José Pedro Gomes tem 60 anos e representa há mais de três décadas. É na comédia que tem construído uma carreira de sucesso e é sem falsas modéstias que assume o seu contributo para o reencontro do público com o teatro. A encenar a peça As Mulheres não Percebem, o ator garante que na vida de todos os dias a mulher, Cláudia Belchior, o ‘percebe’ muito bem e que tem um casamento feliz há 18 anos, do qual nasceu André, de 17 anos, que se veio juntar a Marta, de 38, fruto de uma anterior relação.
Foi durante uma conversa franca, com várias gargalhadas à mistura, que o ator e encenador revelou um pouco mais sobre si próprio.
– Como é que tem sido dirigir Aldo Lima, Rui Unas e André Nunes na peça As Mulheres não Percebem?
José Pedro Gomes – Tem sido ótimo. O que tenho estado a fazer é apenas passar-lhes um bocadinho da minha experiência. Há muitas peças de mulheres a falar sobre os homens, mas não há muitos textos em que os homens falem de si próprios. E faltava isso no teatro português. Tivemos um encontro com os autores, trocámos umas ideias e depois eles aparecem com um texto muito engraçado que aborda de forma muito verdadeira o mundo masculino.
– Encenar esta peça acabou também por ser uma experiência reveladora para si? Passou a conhecer-se melhor?
– Não, mas confirmei coisas que já sabia. Nem estamos à espera que as pessoas vejam o espetáculo para aprenderem alguma coisa. É mais para se divertirem. Mas tem sido interessante porque, para pormos a peça de pé, temos discutido entre nós estas coisas de homens. Confirma-se que uma grande parte dos pensamentos tem a ver com isso, mas não são todos! Depois, reconhece-se que há homens que têm dificuldade em falar sobre os seus sentimentos, porque, de alguma maneira, sentem que estão a expor as suas fragilidades.
– O segredo é vermo-nos muito pouco. Se eu e a minha mulher trabalhássemos juntos acredito que seria muito difícil. Há casais que fazem isso, mas acho que ficam sem espaço para respirar. Claro que o fundamental é haver amor e entre nós também há muito respeito, carinho e amizade.
– O público conhece o lado cómico do José Pedro. Em casa, com os seus filhos, também é o pai brincalhão que não leva as coisas muito a sério?
– Nem sempre. Contudo, agora sinto alguma dificuldade em ser um pai disciplinador, porque tenho um filho de 17 anos com um metro e 80. E nesta idade tem a ideia de que sabe tudo e é complicado fazer-lhe ver que isso não é verdade. A minha mulher é mais disciplinadora e melhor educadora do que eu.
– Estreou-se em 1976. Qual é o balanço que faz destas três décadas e meia em palco?
– Muito positivo. Faço o que gosto, consigo viver disso e não me posso queixar. Se calhar gostaria de fazer outro tipo de coisas que não comédia, mas é complicado, porque sei que teria muito menos público.
– Sente que já foi catalogado como ator de comédia?
– Sim, mas isso não me incomoda, tenho é pena de não ter possibilidade de fazer outro tipo de papéis. Não sou só um ator de comédia, sou ator.
– E há alguma peça que gostasse de fazer?
– Gostava muito de fazer um espetáculo de Shakespeare ou de Tchekhov. E estou à espera. Há muitos anos participei numa peça de Tchekhov e fiquei com esse gostinho. E depois gostava de fazer Shakespeare como vi feito pelos ingleses, que são peças acessíveis em que as pessoas se riem muito e não têm um prazer meramente intelectual.
– Costuma esperar que os seus sonhos se realizem ou vai à luta por aquilo que quer?
– Não desisto daquilo que quero, mas sonho baixinho, para não me desiludir com essa falta de concretização.
– Hoje há muitos mais atores a fazer comédia. Sente-se ameaçado por esta nova geração de humoristas ou acha que o seu lugar está conquistado?
– Sinto que há espaço para todos. Há uma competitividade saudável. Também há tricas, mas isso não fica para a história. Continuo a trabalhar e muitas vezes com pessoas mais novas do que eu, o que prova que ainda não estou fora de prazo. Ainda tenho muito para dar e para aprender.
– Sente que já deu um contributo relevante para a comédia em Portugal?
– Acho que contribuí para que houvesse um reencontro do público com o teatro, que estavam muito afastados. Não tive nenhuma ideia extraordinária, mas tive a vontade de chegar a um público cada vez mais vasto.
– Neste contributo que tem dado à comédia, teve um parceiro à altura, que foi António Feio. Sente que o público ainda não se esqueceu dele?
– Eu não o esqueço e há muita gente que também não. Quando vou na rua, as pessoas ainda me abordam para dizer que têm muita pena que ele tenha morrido. Eu estou constantemente a recordá-lo. Ainda nesta encenação recordei algumas coisas que eu e ele costumávamos fazer. Nos próximos anos o público não o esquecerá, porque o António foi uma pessoa muito importante para o teatro.