Tozé Martinho poderia ter sido veterinário ou economista, mas quis a vida, e as suas paixões, que se encontrasse com o Direito, a representação e o guionismo. Filho da atriz
Maria Teresa Guerra Bastos Gonçalves, conhecida como Tareka, e irmão de
Ana Maria Magalhães, autora que escreve em parceria com
Isabel Alçada os livros da coleção juvenil
Uma Aventura, o ator cresceu numa família em que a criação e a imaginação sempre foram estimuladas.
"A minha mãe é uma mulher criativa e incentivava os filhos a manifestarem os seus talentos. Ela procurava aperfeiçoar sem destruir. A nossa família sempre foi muito estimulante," explicou Ana Maria Magalhães, que apresentou recentemente
Uma Aventura na Ilha de Timor. A imaginação não se ficou pela infância e adolescência e durante toda a sua vida Tozé tem inventado personagens, ou, como prefere dizer,
"pessoas". Hoje, o ator e advogado – pois continua a exercer – é um dos autores de telenovelas mais conceituados em Portugal, contando no currículo produções como
Amanhecer e
Olhos de Água.
Contudo, não é apenas no campo profissional que Tozé se tornou um homem bem sucedido. Casado há 36 anos com
Ana Rita Martinho, pai de dois filhos,
António e
Rita, e avô de três netos, o ator tem na história da sua fa-mília o seu guião preferido. Foi na sua casa em Salvaterra de Magos, no distrito de Santarém, que a CARAS esteve à conversa com o ator, que passou uma tarde em família na companhia da irmã mais velha e da mãe.

– Qual é a relação que tem com esta terra e esta casa?
Tozé Martinho – A minha mãe ficou viúva quando eu tinha nove anos. Depois, voltou a casar-se e como o meu padrasto é daqui, viemos para cá. A minha ligação com esta minha terra de adoção é profunda. Aqui passei toda a minha adolescência e comecei a minha vida.
– Gosta tanto de estar em Salvaterra de Magos que se mudou definitivamente para cá…
– Depois de me casar fui para Cascais e vivi lá 30 anos. Adorei Cascais, sobretudo na sua versão daquele tempo. Hoje, já é mais complicado, tem muito trânsito. Mas acho que chegou uma altura em que me apetecia ter algo meu, como a terra. E comprei este terreno e construí esta casa. São 50 quilómetros até Lisboa, onde vou todos os dias.

– E como é que alguém que começou por estudar Veterinária e mais tarde Economia se licencia em Direito?
– Eu pertenço a uma família de médicos e, naturalmente, houve alguma influência para me tornar médico, mas eu não tinha a menor vocação. Escolhi Veterinária, mas a determinada altura senti que aquela não era a minha vida. Entretanto, fui mobilizado para a tropa. Estive em Mafra, Santarém e quando já não esperava, fui para Moçambique, onde estive dois anos. Depois ingressei no Instituto Superior de Economia, mas entretanto a Matemática tinha mudado da clássica para a moderna. E fui-me embora, porque não entendia nada. O meu bisavô era juiz e fazia coleção de livros de Direito. Um dia encontrei um livro sobre a
s ordenações filipinas. E a leitura que fiz foi tão apaixonante que decidi estudar Direito.
– Entretanto descobriu a representação…
– Quando vim da tropa, já tinha 24 anos, proporcionaram-me uma aventura extraordinária no concurso
A Visita da Cornélia, que fiz com a minha mãe. Depois, convidaram-me para fazer um filme. Nessa altura, a
Josephine Chaplin era casada com o
Maurice Ronet, que era muito meu amigo. Convidei-os para jantar e ela, que tinha visto a minha prestação no filme, incentivou-me e disse-me:
"Tozé, tu tens de seguir esta vida." Explicou-me tudo o que ia encontrar e como deveria agir. Foram conselhos primordiais para mim.

– Que vida precisa de se ter para se escrever sobre tantas histórias que não são a sua?
– Eu acho que essa inspiração vem lá de cima. Eu tenho uma hora propícia para isso, que é ao acordar. Deito-me a pensar nas coisas e naquela fase em que ainda não estou bem acordado, surgem ideias que vêm tornear coisas em que já tinha pensado. E o fator mais relevante é a criação das personagens, que é um trabalho quase divino. No fundo, o que tenho de fazer é criar pessoas, porque se criar personagens ninguém vai acreditar nelas. É preciso estar muito atento. Sou um observador de pormenores.
– Assim, as personagens que cria vêm consigo para casa, o que acaba por ser complexo…
– É complexo, mas é a única maneira de estar quando nos encontramos na composição de uma personagem. São vivências que passam a pertencer à nossa vida. A Ana Rita também escreve comigo e sabe do que estou a falar.
– Parece que se completam no trabalho e na vida…
– Claro que sim. O único segredo que há para um casamento resultar é saber passar por cima de diferendos. Daí vem o entendimento e a resolução dos problemas. Os sacrifícios fazem parte da vida.

– Escrever novelas atrás de novelas, ser advogado, ator, pai, marido e filho deve ser extenuante…
– Sim, sim. Mas sempre geri o meu campo pessoal e profissional com muita cautela. Houve alturas em que o Direito ficou um bocadinho para trás. Em casa sou talvez um bocadinho distraído, pouco atento, mas tenho toda a atenção. Tentei ser o mais cuidadoso possível com toda a minha família.
– Se o Tozé Martinho entrasse numa novela, como seria a sua personagem?
– Seria alguém trabalhador, atento, com ideias que projetassem o futuro de uma forma mais apetecível, otimista. E que no fim dessa caminhada de luta trouxesse um apogeu.
– E já viveu esse apogeu?
– Estou sempre pronto para vivê-lo. Ainda me falta cumprir muita coisa. Falta-me sempre tudo. Cada passo que se dá é um passo novo, cada novela que se escreve é mais um desafio… Nunca baixo os braços. Tenho sempre entusiasmo para o dia que aí vem.

– Sente que hoje se escreve por encomenda e consoante as audiências?
– Tento fugir um bocadinho disso. Às vezes dizem-me que tenho de acelerar mais, mas se é para entrar no disparate, prefiro não fazer. Assim, estou a defender o público e a projeção da própria estação.
– Tal como o Tozé, a sua irmã também escreve. Sempre foram pessoas criativas?
– Nos primeiros anos dormíamos no mesmo quarto e a minha irmã contava-me histórias. Tínhamos dois amigos imaginários que viviam connosco. Ela só tem mais um ano que eu, somos muito próximos.
– E que relação tem com a sua mãe?
– Tudo aquilo que possa dizer sobre a minha mãe é pouco. É uma pessoa incontornável na nossa vida e na de todas as pessoas que a conheceram. Tenho colegas meus que falam dela com um carinho e uma ternura extraordinários.