Gosto muito de ser ator, mas não gosto de aparecer, não gosto de ser fotografado, não gosto de ir a galas, de dar entrevistas, de receber prémios. Se me pudessem deixar ser só ator, eu agradecia. E peço ao público que me desculpe.” Mas isso não é possível e Rogério Samora, de 55 anos, sabe-o, pelo que vai abrindo exceções. “Como dizia Louis de Funès, o ator tem de saber desaparecer para a personagem aparecer e eu gosto disso. Depois, também gosto de chegar ao pé das pessoas com quem me dou, que são seis ou sete, e poder ser eu, sem fazer género, sem fazer de conta.” E é também assim, sem artifícios, que a conversa flui. Há confissões, recordações e algumas risadas, entrecortadas por alguns cigarros, não muitos. “Peço desculpa, mas este é o meu último ‘veneno’. Este trabalho está a ser tão exigente física e emocionalmente que vou mesmo ter de deixar os cigarros. Para eu não ser uma contradição. Se em primeiro lugar para mim está o meu trabalho, se a minha vida é o trabalho, se sou feliz com o meu trabalho, e se tenho algo na minha vida que me prejudica e não me mantém em condições para poder satisfazer aquilo que esperam de mim, então o melhor é deixar isto”, continua referindo-se à intensidade com que vive a personagem José Maria que interpreta em Poderosas, a novela da SIC.
– Já tentou deixar de fumar?
– Já levei choques elétricos e injeções. Comecei a fumar aos 13 anos e nessa altura alguém me devia ter dito: “não fumes, isso mata.”
– É preciso força de vontade e estabilidade emocional para isso acontecer…
– Eu nem gosto de fumar. Já estive sem fumar e senti-me muito bem. Acho que é mais fácil se estiver equilibrado emocionalmente, sim, e neste momento sinto-me muito bem equilibrado: cabeça, coração, corpo. Está tudo tranquilo.
– Há uns anos revelou que tinha começado a fazer psicoterapia. Isso ajudou-o a ganhar esse bem-estar?
– Sim, ajudou-me muito. Estava num período complicado da minha vida. A saída da estação onde eu estava, o convite da SIC, para onde eu queria ir, a morte da minha avó, a mulher que me criou, que quis que eu nascesse, que disse à minha mãe: “O bebé que nasça, que eu crio e sustento…”
– A sua mãe pôs a hipótese de não o ter?
– Essa hipótese foi equacionada, não pela minha mãe, mas acho que as dificuldades financeiras levariam o casal a optar por não me ter.
– Se isso tivesse acontecido, perdia-se isto: um homem charmoso, um ator com talento…
– [risos] Perdia-se este galã desbocado, como me chamaram uma vez e que eu achei, de tanta coisa que dizem sobre mim, que era engraçada… O que é uma contradição, porque quando és desbocado dizes tudo o que te vem à cabeça e isso não é positivo.
– Mas voltemos à terapia…
– Sim. Na altura pedi ajuda a uma colega, que me indicou o Pedro Almeida. É psicólogo e coach. Foram dois anos em que ele me treinou e treinou-me bem. Fez de um cavalo bravo um puro-sangue. Estou mais seguro, sei que não vou durar para sempre, sei que o meu caminho é este mas também pode ser aquele, sei que tenho de estar mais atento, sei que tenho de ter mais tempo para os outros e para mim, e gostava que o meu dia tivesse, pelo menos, mais três horas. Comecei a ter prazer naquelas duas horas entre as 6h30 e as 8h30. Gosto de ver o dia nascer. Emito faturas, passo recibos, faço pagamentos, passeio a minha cadela. Gosto de fazer tudo, não gosto de delegar, não tenho agentes. Tenho apenas uma advogada.
– Parece que a terapia lhe trouxe alguma paz. Ou foi o passar dos anos?
– A idade é ‘fixe’. Dá-te paciência, tolerância, calma. Claro que ainda sinto muita coisa a fervilhar cá dentro, mas gosto disso.
– Ainda faz terapia regularmente?
– Não. Combinámos fazer um rastreio de três em três meses e às vezes trocamos mensagens. Se houver um deslize, agendamos uma consulta.
– Falou na morte da sua avó. Como é que lidou com a morte dela, e também com a da sua mãe?
