A propósito do seu mais
recente álbum de originais, Contramão, encontrámo-nos com Pedro
Abrunhosa em plena Rua de Santa Catarina, na Baixa do Porto, e rapidamente
percebemos que o músico é um homem de história que respeita o passado, mas vive
o presente com os olhos postos no futuro. Diz que não gosta de fazer balanços,
e que os 20 anos de carreira a solo podem ser contados pela sua música. É,
aliás, às suas canções que recorre para lembrar as diferentes fases da sua
vida.
Hoje, com 53 anos, tem nos filhos, Hugo, de 20 anos, e Paulo, de
cinco, o seu maior orgulho. Mas esse é o seu lado privado, o que gosta de
preservar. Não gosta de ser famoso. Se pudesse escolher, Pedro Abrunhosa seria
só músico.
– Escolheu o Grande Hotel do Porto para termos esta conversa porque existe
uma ligação afetiva com este local. Qual?
Pedro Abrunhosa – Este hotel foi fundado pelo meu trisavô, Daniel
Martins Moura Guimarães. Era uma personagem fascinante, com uma forte
ligação ao mercado da arte. Viveu em Paris e no Brasil antes de voltar ao
Porto. Quando cá chegou, fundou este hotel, onde privou com membros da família
real. Na altura a cidade não tinha hotéis de luxo, ele foi um grande
impulsionador da Baixa do Porto. Eu cresci nestes corredores, passava aqui os
fins de semana, por isso tenho uma ligação profunda e afetiva com este espaço.
E embora já não pertença à minha família, sinto-me sempre em casa, porque sou
muito bem recebido aqui.
– “A tempestade há de passar” é o primeiro verso de Contramão,
o seu sétimo álbum de originais. Um disco em que reflete a atual situação do
país?
– No meu dicionário, contramão é uma palavra muito positiva. Apesar das
grandes dificuldades que vivemos, por demérito das muitas pessoas que nos
‘governaram’, é possível resistir se estivermos atentos. Nunca houve tanta
cidadania como hoje, as pessoas estão a intervir mais porque a política lhes
chegou a casa. Este “contramão” é mais no sentido de resistir de forma
atenta, cívica e cultural. A minha mensagem é positiva e construtiva: mesmo que
estejam todos a vir para cá, eu posso ir para lá. Aliás, o meu percurso é um
pouco espelho disto. Apesar de viver num país que nunca apostou na cultura,
consegui construir uma carreira a partir das minhas mãos sem nenhuma ajuda. E
consegui impor uma identidade artística e uma marca. Ou seja, vale sempre a
pena lutar pelos sonhos.
– A marca Pedro Abrunhosa existe há 20 anos, se contarmos a partir do Viagens,
que marcou a sua estreia em nome próprio. Em algum momento essa marca, que é o
seu nome, se tornou pesada demais?
– Eu escolhi ser músico, não escolhi ser famoso. Para preparar cada disco passo
dois anos de solidão no meu estúdio, e essa solidão só é interrompida quando
tenho espetáculos. Por acaso a minha música é reconhecida pelas pessoas, os
meus discos vendem-se e os concertos estão lotados. Mas eu nunca quis ser
famoso, sou realmente muito recatado e discreto. Gosto de viver rodeado do meu
mundo interior. Respondendo à tua pergunta: a fama é algo que me pesa, me
aborrece e me cansa. Não me aborrece que as pessoas venham ter comigo, porque
são todas muito generosas, abordam-me com muito afeto, mas a fama vem por
inerência à minha profissão, não foi algo que procurei nem que goste. A minha
vida pública é a música, mas a minha vida privada é privada mesmo. E uma não
entra na outra. Não levo para casa o trabalho… obviamente que não uso óculos
escuros em casa.
– Os óculos escuros são a sua imagem de marca. Foi com esta intenção que os
usou em palco pela primeira vez?
– Foi uma coisa muito natural que aconteceu há mais de 20 anos, precisamente
por causa da minha timidez. Quero que as pessoas olhem para a minha música e
não tanto para mim. E a verdade é que me sinto mais à vontade em palco com os
óculos. É certo que, com o tempo, se tornou imagem de marca, mas é apenas isso.
Fiquem descansados porque tenho uns olhos banais, não tenho nenhum problema. Na
minha carreira os óculos são apenas um acessório.
– Quando se estreou em nome próprio, há 20 anos, foi também pai pela
primeira vez. Há cinco anos voltou a ver nascer um filho. Há alguma diferença
entre ser pai então e agora?
– Nenhuma, é a mesma coisa. De tudo o que faço, ser pai é o que me dá mais
prazer. É nos meus filhos que coloco todo o capital da minha vida. Temos muita
cumplicidade, e por mais ocupado que esteja, a minha carreira nunca foi nem
será um obstáculo para estar com eles. Nem que tenha de voltar de propósito de
Nova Iorque para os ir buscar à escola. Foi assim em 1994, é assim agora.
Pedro Abrunhosa: “A fama pesa-me, aborrece-me e cansa-me”
Podia ter sido engenheiro químico, mas cedo percebeu que era na música que se sentia feliz. Aos 53 anos, garante que vale a pena lutar pelos sonhos.
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