Dona de uma personalidade cativante, Dalila Carmo, de 37 anos, nunca se preocupou com o que os outros poderiam achar de si e sempre viveu a vida à sua maneira, com seriedade, muito trabalho e uma necessidade constante de estar consigo própria e com as pessoas que lhe são próximas. A viver entre Madrid e Lisboa, por amor ao marido, Vasco Machado, a atriz vive uma das melhores fases da sua vida, com a interpretação da poetisa Florbela Espanca, no filme Florbela, de Vicente Alves do Ó.
Discreta como sempre em relação à sua vida amorosa, a atriz conversou com a CARAS sobre a forma como tem vivido estes últimos dois anos entre Lisboa e a capital espanhola.
– Interpretar a poetisa Florbela Espanca deve ser um desafio exigente…
Dalila Carmo – Acima de tudo, foi uma experiência muito intensa de vida, a todos os níveis. Pelo projeto em si, pela mulher que ela foi, por todas as pessoas envolvidas no filme… Foi um projeto para o qual me preparei muito tempo e que fui amadurecendo. Esta personagem tinha tudo, desde a personalidade à vida dela… Tenho dito que tem sido o papel da minha vida, mas espero que não seja o último, pois existem não sei quantas mulheres extraordinárias para eu poder representar. Foi provavelmente a minha experiência mais compensadora. Ganhei uma amiga e vou ficar ligada a este projeto para sempre.
– Quando ia para casa tinha facilidade em deixar a personagem no plateau?
– Ia tão cansada que já só queria dormir, não existia espaço para mais nada. Foram sete semanas em que não houve espaço para outra coisa que não fosse a rodagem e eu própria queria trabalhar nas folgas. Não conseguia desligar e queria continuar a trabalhar. Era uma coisa um pouco aditiva e se calhar até desequilibrada.
– Foi realmente esgotante?
– Sim, foi física e emocionalmente esgotante. Todos os trabalhos o são e eu, feliz ou infelizmente, ainda não percebi, não consigo trabalhar e viver de outra forma e só por isso é que também tenho de dosear as coisas onde apareço e a forma como me exponho, pois as coisas têm efeitos muito extremos em mim.
– É assim em tudo na vida?
– Sou assim em tudo, mas tenho aprendido a dosear as coisas. Gosto de me resguardar na minha vida pessoal e tento contrariar alguns impulsos mais extremos. De uma forma geral, tento ter disciplina na forma como vivo o dia-a-dia e há hábitos de vida fundamentais para conseguir controlar essa intensidade, como ter horários, dormir e comer, não abusar de uma certa exposição… São coisas com as quais não lido muito bem. Para poder estar inteira nos meus trabalhos e relacionamentos pessoais, tenho de prescindir de uma série de coisas que só causam desgaste mas não são enriquecedoras a nível pessoal.
– É percetível, pelo menos a nível profissional, que escolhe muito bem tudo o que faz…
– Sim… Gosto de dialogar, de pensar e estar preparada para entrar num projeto. Não tenho estrutura de máquina. Até certo ponto, considero-me um ‘todo-o-terreno’, consigo dar muito e tenho flexibilidade para chegar a certas zonas em pouco tempo, mas por uma questão de saúde mental e física, não posso não existir e trabalhar não existindo. É fundamental termos direito a essa nossa intimidade e espaço, pois é aí que vamos arranjar compensações para o resto. Eu não me compenso no resto, embora haja pessoas que o façam. Há pessoas que não se importam de não ter folgas e de sair das gravações para o teatro e do teatro para uma presença… Fazem tudo e arranjam compensações no próprio trabalho e no protagonismo. Eu não pertenço a esse grupo. Encontro-me no escurinho e no silêncio.
– Foi a maturidade que lhe trouxe essa forma de viver?
– Sempre fui assim, só que no começo as pessoas interpretavam mal e agora já me percebem melhor. No início interpretavam como arrogância da minha parte, pois se eu fosse exibicionista, vaidosa, estivesse sempre a aparecer e fizesse um sorriso amarelo, as pessoas diziam que eu era muito querida. Como não tenho pachorra para muita coisa, achavam que eu me estava a armar e era inacessível. É uma forma de estar.
– Como lida com a instabilidade económica inerente à sua profissão?
– Já faz parte. Tive o contrato com a TVI, que vai acabar e não vamos renovar por várias razões. Com esta vida entre Lisboa e Madrid, não lhes consigo dar determinadas garantias… É óbvio que a precariedade com que vivemos é um pouco difícil de gerir, mas acho que temos de ter consciência quando escolhemos este caminho e acho que esta profissão sem a vertigem e o abismo também não faz muito sentido.
– A sua carreira em Portugal está a seguir um novo caminho. Alguma vez se arrependeu de que o coração a tivesse levado para Madrid?
– Claro que não. Obviamente tenho prescindido de muitos trabalhos que gostava de fazer, mas são prioridades que se têm na vida. Foi uma decisão muito ponderada e a carreira não é tudo. Não consigo viver só para fora, tenho de ter o meu espaço interior. Embora odeie esta itinerância e esteja um pouco farta deste vaivém, também preciso depois deste lado de cá. Quando estou lá, vivo muito mais desajustada e tenho de tentar conciliar a vida pessoal e o trabalho, e não é fácil acertar o passo entre os dois.
– Esse desajustamento tem a ver com o facto de lá viver mais o papel de mulher e menos o de atriz?
– Nem tanto. Não vou aprofundar as questões da minha vida pessoal, mas nem sequer invisto muito nesse meu lado mais doméstico, pois recuso-me a ver-me com essa função. E, de uma forma geral, a mulher é também alguma coisa à qual eu estaria avessa e acho que não tenho muito talento para tal.
– A sua ideia é continuar neste ritmo de viagens?
– Para já, quero conciliar e até me sabe bem quando venho cá. Sinto falta de estar lá e fazemos sempre uma gestão do tempo à nossa maneira.
– Essa decisão não foi uma prova de amor para com o Vasco?
– Acho que há ações que não se podem promover. Há coisas que não se partilham, pertencem-nos. Partilho o meu trabalho com as pessoas e posso até contar histórias da minha vida, mas os meus planos no presente, a curto e médio prazo, não posso partilhar assim.
– Essa é uma forma de se proteger?
– Para mim, não existe outra maneira. Penso que quando uma pessoa se expõe de uma determinada forma é porque se sente muito sozinha na intimidade. Quando te proteges estás a proteger todos de quem gostas em teu redor. As pessoas de quem eu gosto não querem aparecer, nem falar, não gostam que se fale sobre elas e eu tenho de respeitar isso.
– A maternidade faz parte dos planos?
– Claro que sim. São instintos que se desenvolvem.
Dalila Carmo: “Quando alguém se expõe é porque se sente muito sozinho na intimidade”
A morar em Madrid, onde trabalha o marido, Vasco Machado, a atriz vive uma fase profissional recheada de desafios. Um dos mais recentes foi dar vida a Florbela Espanca no filme homónimo.
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