Em 1944, em pleno Holocausto, Priska, Rachel e Anka foram enviadas para Auschwitz. Em comum, estas três mulheres tinham um segredo: estavam grávidas. Ao longo dos meses, os seus corpos esqueléticos conseguiram esconder as vidas que abrigavam e, em condições desumanas, os três bebés nasceram no campo de concentração – todos com menos de um quilo e meio – e sobreviveram. Semanas mais tarde, em maio de 1945, os prisioneiros de Auschwitz foram libertados pelas tropas aliadas. A guerra terminara e as suas vidas recomeçavam.
Hana Moran, que está prestes a completar 71 anos, era um desses bebés cujos nascimentos estão descritos no livro Os Bebés de Auschwitz, da jornalista e escritora inglesa Wendy Holden. De passagem por Portugal para promoverem a obra, Hana e a biógrafa conversaram com a CARAS e revelaram como a coragem daquelas três mães tem inspirado as suas vidas.
– Como foi para a Wendy escrever sobre uma realidade tão dura, mas, ao mesmo tempo, tão extraordinária, pelos exemplos de sobrevivência que retrata?
Wendy Holden – Foi muito exigente! Comecei pelo final feliz, porque primeiro conheci os bebés que sobreviveram… Sabia que eles tinham vidas cheias de significado, que se tinham casado, formado as suas famílias e aproveitado bem o dom da vida que receberam. Em todo o percurso que estas mães fizeram com os seus bebés há extraordinários exemplos de bondade e de generosidade das pessoas que os ajudaram. Foram todos estes exemplos que me deram coragem para escrever sobre estas coisas tão terríveis que ocorreram durante o Holocausto.
– Hana, como é que as circunstâncias tão particulares do seu nascimento [em cima de uma tábua, na fábrica de munições de Freiberg, na Alemanha, para onde a mãe foi levada depois de ter estado em Auschwitz] moldaram a sua personalidade e determinaram o seu percurso?
Hana Moran – Em primeiro lugar, o facto de ter conseguido nascer naquelas circunstâncias fez com que me sentisse obrigada a ter uma boa vida e a dar de volta o que recebi. Esse sentido de missão sempre foi o mais importante para mim. Eu sobrevivi, ao contrário de muitas outras pessoas, como o meu pai e outros familiares. Por isso, sempre senti que, de alguma maneira, tinha de estar à altura das vidas que eles tiveram. E isso é uma grande responsabilidade.
– Sente, portanto, que tem um legado para preservar…
– Sim, sinto precisamente isso. E esse legado traduz-se em deixá-los orgulhosos onde eles estiverem. Sempre senti que tinha de deixar a minha mãe orgulhosa e que tinha de tornar a sua vida numa boa experiência depois de tudo aquilo por que passou. Não podia ser a típica adolescente, tinha de a fazer feliz.
Wendy – Também os outros dois bebés [Mark Olsky, filho de Rachel, e Eva Clarke, filha de Anka] sentem que têm esse legado. Sentem que têm de ter um propósito na sua vida e fazer coisas importantes e úteis. Todos querem fazer mais e melhor. E penso que herdaram isso dos pais.
– De tudo o que a sua mãe lhe contou sobre o Holocausto, o que mais a marcou?
Hana – Penso que foi o facto de ela ter sido capaz de continuar a ver a bondade nas pessoas. Ela sofreu muito, quase morreu, mas nunca perdeu a sua humanidade nem a capacidade de a reconhecer nos outros. E ensinou-me isto. A minha mãe e eu tínhamos uma ótima relação, de uma grande simbiose.
Wendy – E o mesmo aconteceu com as outras mães. Nenhuma ficou amargurada ou rancorosa. Elas sempre sentiram que tinham de ser um exemplo para os filhos.
– Estas histórias de coragem também tiveram a capacidade de mudar a sua vida, Wendy?
– Sim. Este livro trouxe-me uma nova perspetiva sobre a minha vida, nunca mais tive coragem de me queixar de nada! Se estou cansada ou se me dói a cabeça, paro e penso no que estas mulheres passaram sem nunca desistirem.
– O Holocausto aconteceu há mais de 70 anos. Consegue fazer algum paralelismo com os conflitos xenófobos e religiosos que acontecem nos nossos dias?
– Sim, sem qualquer dúvida. Nunca foi tão importante falar sobre o Holocausto, precisamente pelos genocídios e conflitos que vivemos. O Holocausto foi uma lição que não aprendemos, e a prova disso é a maneira como estamos a lidar com os refugiados, por exemplo. Ninguém atravessa o mar num barco com uma criança porque quer, e sim porque não tem mais nenhum sítio para onde ir. Temos a obrigação legal e moral de lhes providenciar uma vida melhor.
Wendy Holden e Hana Moran revelam os ‘milagres’ do Holocausto
No livro ‘Os Bebés de Auschwitz’, Wendy Holden (à esq.) conta a história de sobrevivência de três mulheres e dos seus filhos, nascidos naquele campo de concentração. Hana Moran (à dir.) foi um desses bebés.
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