Numa conversa
descontraída e franca, Maria Rueff abre um pouco do seu universo mais
privado e fala da filha, Laura, de nove anos – fruto da relação que teve
com o também ator José Pedro Vasconcelos –, e do seu papel de mãe,
explica porque é tão reservada no que toca às relações amorosas e mostra o seu
orgulho pelo Globo de Ouro que recebeu em maio último na categoria de Melhor
Atriz de Teatro.
– Esta é uma Maria diferente daquela a que estamos habituados, toda
maquilhada e produzida, que anda de saltos altos…
Maria Rueff – Esta Maria só surge em algumas ocasiões e com mais
frequência desde que tive o privilégio de o Dino Alves entrar na minha
vida. Ele conseguiu melhorar ou ajudar a tirar partido daquilo que eu possa
ter, não necessariamente bonito, mas interessante. É responsável por eu ter
ganho alguma autoestima como mulher, pois não tinha muita. O meu corpo foi
sempre tão neutro para servir tantas personagens que nunca me mimei muito como
mulher. Tenho de agradecer-lhe a ele e à minha filha. É engraçado, parece que o
destino nos oferece uns filhos que são o nosso oposto quase para nos ensinar. A
minha filha é linda, muito bem-feitinha e, não sendo pirosa, tem um sentido
estético muito bom. Ela própria me diz: “Ó mãe, não vás assim, pareces uma
velha, veste antes aquele vestido.” Tenho ali, de facto, uma grande
companheira.
– Nunca aparece com a Laura…
– Não, porque nunca expus, nem gosto de expor, o meu jardim privado. Reli no
outro dia uma entrevista do Eduardo Lourenço em que dizia qualquer coisa
como: as pessoas querem os seus cinco minutos de fama a custo de tudo, vendem
os filhos, as barrigas, as vidas… E acho que isso um dia há de ter um preço
dramático. Portanto, protejo a Laura, nunca a mostrei, mas também não a
escondo… vou com ela a teatros, exposições, com normalidade, sem ser para a
mostrar.
– E ela não se importa? Podia querer aparecer ao lado da mãe…
– Tive a sorte de ter uma filha inteligente e sensível. Obviamente que não é
fácil perceber imediatamente porque é que a mãe não quer tirar fotografias ao
lado dela, à partida parece que não gosta dela. Mas o que lhe expliquei foi: “É
exatamente por a mãe gostar tanto de ti que te quer proteger desta feira de
vaidades.” E ela entendeu. Agora é ela própria que não quer ir ou aparecer…
A Laura, também pelos pais que tem, que são os dois figuras públicas, tem uma
grande perceção disto tudo… e do espaço que nós precisamos de ter. Até porque
houve uma coisa que eu sempre lhe disse: “A mãe ama o que faz e ama-te a ti
tal como ama o que faz. E para estar bem contigo tem que ser feliz a fazer o
que faz.” E ela percebe.
– Não deve ser fácil ter dois pais figuras públicas…
– Não é nada fácil [risos]. Avalio que deva ser muito pesado carregar os
apelidos de pessoas conhecidas. Por isso estou sempre a fomentar que ela
procure a sua própria estrelinha. Ela é uma acrobata incrível, fico tão
orgulhosa dela e digo-lhe sempre que era incapaz de fazer o que ela faz, visto
que sou uma pata choca. Portanto, estou sempre a valorizar o que ela tem e eu
não tenho para ela se sentir especial e única, que é o que ela é. Tive a sorte
de ter uma mãe leoa, que sempre me incentivou a seguir os meus sonhos. E é isso
que faço com a Laura, por isso ela há de ser o que quiser ser. E eu vou
ajudá-la sempre, como mãe e não como Maria Rueff.
– Também é uma mãe leoa como a sua mãe era?
– Nunca lhe chegarei aos calcanhares, já há poucas mulheres com aquela fibra.
Passou por coisas dificílimas, como a descolonização, ter seis filhos,
recomeçar do nada aos 40… portanto, havia uma fibra, uma sabedoria, uma
elegância, uma alegria de viver que já não se veem. O meu objetivo de vida,
enquanto mãe e mulher, é ser um bocadinho, 20 por cento, pelo menos, do que ela
foi, isso já me faria feliz.
– Como tem conseguido conciliar o seu papel de ‘mãe solteira’ com o lado workaholic
que parece ter?
– Eu amo o que faço. Quase sinto que me pagam para me divertir e ser feliz. Mas
sou obsessiva no que faço e sou profundamente perfeccionista. Sou a pior
inimiga de mim própria, não me perdoo uma falha, sou muito cruel comigo. Juntar
isto à educação de uma criança minha filha e do Zé Pedro (imagine-se, é uma
bomba de energia, tem uma personalidade fortíssima!) às vezes não é fácil! Mas
sou uma privilegiada, porque tenho uma filha com saúde, inteligente, forte, e
trabalho na coisa que mais amo. E não sou mãe solteira, estou separada. Mas o
Zé Pedro tem uma vida tão complicada, com horários tão dispersos quanto os
meus, e também tem a sua família… O que é engraçado nas novas famílias é que eu
quase conto mais com a mulher do Zé Pedro – e somos amicíssimas – do que com
ele.
– Conseguiram criar uma boa relação depois da separação…
– Sim. É das coisas de que mais me orgulho, ter resolvido os meus afetos.
– Depois do fim da relação com o Bruno Nogueira não lhe conhecemos mais
nenhum namorado. Está solteira?
– Não me importo nada de falar sobre isso. Estou… Calhou os meus últimos
companheiros serem figuras públicas e as relações terem-se tornado também elas
públicas, porque não tenho nada a esconder. Mas expor as minhas relações nessa
altura só me afetava a mim, e neste momento há uma criança que eu respeito
imenso. Portanto, pela Laura, não quero falar do meu coração. Não estou fechada
ao amor nem nada disso, mas a Laura está em primeiro lugar em relação a tudo, e
é por isso que não abro mais as páginas da minha vida.
– Como foi ganhar o Globo de Ouro para Melhor Atriz de Teatro com uma
comédia, Lar Doce Lar, também nomeada para Melhor Peça?
– Um grande orgulho! Foi a primeira vez que uma muito orgulhosa atriz
comediante ganhou o Globo. Formei-me para ser atriz. No segundo ano do
conservatório quiseram chumbar-me, disseram-me: “Vá lá para o Parque Mayer,
porque está a tirar lugar às atrizes.” Isto em 1992, o país ainda tinha um
grande preconceito em relação à comédia. Passados 20 anos, a cabeça dos
portugueses mudou, está muito aberta ao humor, e isso comove-me. Em relação a
esta peça, foi quase um presente do universo. Tanto eu como o Joaquim
Monchique temos um profundo amor e um respeito pelos mais velhos. Eu fui
filha tardia de uma senhora já de idade, o Monchique foi muito mimado e criado
pela avó, portanto é quase como se as homenageássemos. E quando quisemos
brincar com o universo onde todos chegaremos, quisemos que as pessoas se
‘rissem com’ e não se ‘rissem de’. Mas acaba por ser também uma lição de vida,
onde as pessoas reveem as tias, as mães, as avós… É muito divertido, para nós
não há cansaço, parece que estreámos ontem. A peça faz bem ao público e a nós
também.
Maria Rueff: “Sou obsessiva naquilo que faço e não me perdoo uma falha”
Maria diz que o seu corpo sempre foi tão neutro para servir às personagens que nunca se mimou como mulher. Hoje, aos 41 anos, por influência da filha, Laura, de nove anos, diz que isso mudou um pouco.
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