Genuína. Generosa.
Emotiva. Sonhadora, mas de pés bem assentes na terra. Assim é Gisela João,
a fadista de Barcelos que tem vindo a conquistar os portugueses com o seu
primeiro álbum, homónimo, e que foi considerado Disco do Ano pelo jornal Público
e pela revista Blitz.
Aos 30 anos, a cantora vive um momento de ascensão, mas diz que não se deixa
deslumbrar pelos holofotes. “Não, não tenho tempo. Depois de um concerto
tenho uma vida normal”, afirma à CARAS, revelando o seu lado pragmático.
Mas são as emoções que lhe comandam a vida, como conta nesta entrevista.
– Como foi a sua infância?
Gisela João – Cresci em Barcelos, com seis irmãos mais novos e quando
era miúda brincava e tomava conta deles porque a minha mãe trabalhava longe e o
meu pai era emigrante. Cresci numa casa muito barulhenta, com muita gente e
muitas gargalhadas.
– Como é que o fado entrou na sua vida?
– Um dia, por volta dos meus oito anos, ouvi na rádio a Amália a cantar Que
Deus me Perdoe e parecia que aquela música estava a falar de mim. Como irmã
mais velha eu tinha de estar bem, dar o exemplo e sentia que não podia fazer
birras porque começavam todos a fazer birras. Eu fingia que estava tudo bem,
mas quando cantava podia mostrar as minhas emoções. E é o que sinto ainda hoje,
é quase um alívio quando canto, deixo sair cá para fora tudo o que não posso
dizer.
– Sempre sonhou ser cantora?
– Não, nunca! Eu vestia-me de Amália e cantava nas festas da escola, mas nunca
pensei que fosse possível. Desde pequena que acho que quando fazemos uma coisa
devemos fazê-la bem e a sério. Via o facto de cantar mais como um hobby
e uma maneira de ganhar dinheiro extra e não via o que eu podia ter a mais do
que tantas outras pessoas que cantam bem o fado. Mesmo quando me convidaram
para vir cantar para Lisboa, em 2010, eu não sabia muito bem o que ia
acontecer, por isso decidi arranjar um part-time para ajudar a pagar as
despesas!
– É cautelosa com o dinheiro?
– Sim, cada vez mais. Adoro Portugal, mas é muito difícil ser-se artista cá. É
tudo muito bonito, mas a parte dos holofotes e das palmas é muito fugaz. Por
isso, é preciso pensar na parte prática da vida, nomeadamente no dinheiro. As
pessoas pensam que por aparecer nas revistas estou cheia de dinheiro. Longe
disso! Posso ter um concerto hoje e ficar meses sem ter um grande concerto, o
que significa meses sem entrar dinheiro! Claro que tenho de ser cautelosa, acho
que temos de ser todos. Além disso, gosto de pensar no meu futuro, em
constituir uma família e ter condições para isso.
– Esse lado responsável vem da infância exigente?
– Sim, sem dúvida. E se não tivesse vivido o que vivi, não sentiria o fado como
sinto. Porque o fado é muito forte, é intenso, tanto na alegria como na
tristeza. A vida é assim. Mas eu não sou uma coitadinha por ter ajudado a tomar
conta dos meus irmãos, pelo contrário, graças ao que vivi é que sou o que sou
hoje.
– Falou nos holofotes e nas palmas: calculo que essa parte também seja
gratificante…
– Sim, claro, fico muito feliz por ter salas esgotadas e pelas críticas
positivas que tenho recebido! Nas alturas mais difíceis vou buscar forças aí e
penso que realmente vale a pena trabalhar e lutar. Fico muito contente, pois
nunca pensei que isso fosse possível, mas também não posso esquecer o meu
dia-a-dia, pois não é isso que me põe comida na mesa. Tenho muito medo da
ilusão.
– Não se deixa deslumbrar?
– Não posso, não tenho tempo para isso, depois dos concertos tenho uma vida
normal.
– Como sente o fado?
– É algo tão forte que temos mesmo, mesmo, de nos entregar ao que estamos a
fazer. E o fado, no fundo, é a vida.
– É de emoções fáceis?
– Muito! Choro com um anúncio de televisão. Mas também fico verdadeiramente
feliz com coisas simples, quando um bolo me sai bem, por exemplo. Ou quando
algo de bom acontece aos meus amigos. Acho até que vibro mais com a alegria dos
outros do que com a minha.
– Parece ser muito genuína…
– Eu não tenho de criar algo que não sou para agradar aos outros. As pessoas
têm de gostar de nós pelo que somos e têm de gostar de mim pelo que faço. O meu
trabalho é cantar e fazer as pessoas sentirem emoções, pô-las a ouvir música, é
por isso que quero ser conhecida.
– Que ambições tem?
– Quero ter filhos, ser avó, ter uma casa confortável, com um jardim. Quero
conseguir manter os meus amigos, o que às vezes é difícil. Ter trabalho e ter
condições para trabalhar.
– O que lhe dá mais prazer quando está em palco?
– Olhar para as pessoas e observar o que estão a sentir quando canto. É algo
indescritível e sem preço. A cultura é tão importante para o ser humano como a
água. São essas coisas que nos dão força e é a elas que vamos buscar energia
para viver. Mas para isso, nós, artistas, temos de ter condições para trabalhar
e neste momento não temos.
– Falou em ter filhos. Gostava de ser mãe em breve?
– Ainda não. Só agora é que me sinto realizada profissionalmente e tenho de
viver isso e aproveitar este momento.
– Temos falado de emoções. Como vive o amor?
– De forma muito romântica. Sou daquelas pessoas que acreditam que é possível
um casal ser feliz para sempre. Claro que isso engloba discussões, muitas
cedências… Mas é isso que quero para mim. Acho que o amor é a grande gasolina
da nossa vida. E não é só a relação amorosa e sexual, mas também a amizade.
Tudo o que faço na minha vida tem como base o amor. Eu não consigo ter apenas
relações profissionais, por exemplo, fico amiga das pessoas com quem trabalho.
As pessoas têm de tentar entender os outros e, para isso, têm de se preocupar
com elas e conhecê-las. É importante pensarmos nos outros e isso vem do amor.
– Com o que mais sonha?
– Agora vou fazer um discurso de Miss, mas gosto mesmo de sonhar que as pessoas
se ajudam mais umas às outras. E de me imaginar a fazer bolos na cozinha
rodeada de filhos, ou na praia com as minhas amigas e as crianças todas. Adoro!
Com salas cheias, claro. E que um dia vou deixar uma fundação com o meu nome.
Mas isso é mais do que um sonho, é algo que sei que vou realizar. Ter uma
fundação de ajuda a crianças vulneráveis, para estimulá-las para as artes e
para elas perceberem que podem sonhar e querer mais.
Gisela João, a nova voz do fado
A fadista, de 30 anos, diz que sente necessidade de cantar o fado e confessa que se emociona facilmente. Na sua vida, as pessoas são o mais importante e o amor ‘a grande gasolina’.