Leonor Baldaque começou a carreira de atriz em 1997 pelas mãos de
Manoel de Oliveira. Não era um sonho de criança, mas depressa se apaixonou pelo cinema e desde então tem lutado por ele. Tanto que, há cerca de doze anos, largou tudo e partiu para Paris para crescer. A família não ficou entusiasmada com essa decisão, mas Leonor não se arrepende das escolhas feitas e não pensa voltar a viver em Portugal tão cedo. E o facto de ser conhecida em França e Itália, onde vive atualmente, e não em Portugal, não a incomoda, muito pelo contrário, é assim que prefere. Leonor é ainda neta da escritora
Agustina Bessa-Luís, mas procura viver livre de qualquer herança, sem espaço para comparações.
– Ser atriz foi um sonho de criança?
– Exprimir-me de uma forma artística, sim, era um sonho de criança. Por enquanto, aquilo que encontrei foi o cinema, o que não quer dizer que não mude. Para mim, o que é mais importante são os encontros humanos e a forma de me exprimir artisticamente.
– E foi por causa desse sonho que em 2000 se mudou para Paris?
– Exato. Sempre tive mais curiosidade por países estrangeiros do que por Portugal, sempre me interessei mais por outras culturas porque achava que já conhecia demasiado os portugueses, as cidades, a cultura, a literatura… Sempre tive imensa curiosidade por aquilo que não era eu, por aquilo que me era completamente estranho e estrangeiro. Acho que foi por causa disso que quis partir. Quando terminei a faculdade, no dia seguinte apanhei o avião e fui para lá. Permaneci dez anos, agora estou em Roma.
– Portugal era demasiado pequeno para o quanto queria crescer a nível profissional?
– O profissional nunca guiou a minha vida. Todos os passos importantes da minha vida foram tomados por motivos pessoais, por razões de crescimento humano. Eu quis ir para Paris porque achava que humanamente me ia fazer crescer muito.
– Se tivesse ficado por cá, acha que não teria chegado onde chegou?
– Sentia que não e que precisava de ir ao encontro de uma cultura estrangeira, vivê-la e falar uma língua que não a portuguesa. Sempre gostei imenso da língua portuguesa para representar, para o cinema e para ler, mas para falar achava difícil. Nunca me senti à vontade com a língua portuguesa. Acho que quando comecei a falar francês, senti que enfim era eu própria.
– E quando foi deixou cá a família e foi sozinha?
– Sim, tinha 22 anos.
– Não lhe custou deixar a família?
– Claro que não é fácil deixar a família. Mas acho que há outro tipo de famílias que uma pessoa constrói quando vive sozinha, que tem que ver com os encontros de amizade, de amor ou profissionais. Acho muito importante deixar a família para crescermos sozinhos.
– A família apoiou a sua decisão de partir e ser atriz?
– Não posso dizer que me tenham apoiado. Havia uma relativa indiferença, porque preferiam que eu tivesse feito a minha vida em Portugal. Queriam ter-me por perto. A minha mãe apoiou-me mais nessa decisão, mas acho que não foi fácil para ninguém.
– E hoje em dia, já mudaram de opinião?
– Acho que continua a não ser muito fácil para a minha família estar longe, as saudades continuam a ser muitas. Mas agora estão conformados com a ideia.
– Mas devem estar orgulhosos: afinal, a Leonor conseguiu construir uma carreira sozinha…
– Penso que sim. Na minha família não se fala muito sobre aquilo que obtemos, nunca olhamos para nós próprios desse ponto de vista. Acho que é uma coisa muito do norte e muito católica, de uma enorme modéstia, de forma a que não se pense que somos
vaidosos. Há uma enorme discrição em relação a isso. Mas eu espero que sim, que eles estejam orgulhosos de mim.
– E como matam as saudades? Vem cá muitas vezes?
– Não. Basicamente, venho para filmar e para fazer a promoção dos filmes. Em dez anos, vim cá cerca de 11 vezes. Até porque, quando posso apanhar um avião, prefiro ir para um sítio que não conheço tão bem. Mas escrevo muito à mão, gosto muito do papel e da caneta. E escrevo muito à minha família, mais do que comunico pela Internet ou pelo telefone. Aliás, não tenho Internet em casa, só há cerca de um ano tenho telefone fixo e não tenho televisão. Vivo num mundo só feito de silêncio, livros e muita música.
– Esse gosto pela escrita poderá ter sido herdado da sua avó, Agustina Bessa-Luís?
– Não sei se herdei dela. Eu não me vejo uma herdeira de nada e procuro viver livre de qualquer herança. O que é difícil. Tive foi a sorte de crescer num ambiente rodeado de livros e cultura. E eu tenho uma paixão pela literatura, pela escrita, desde sempre. Publiquei um primeiro conto há cerca de dois anos,
Guatemala Dreams, e ganhei um concurso da CGTP.
– Mas terá aprendido alguma coisa com ela? Têm uma relação próxima?
– Acho que o que aprendi com ela foi a levar muito pouca coisa a sério, a rir de tudo e a ter perseverança no trabalho, pessoal e individual.
– E quando escreveu o seu livro, pediu-lhe algum conselho?
– Não. Nós não somos muito próximas. Acho que a minha família tem essa particularidade: somos pessoas bastante independentes. Não somos nada aquele protótipo da família unida que conta tudo… Nesse aspeto, somos uma família bastante atípica e eu gosto disso. Porque faz com que nos sintamos mais independentes, mais capazes de nos tornarmos aquilo que somos.