– Lidei com a morte delas de uma forma muito estranha. Só este ano, quando fui entregar ao Museu do Benfica uma foto minha com quatro anos, vestido com o equipamento do clube, e vi a dedicatória escrita no verso (que me fez parar o carro e chorar durante dez minutos) é que finalmente assumi que tenho saudades daquelas duas mulheres. Fazem-me falta. E tenho pena de não as ter amado como devia, mas achei que duravam mais.
– Foi muito amado?
– Fui muito amado pela minha avó. Depois fui amado de outra maneira. Mas aprendi a viver com isso, isso faz de mim um ser de contrastes… Acho que fui feliz, acho que fui menos feliz, mas nunca fui infeliz. Gostava de ter tido uma família de 100 pessoas. A família é um grande pilar. Na minha éramos cinco. Agora só estou eu, o meu irmão e o meu pai.
– Tem uma boa relação com eles?
– Nem boa nem má. Acho que nos suportamos e respeitamos.
– Não lamenta não ter uma relação mais estreita com o seu pai?
– Tenho pena de não ter com o meu pai uma relação de compinchas, de amigos. Mas isso nunca aconteceu. O meu pai, por exemplo, não jogava à bola comigo, mas com os amigos dele.
– Mas não receia que um dia possa ser tarde? Que pode, mais uma vez, deixar alguma coisa por dizer?
– Ao meu pai já disse tudo, coisas boas e menos boas. O meu pai não tem falta de nada, nem de amor. Ele é meu pai e eu trato-o como pai. Não posso é dar mais do que aquilo que dou.
– Talvez porque veja em si um pilar, como a sua mãe foi para ele?
– A minha mãe em relação ao meu pai foi uma anuladora. Anulou-se fazendo-lhe tudo. A única coisa que ela devia ter feito era deixá-lo. Um dia pedi-lhe para ela se separar dele e ela disse-me que só a morte os separaria. A minha mãe era uma boa mãe e sobretudo acho que foi uma boa mulher, amou muito o meu pai e se existir vida depois da morte, ainda o ama.
– Viver um grande amor não lhe faz falta?
– Não.
– E ter alguém para abraçar, beijar…
– O que vou dizer é péssimo para mim, mas é bom que as pessoas não se cheguem ao pé de mim. Quando começo um grande amor, como tenho a mania que eu é que mando na minha vida, já estou quase a decidir quando é que vai acabar, usufruindo, aproveitando e saboreando tudo aquilo que o amor tem. E isto é grave e precisa, sim, de ser tratado. Mas eu não quero. Ou seja, começo a transformar esse amor numa ficção e porque não quero sofrer, porque não quero ficar com aquilo para sempre, começo a decidir quando e como vai acabar, por isso as pessoas que sentem algo por mim afastam-se, porque é certo e sabido que vão sofrer.
– Mas com medo de sofrer mais uma perda?
– Porque não quero! É como se o amor fosse um filme ou um romance ou um pedaço de arte que tu manipulas, és o maestro.
– Talvez diga isso porque não encontrou aquele amor arrebatador…
– Não vou encontrar, não quero. Estou muito ocupado. Tenho mais 40 anos de vida e quero divertir-me… não quero ser só de uma pessoa, de um grande amor, quero ser de todos os amores possíveis. É melhor não cair na infidelidade do que ter um grande amor.
– Parecia o José Maria a falar… Como é que está a ser este projeto?
– A novela, para mim, chama-se Margarida Marinho. É tão bom ter uma companheira, colega, que é maravilhosa, saudável, inteligente, normal… Nesta novela o que sinto é que somos um só. E isso dá-me uma grande confiança. É ouro sobre azul. Gosto muito da Margarida. Depois descobri que há uma pessoa nesta novela para quem eu gosto de olhar, onde eu descanso a minha visão, que é a Soraia [Chaves]. É alguém que te transmite paz e serenidade.
– E o seu José Maria? Um vilão?
– É uma personagem fascinante, cheia de contrastes, em que pode ser tudo. Dizem-me que é um vilão, eu não sei e não gosto que me chamem vilão… As personagens, para mim, são bons sofás para eu descansar. Eu descanso para a personagem existir, deixo que ela me habite, não me prejudica em nada, não levo a personagem para casa, nem incorporo. Ela existe, eu respeito e gosto dela. É um desafio incomensurável.