nunca foram tão grandes como se gosta de dizer. A mistura social é uma realidade de sempre, sobretudo num país como o nosso, em que o estatuto social da aristocracia nunca foi muito elevado. É por isso que a genealogia popular é tão importante como a outra para se ter uma noção exacta do que o país era e é em termos sociais.
– Foi o Luís, se não me engano, que apurou a legitimidade do uso do ‘Dom’ na família Herédia…
– É verdade. Usam-no com toda a legitimidade.
– Quais as diferenças substantivas que encontra entre a aristocracia urbana – chamemos-lhe assim – e a fidalguia de província?
– São diferenças enormes, embora hoje um tanto atenuadas. O fidalgo rural é um tipo psicológico que nada tem a ver com o lisboeta. Foi muito explorado na nossa literatura. O retrato de
Eça n’
A Cidade e as Serras e na
Ilustre Casa é perfeito. Ainda quase todo o
Camilo e
A Casa Grande de Romarigães, do
Aquilino.
– Sim, conhecemos as caricaturas do segundo tipo. E do primeiro? Recorde-nos um paradigma…
– Um paradigma: o visconde de Gouvarinho, também do Eça.
– Se fosse possível generalizar, em quais deles, na sua opinião, observa um maior orgulho da ascendência?
– Nos provincianos, por razões que têm a ver com a noção de enraizamento e de apego à terra.
– Investigar sobre os antepassados continua a despertar o mesmo interesse de antigamente ou a depressão também atingiu o sector? [risos]
– Pelo contrário, existem hoje mais genealogistas do que nunca, sobretudo jovens. Se olharmos para a situação moral em que o país está, percebemos logo.
– O vazio de valores que se observa hoje em dia convoca nas pessoas uma nostalgia das glórias do seu passado familiar, é isso?
– Precisamente.
– Não há nobre sem costados plebeus, pois não? Só para tirar as peneiras a alguns… [risos]
– Sim. Não mente se disser isso.
– Que português público é inteiramente plebeu?
–
Mário Soares.
– Há quem queira ser nobre à força?
– Há muito. A personagem do Senhor Martim da
Lisboa em Camisa, do
Gervásio Lobato, e do eterno Dâmaso Salcede, do Eça, são actualíssimos. Conheço tantos, Rita! Lembro-me até de um que tem em casa tanto calhau armoriado que aquilo mais parece uma loja de artesanato. [risos]
– Sabe-se que há muita gente a usar títulos prescritos. Não há, na Associação de Nobreza de Portugal, nenhum observatório que permita controlar e desencorajar essa utilização indevida?
– Sim, Rita, há muita gente a usar indevidamente títulos nobiliárquicos. Mas não existe um controlo legal sobre essa prática.
– E ainda há as chamadas ‘famílias antigas’. O apelido Silva é exemplo de um nome ancestral que não possui qualquer título…
– Sim, o uso de títulos nada tem a ver com a antiguidade das famílias. Num país pequeno como o nosso, havia ramos que eram titulares e outros que não, mas as famílias são quase sempre as mesmas, muito embora vivendo em contextos diversos.
– Escuso de perguntar se considera o Senhor Dom Duarte o legítimo herdeiro do trono…
– Certamente que sim. O problema ficou resolvido há muito tempo. A seguir à Convenção de Evoramonte, Dom
Miguel foi exilado para a Áustria e foi publicado o chamado
Decreto do Banimento, que o impedia a ele ou a qualquer dos descendentes de serem pretendentes ao trono em Portugal. Depois da morte de Dom Manuel II, pôs-se a questão de saber quem seria o pretendente, uma vez que não deixou filhos. A questão foi muito polémica porque se perfilaram vários pretendentes, todos eles parentes remotos de Dom Manuel II, último rei de Portugal. Foi então, no final dos anos 30, que
Salazar resolveu a questão fazendo um favor aos monárquicos: revogou o
Decreto do Banimento e a partir daí deixou de haver dúvidas quanto à legitimidade da linha do Senhor Dom Duarte, actual duque de Bragança e descendente directo de Dom Miguel.
– Posso perguntar-lhe se é monárquico?
– Claro que pode. Portugal não nasceu ontem. Defendo a monarquia como instituição histórica, mas não como solução política para hoje. Neste sentido, não sou monárquico.
– Aproveitando a sua qualidade de professor universitário, como vê o passado, o presente e o futuro do ensino em Portugal?
– O ensino universitário de hoje em Portugal nada tem a ver com o do meu tempo. Quando eu era aluno havia cerca de 30 mil estudantes no ensino superior no nosso país e hoje há cerca de 500 mil. É outro mundo. Ainda bem que assim é porque o ensino qualificado é a melhor oportunidade para todos.
– Pena que o mercado de trabalho não esteja preparado para gratificar tanta gente…
– É verdade. Hoje, um curso universitário não é a garantia de uma posição profissional qualificada. Isto explica a frustração de muitos jovens e de outros menos jovens que não encontram no mercado de trabalho uma posição compatível com as suas qualificações. Esta situação já é antiga no estrangeiro. A concorrência é enorme e apenas os mais aptos têm sucesso. Mas ainda assim vale a pena.
– Os ministérios não têm ajudado?
– Pelo contrário. A grande desadequação entre a política dos vários Ministérios da Educação e o mercado de trabalho piorou muito as coisas.
– Uma palavra sobre os professores?
– Lamento a tendência cada vez maior para serem tratados como os burocratas do ensino, prejudicando a vocação realmente universitária dos poucos que a têm.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico