Exorcizar a dor e encerrar um capítulo. Foram estes os dois motivos que a levaram a aceitar o desafio de passar para papel as suas dores, angústias, momentos de felicidade e provações que passou durante os anos que esteve casada com o ex-apresentador de televisão. Depois da pré-publicação na CARAS, o livro Sozinha deverá chegar em breve aos escaparates das livrarias.
Escrever este livro partiu da necessidade de partilhar o que viveu durante os últimos anos?
Há vários anos que os meus amigos, inclusive o meu querido Fialho Gouveia, vinham dizendo que tinha que escrever um livro relatando a experiência que estava a viver. A verdade é que nunca me senti capaz de o fazer antes. Sentia que me seria muito difícil reviver, recordar e passar para o papel situações, sentimentos e angústias tão traumatizantes como aquelas por que passei nos últimos anos. Desde que me divorciei percebi que este ciclo da minha vida, o mais complicado por que passei até hoje, só poderia ficar resolvido se exteriorizasse as minhas emoções, relatando o que de mau e bom aconteceu durante todo este tempo. Acreditei que uma experiência desta natureza poderia ter um efeito de catarse em mim, uma espécie de terapia. A Livros d’Hoje (Dom Quixote/Leya) deu o primeiro passo ao lançar-me este desafio, e eu acabei por aceitar o repto depois de me explicarem exatamente o que pretendiam. Não era a Casa Pia que, do seu ponto de vista, interessava ao público, mas sim a minha história de vida, que, apesar de curta em termos de duração, pode ser considerada muito longa se medirmos tudo aquilo por que já passei. Interessava-lhes saber quem eu era realmente, de onde vinha a minha força, e para tal era necessário começarmos pelo início, pela infância, pela minha adolescência, para que as pessoas pudessem descobrir-me, sabendo de onde venho, conhecendo os valores com que fui educada, o ambiente onde me formei enquanto pessoa, ficando a par dos meus sonhos e anseios… Há uma ponte que separa a Raquel de hoje da Raquel que eu era quando conheci o Carlos. Por razões óbvias, por tudo aquilo que passei ao longo dos últimos anos: momentos maravilhosos e de sonho com o homem que amava e o pior dos pesadelos quando o nosso sonho ruiu e nos vi ser arrastados num processo sem fim. Eu tinha apenas 28 anos quando o Carlos foi acusado no processo Casa Pia. Era muito jovem. Tinha muitos sonhos para o futuro. Imaginava uma vida cor-de-rosa à minha espera e não tudo o que se seguiu. Por tudo isto, não é possível eu ser a mesma menina ingénua e sonhadora que era naquele tempo, mas continuo a acreditar que o mundo pode ser justo e que a felicidade está sempre à nossa espera, aguardando o melhor momento para reaparecer, mesmo quando à nossa volta tudo parece mau e sem sentido, mesmo quando nos sentimos envolvidos por uma nuvem escura e só temos vontade de desaparecer. O que mais me entusiasmou no desafio de fazer este livro, foi a ideia de poder passar a outras pessoas que se encontram em sofrimento ou numa situação difícil na vida, seja ela da ordem que for, que é possível sair desse momento mau; que tudo acaba por ter uma solução; que tudo acaba por passar se tivermos força e coragem para enfrentar os nossos medos e as situações negativas com que somos confrontadas. Se nunca deixarmos de acreditar que é possível recuperar a nossa vida. Seduziu-me o facto de poder passar às pessoas a ideia de que o mundo não acaba porque tudo parece correr mal; a ideia de que ainda podemos voltar a ser felizes. Sei que pode parecer um cliché isto que digo, mas só quem passou por situações tão más pode ser saber como pode ser fácil perdermos a esperança e desistirmos face às adversidades. A mensagem que quero deixar é a oposta: é a de que nunca se pode desistir, nunca se pode baixar os braços, nunca podemos abdicar de ser felizes!
Falou com o Carlos antes de publicar este livro?
