Chama-se Maria do Rosário
de Melo Viana Pedreira, assina Maria do Rosário Pedreira. Tem 54 anos e
nasceu em Lisboa. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade
Clássica de Lisboa. Quem gosta de poesia conhece-a. É uma das vozes portuguesas
mais apreciadas e fala de amor e desamor de uma forma universalmente
reconhecida. Mas não só: escreveu mais de 40 livros, entre literatura juvenil,
ficção e poesia, e as suas colecções de livros para jovens, O Clube das
Chaves (em co-autoria) e Detective Maravilhas, foram objecto de
adaptação televisiva e venderam mais de 1 milhão de exemplares. Os seus poemas
estão traduzidos em várias línguas. Como se não bastasse, é também a editora
responsável pela descoberta de alguns dos escritores mais conceituados da
moderna literatura portuguesa, como valter hugo mãe, José Luís
Peixoto, João Tordo ou Nuno Camarneiro. Fomos conversar com
ela ao Areeiro, em Lisboa, na casa onde vive com o marido, Manuel Alberto Valente,
ele próprio um dos melhores e mais conhecidos editores portugueses.
Recentemente, reuniu todo o seu trabalho poético num único volume, Poesia
Reunida, de modo que é a altura certa para quem nunca a leu a conhecer. Mas
o tema da nossa conversa foi principalmente o dos seus poemas mais belos: o
amor.
– O que é o amor? Refiro-me ao amor que liga duas pessoas.
– Isso não se explica, acontece, e ainda bem, porque senão perdia a graça toda.
Não há definição para esse “fogo que arde sem se ver”, como dizia o
nosso sábio Camões, mas é certamente a única razão pela qual todos cá
andamos: uns a desejá-lo, outros a mantê-lo, outros a chorá-lo.
– O outro, o amor ao próximo, a Deus ou à vida, é uma extensão do mesmo ou
coisa distinta?
– Se estivéssemos a falar de bichos, e não de sentimentos, seria um animal da
mesma espécie, sim, mas não da mesma classe ou ordem. Porque o desgosto da
morte de uma mãe ou de um pai pode, por exemplo, ser almofadado se tivermos ao
nosso lado alguém com quem podemos ser sempre nós próprios e que nos ame. Mas,
se perdermos um amante (e pode até nem ser uma morte física, real), não há pai
nem mãe que nos valha. Não estou, claro, a falar de amores de Verão, mas de
amor a sério.
– Mentiríamos se disséssemos que este, entre duas pessoas, requer mais jogo?
Até pela boa razão de o tentarmos preservar?
– Jogo nenhum, a menos que haja jogo quando as cartas estão todas na mesa (e
viradas para cima). Se nos pomos a pensar que devíamos fazer isto ou aquilo
para não criar atrito ou dar azo a conflitos, então é porque já não temos
confiança suficiente na relação que estamos a viver. Se duas pessoas se amarem
realmente, uma vez cede uma, outra vez cede outra. Tudo muito natural. Sem ser
preciso pensar.
– E a paixão? É sempre fraude?
– Se, antes do amor, veio a paixão, não podemos dizer que ela é uma fraude. Mas
o estado de paixão é, por natureza, uma cegueira em que quase sempre vemos o
outro como gostávamos que ele fosse e não como é. Quando percebemos que nos
enganámos, a relação pode ir desta para melhor; mas, por um bambúrrio de sorte,
o objecto do nosso amor pode até ser o que desejávamos – ou transformar-se
nisso com o tempo. Ou não o ser, mas isso não causar desilusão, antes surpresa
e admiração.
– Até o amor pode ser uma ilusão?
– Volto a Camões: o fogo não se vê, mas arde. Está lá, portanto. Ilusão
nenhuma. Sentimos muitas vezes o que não queremos, mas o contrário já não é
verdade.
– E também pode ser relativo? Ou seja, perante um novo amor, o último que se
viveu pode deixar de o parecer?
– Todos os amores contam enquanto são sentidos, não por comparação com os que
vieram antes. É natural que as coisas passadas percam peso, mas apenas porque fazem
parte de um tempo que já não é o nosso. Eu, quando releio alguns dos meus
poemas, mesmo os mais tristes, consigo lembrar-me exactamente do que senti ao
escrevê-los. E fico feliz por isso. Terrível seria não ter nada para lembrar.
– Ama-se uma vez ou tantas quantas precisarmos?
– Ama-se em várias idades, de várias maneiras, mas nunca por precisarmos.
– Penso muitas vezes que o amor precede o objecto. Que é a necessidade ou a
urgência de o dedicarmos a alguém que promove o encontro…
– É verdade que temos de estar disponíveis para o encontro e para a comunhão,
porque, de contrário, o amor da nossa vida passar-nos-á ao lado. Temos de ter,
pelo menos, uma capacidade de reconhecimento. Mas, se o outro não rega a
planta, não basta que a semente admita que está morta de sede.
– Que faz a poesia pelo amor?
– Não faço ideia (a menos que as trocas de versos entre namorados tenham
efeitos práticos), mas o amor faz muito pela poesia e pela literatura. Afinal,
não é sobre isso que falam todos os livros?
– Mas não considera que a poesia possa ensinar a amar melhor?
– Já houve leitores que me escreveram a dizer que os meus poemas os tinham
ajudado a fazer o luto de alguém, a sobreviver a um abandono ou a processar as
memórias de forma a recordar sem dor o que foi doloroso. Acho que aprenderam a
lidar melhor com o desamor. Mas a experiência de vida fará sempre mais pelo
amor do que a poesia.
– Duas linhas sobre o seu método de trabalho…
– Na editora, o método é não procrastinar (e trazer muito trabalho para casa).
A poesia não a considero um trabalho: escreve-se quando quer, e não quando eu
quero. Já com as letras de fado sou bastante obsessiva e disciplinada: sento-me
com um caderninho a jeito e não arredo pé enquanto não vejo a história tomar
forma.
– Em que trabalha neste momento?
– Além das letras de um álbum inteirinho para a Aldina Duarte, que
terminei agora, dentro da minha cabeça há muitas coisas: um novo conjunto de
poemas inspirados pela crise que estamos a viver, um livrinho em prosa, que
gostaria que fosse para todas as idades, sobre o que perdemos ao longo da vida,
a revisão do romance que publiquei há 20 anos e ainda não sei se quero
reeditar. Mas, se acabar um dos projectos já me dou por satisfeita. Tudo isso
tira, de certeza, muito tempo ao amor.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo
ortográfico
Maria do Rosário Pedreira sobre os versos e reversos do amor
A poetisa e editora da LeYa é casada com Manuel Alberto Valente, um dos mais conhecidos editores portugueses. A casa, repleta de livros, é um tributo à literatura e à criação.
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