Virgílio
Castelo fala-nos de amor.
No livro que recentemente lançou, fala de um amor louco, doentio. Nesta
entrevista, do seu amor, mais sereno, onde “só é amado quem ama”. O ator
também não acredita em contos de fadas e nas histórias que conta às filhas mais
novas, Violeta, de nove anos, e Sancha, de cinco, arranja sempre “um
novo pressuposto”. E ainda que seja um pai que conte histórias e com
paciência para brincar, assume: “Não sou um pai moderno, nem quero ser.”
– O que há de autobiográfico neste amor doentio sobre o qual escreve?
Virgílio Castelo – A única coisa que há realmente de autobiográfica é
uma conversa que cito, de um filme em que entrei. De resto, nada mais é
verdadeiramente autobiográfico. O romance arranca com uma cena tirada de uma notícia
que li há muitos anos num jornal francês: um casal que se suicidou chocando os
seus carros um contra o outro.
– Nunca viveu um amor mais louco, ciumento?
– Não. As minhas relações nunca foram suscetíveis de criar episódios excessivos
e só esses são matéria de romance.
– Mas já fez certamente algumas loucuras por amor, ou não?
– Loucuras por amor, eu? Não. Quer dizer, as que terei feito não são
propriamente loucuras. São coisas que fazemos quando estamos apaixonados, que
são divertidas. Há vinte e tal anos tive uma namorada que gostava imenso de
bolachas. Ela não vivia em Lisboa e um dia que veio passar o fim de semana
comigo, enchi-lhe a cama de bolachas. E isto não é uma loucura. A minha vida não
tem episódios transcendentes em termos amorosos para me poder inspirar.
– Escreveu este livro durante o seu processo de separação?
– Não, está acabado há mais de dois anos.
– Por vezes, as pessoas pegam na mágoa de certos momentos…
– Não, de todo. Tudo aquilo por que nós passamos pode acabar por se refletir no
que escrevemos, mas não é necessariamente autobiográfico.
– Depois de ter passado por algumas separações na sua vida, ainda acredita
no amor eterno? Ainda se questiona por que é que as pessoas não ficam juntas
para sempre?
– Há complicações nas relações porque aprendemos desde miúdos a lidar com o ego
e não com a alma. Acho que essa é que é a questão essencial. A nossa alma
pede-nos uma coisa e o nosso ego leva-nos para outra. E à medida que vou
envelhecendo percebo que o que menos interessa é o ego. E talvez essa
aprendizagem do amor só seja possível à medida que vamos aprendendo a alma. À
medida que me vou aproximando da minha alma, percebo melhor o amor. Enquanto
estive mais ligado à minha personalidade, foi mais difícil…
– Então, acredita que ainda vai encontrar esse amor?
– Acredito. Mas a questão não é se posso encontrar ou não. Acredito é cada vez
mais que o amor não é uma carência, não é um desejo, não é uma projeção, mas sim
uma lei, tal como a gravidade ou a velocidade dos astros. E a lei é muito
simples de enunciar: só é amado quem ama. E a mentalidade do mundo ocidental e
moderno está centrada no contrário: todos crescemos à espera de ser amados, que
venha alguém preencher aquele universo que inventámos. E começa logo com a Bela
Adormecida, a Branca de Neve… Para mim, essa lei é ao contrário: se nos
dermos, se nos afirmarmos, se percebermos que amar é dádiva, aí o amor
acontece.
– O que aconteceu de errado no seu casamento, então? Olhou demasiado para o
seu ego e menos para a sua alma?
– Tudo o que tenho vindo a tentar fazer nos últimos anos é no sentido de me
tentar aproximar muito mais do que será a minha alma, que não sei ainda o que
é, do que daquilo que é a minha personalidade, que eu já sei. Digamos que a
minha personalidade é um peditório para o qual já dei.
– Parece ter encontrado todas as respostas…
– De todo. Mas há uma coisa que aconselho a toda a gente, que descobri há muito
pouco tempo e que ajuda a explicar muitas das angústias que andamos todos a
viver: a física quântica. Se a estudarmos, vamos perceber que cerca de 90 por
cento dos problemas que temos são inventados por nós. Se há uma coisa que se
aprende na física quântica é que nem o passado nem o futuro existem, existe o
momento presente. E se é assim, nós passamos a vida a perder tempo a pensar no
vai acontecer e no que já aconteceu. E esquecemo-nos que aquilo que já
aconteceu aconteceu porque era presente. Portanto, a questão do tempo deixa de
existir. E o tempo só passa se estivermos à espera que ele passe. Se vivermos o
presente, o tempo não passou.
– Então só pensa no presente e não faz planos de futuro?
– Não, isso seria absurdo. Tenho filhas pequenas, não posso deixar de fazer
planos. Viver o momento presente não implica demitir-me de resolver as coisas
práticas da vida. Implica é aceitar o que nos acontece. Somos nós que atraímos
tudo, o bom e o mau. A questão está em saber qual é a atitude certa quando as
coisas nos acontecem. E eu acredito cada vez mais que a maneira mais profunda
de olhar a vida é senti-la e não pensá-la. Acho que a chave da vida não está na
cabeça, está no coração. Mas isto é o meu processo, levei 60 anos a chegar
aqui…
– Há pouco disse que os contos de fadas nos dão uma ideia errada sobre o
amor. Como faz quando conta histórias às suas filhas, diz-lhes logo à partida
que é um conceito errado?
– É impossível não lhes contar essas histórias, claro. Mas uma das coisas que
eu gostaria de escrever, se tivesse talento para isso, seriam contos infantis a
partir de outros pressupostos. Eu faço uma coisa que elas as duas adoram e que
chamam “histórias de boca”, que lhes conto quando se deitam, inventadas na
altura, e que têm sempre esse pressuposto ao contrário. As coisas são maravilhosas
à mesma, mas o processo inverte-se um bocadinho: em vez de pôr a felicidade em
quem recebe a visita do príncipe encantado, ponho a felicidade em quem consegue
acordar a princesa. É a minha pequena contribuição para que elas no futuro
venham a descobrir e a entender o amor através da dádiva e não do recebimento.
– É um pai com paciência e tempo para brincadeiras, para as histórias de
adormecer?
– Sou um pai com paciência e tempo, mas não sou um pai moderno, nem gostaria
de ser. Acho uma grande treta estas psicologias modernas todas baseadas na
facilidade. Sou um pai com regras, com alguma autoridade e disciplina, mas
tento sobretudo transmitir-lhes dois valores essenciais: liberdade e
responsabilidade. Também não tenho muita paciência para aquela ideia de que os
meninos não têm deveres porque isso cansa.
– É um pai muito exigente?
– A questão de exercer a autoridade não me faz confusão nenhuma. E isto que eu
digo não retira calor nenhum ou amor à relação que tenho com elas. Isto
prende-se com uma coisa que me parece tão evidente que me faz impressão
discuti-la: existe no mundo alguma maneira de se obter, seja o que for, sem
trabalho e responsabilidade? Se não existe outra maneira de se obter as coisas
sem ser trabalhando, tendo disciplina e lutando por elas, então vou ensinar o
quê às minhas filhas? É agora, nestas idades, que elas têm de aprender o método
e a disciplina e não posso demitir-me de lhes passar valores que acho
essenciais.
Virgílio Castelo: “A chave da vida não está na cabeça, está no coração”
A pretexto do seu novo romance, ‘Despedida de Casado’, o ator, de 61 anos, explica o que é para si o amor e assume que acredita num amor para a vida.