Falei, claro. Mantemos uma boa relação. Pedi-lhe ajuda para recordar alguns episódios do nosso passado que seriam importantes para a construção do livro. Necessitei também de lhe pedir alguma documentação. Para além disso, como decidi incluir no livro algumas fotografias onde o Carlos aparece, e também alguns dos poemas de amor que ele me dirigia, era imperativo pedir-lhe autorização para publicar tudo isto.
Receia as opiniões das outras pessoas?
Não propriamente. Sabe que desde 2002 que venho recebendo inúmeros e-mails, cartas e mensagens através do Facebook, de pessoas a darem-me apoio, sendo solidárias, perguntando-me como era capaz de suportar aquele pesadelo. Acho que foram todas estas pessoas que me ajudaram a ganhar coragem para falar sobre as situações que mais me chocaram ao longo dos últimos anos, desde os amigos que nos desiludiram, aos jornalistas que nos prejudicaram deliberadamente, às situações traumatizantes por que fui obrigada a passar, bem como tudo aquilo que a minha filha Mariana foi forçada a viver a partir do momento em que entrou para a escola. As crianças podem ser muito cruéis… A verdade é que este é um relato muito sincero, sentido e claro da minha história, com um especial enfoque no contraste entre a vida de “sonho” que levava antes do processo Casa Pia, e o pesadelo em que mergulhei a partir de 2002. Não quis deixar de lado a forma que encontrei, no meio do caos, para dar a volta por cima, dando-me a oportunidade de me sentir viva e feliz de novo. Hoje em dia, sinto-me confiante com o futuro e isso dá-me imensa tranquilidade.
O livro trará informações novas para o processo ou baseia-se somente na sua dor e vivência?
Não. O livro não trará informações novas importantes para o processo.Essa é uma área que a mim não me diz respeito. O livro foca-se essencialmente na minha vivência e na da Mariana, a minha filha, depois de involuntariamente termos sido arrastadas para o epicentro de um processo que mexeu com a sensibilidade de toda a gente neste país e que gerou muitas dúvidas e desconfiança à nossa volta, inclusive pelo facto de ter continuado ao lado do Carlos durante oito anos depois de ter rebentado o escândalo. As pessoas ainda hoje não percebem a razão que me levou a continuar com ele durante tanto tempo.
Terá este livro sido também uma forma de exorcizar a sua dor e encerrar um capítulo?
Exatamente. Fi-lo com essa intenção, mas também para responder a todas aquelas pessoas que diziam ver-me como uma referência de força, de luta e coragem. Ao longo do tempo, foram muitas as mulheres e os homens que se aproximaram de mim desabafando sobre os momentos difíceis que viviam, fossem derivados de doenças, injustiças, problemas económicos ou ainda problemas conjugais, procurando apoio e uma resposta à pergunta: “Como é que aguenta?” Por elas senti que seria importante dar o meu testemunho e demonstrar-lhes que todos temos problemas, uns mais graves que outros, mas que o que realmente importa é a forma como lidamos com eles e deixamos que sobressaiam em relação às coisas boas que a vida nos dá, os amigos, a família, os pequenos prazeres…
Tem receio que, daqui a uns anos, a Mariana leia este livro e não entenda a necessidade que sentiu de o escrever?
A Mariana tem orgulho na mãe que tem. Pela forma como nos abordam na rua, o que acontece desde 2002, cedo percebeu que as pessoas têm curiosidade em conhecer-nos por causa daquilo por que passámos. Por isso sabe que é importante transmitirmos as nossas experiências se elas puderem ajudar alguém. Eu acredito que este livro pode dar força a muitas pessoas que, tal como eu, foram apanhadas pelo destino de uma forma terrível. Pessoas que continuam a pensar não haver uma saída possível para os problemas. Ela existe, só temos de acreditar nisso. Se através do meu testemunho puder fazer bem a alguém, então, de algum modo, tudo aquilo por que passei, acabou por valer a pena.
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