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D.R.
" C arlos Castro foi morto e castrado em Nova Iorque. Podes acompanhar o assunto?" Foi assim que Rodrigo Freixo, jornalista da CARAS, soube da notícia da morte do cronista social, brutalmente assassinado em Nova Iorque pelo modelo Renato Seabra. "Conhecia Carlos Castro e por breves instantes pensei que pudesse ser uma brincadeira de mau gosto. Adormecido, comecei por recordar alguns momentos em que nos cruzámos num qualquer trabalho, num desfile de moda ou na rua", revela o jornalista. Da sua ida a Nova Iorque, onde acompanhou de perto alguns episódios desta "história cruzada de duas pessoas que se encontraram brevemente, e que resultou na morte de uma e, muito provavelmente, na desgraça da outra", resultou A Queda de Um Anjo. Aqui fica a pré-publicação de excertos de alguns capítulos deste livro que vai ser apresentado na quinta-feira, dia 21, no Hotel do Bairro Alto.
Verdadeiro cenário de filme de terror
Naquele momento observavam com consternação o estado daquele ser humano. Irreconhecível. Com os olhos perfurados, vários golpes na cabeça, e outros um pouco por todo o corpo. Era impossível desviar o olhar. Tudo fazia crer ter sido esfaqueado. Pior, o homem tinha sido sexualmente mutilado, castrado. Os seus órgãos genitais arrancados e espalhados pelo chão, confundindo-se com o sangue que proliferava naquele espaço. Um verdadeiro cenário de um filme de terror, mas sem artefactos, sem cenários, sem duplos ou efeitos especiais. Puro e duro. Tal como tinha sido deixado pelo assassino.
Alguns hóspedes viam-nos como um casal
Mas todos terão reparado na curiosa ou caricata ligação de um jovem alto, esbelto, esguio, bem parecido, com um homem de 65 anos, de estatura baixa, cabelo esbranquiçado, que não escondia as marcas da idade, que se desfazia em sorrisos, e evidenciava sinais de uma extrema ternura (…) Tinha requintes de alguma feminilidade, era carinhoso com quem gostava, adorava tocar, mostrar o que sentia, era expressivo e quando amava, amava. Tanto quanto sentia o oposto. (…) Quando odiava alguém fazia questão de deixar a sua opinião bem vincada.
Afinal não se sentia um criminoso
(…) Ninguém suspeitaria que um jovem vestindo um fato cinzento e uma gravata violeta, barba exemplarmente feita, cabelo curto e penteado, ótimo aspecto, tivesse acabado de cometer um crime e se preparasse para abandonar o local. (…) Afinal, não se sentia um criminoso, mas acabara de protagonizar um dos mais trágicos crimes que terá visto na sua vida. Visto ou participado.
Terminava uma etapa da vida de Renato
A 7 de Janeiro de 2011 o seu rosto estava em destaque em Nova Iorque, mas não se tratava de nenhuma campanha publicitária ou catálogo de moda. Era procurado, mas não por grandes marcas ou agências. A sua vida estava prestes a ser hipotecada indefinidamente. (…) Tornava-se mediático, conhecido, o menino de ouro de Cantanhede, mas pelos piores motivos.
Precisava de soltar o que lhe ia na alma
Naquele momento estava ali deitado numa cama de hospital, sem janelas, com grades. Como mudara a sua vida. Precisava de gritar, de soltar o que lhe ia na alma, de explodir. E terá sido o que aconteceu quando foi interrogado pelos detetives. (…) "Ataquei Carlos Castro para me livrar dos demónios, para me livrar do vírus. (…) Já não sou gay. "
O cronista teve uma crise de ciúmes
(…) Algumas das mais acesas discussões surgiram depois de Renato ter travado conhecimento com duas raparigas, com quem terá chegado a trocar contactos. (…) Consta que o cronista teve uma crise de ciúmes. Estava apaixonado e aquele era, nem que fosse só para ele, o seu grande amor. (…) Na noite de passagem de ano os dois cruzaram-se ainda com outros portugueses em Times Square. (…) E foi por pouco que eu próprio não me cruzei com eles. Por coincidência, também eu passei o fim de ano em Times Square.
Acabou por entrar num beco sem saída
Carlos Castro celebrava 35 anos de carreira, enquanto Renato dava os seus primeiros passos no mundo da moda. Se o primeiro tinha provas dadas e influência na construção de novas carreiras, o segundo tinha vontade de chegar rapidamente ao topo. (…) Já havia conseguido muito em pouco tempo e isso poderá tê-lo feito acreditar que conseguiria ir ainda mais longe. (…) Contudo, Renato terá optado por arriscar um atalho. Podia ter corrido bem, mas acabou por entrar num beco sem saída ou, pelo menos, num caminho bastante sinuoso e sem fim à vista.
Havia vida. (…) Mas também havia morte
Não imaginava que teria de regressar a Nova Iorque uma semana depois. Muito menos pelos motivos em causa. (…) No dia seguinte estava de partida. No mesmo dia em que viajava também a família de Carlos Castro. (…) Entrei no quarto, pousei toda a bagagem e fiz o habitual: ver a vista. (…) À minha frente estava Times Square, e milhares de néons que faziam jus ao epíteto de cidade que nunca dorme. Ali havia vida a qualquer hora. Mas também havia morte. Um dos néons era especial. Entre tons de dourado e algumas letras dotadas de um certo requinte lia-se Intercontinental. Contei os andares até chegar ao 34.º e não consegui alhear-me do facto de que tinha sido ali que algumas noites antes Carlos Castro tinha sido morto.
Conseguiu ordem para visitar o filho
A angústia de uma mãe que subitamente tinha o filho encarcerado numa cela será indescritível (…) Conseguiu finalmente ordem para visitar o filho na ala prisional do Hospital Bellevue (…) Quem vai visitar um detido naquelas instalações tem que se despojar de tudo o que leva consigo. Nem uma simples folha de papel pode levar.
Recusada a libertação sob fiança
Cláudio Montez saiu da limusina, que parou mesmo no centro de Times Square, e levou a urna com as cinzas de Castro, sempre acompanhado pelas irmãs do cronista (…) e distribuíram parte das cinzas naquela grelha do metro. (…) No que dizia respeito ao lado de Carlos Castro a tarefa estava cumprida. O cronista português morreu na cidade que amava (…).
O jovem ia continuar em prisão preventiva
A sala onde Renato seria ouvido ficava num dos edifícios do Tribunal Criminal de Manhattan (…) Vestia a farda hospitalar, em tons de azul claro, esbatido. Manteve-se quase sempre de cabeça baixa, exceto quando o juiz decretou que não poderiam ser captadas imagens, a pedido do advogado de defesa. (…)Cinquenta e quatro segundos foi quanto durou o momento por que esperámos horas. Tempo suficiente para que fosse recusada a libertação do detido sob fiança e marcada uma nova audiência para daí a 17 dias (…) O jovem ia continuar em prisão preventiva no Bellevue Hospital, até que tivesse alta, devendo nessa altura ser transferido para a prisão de alta segurança de Rikers Island, uma das mais perigosas de todo o mundo.
Um único suspeito e uma confissão
Depois de muita ponderação, no dia 3 de Junho, o advogado respondeu finalmente ao juiz que afirmara em tribunal começar a ficar impaciente com o constante adiamento da decisão por parte de Touger. A notificação que, neste dia, entregou ao juiz confirmava que iria então alegar ‘falta de responsabilidade criminal devido a doença mental’ (…) Esta afigurava-se desde cedo como a hipótese mais viável, se não a única, a ser seguida pela defesa do jovem. Os factos diziam isso mesmo. Afinal, havia um crime, um único suspeito e uma confissão. Não existem testemunhas. O que pode jogar a favor do rapaz, que é o único que resta para contar o que realmente se passou.
Renato continuará em Rikers Island
(…) Todo o dinheiro que Renato e a sua família conseguem reunir vai para a sua defesa, que neste momento é a única prioridade. O rapaz continuará, por isso, e pelo menos para já, em Rikers Island.(…) Caso seja condenado, Renato Seabra pode ainda ser transferido para uma das piores unidades de Rikers: a CPSU – Central Punitive Segregation Units. Uma verdadeira prisão dentro da prisão, onde estão detidos os presos mais perigosos ou que cometeram os crimes mais violentos. Este último é o caso de Seabra.