“A dificuldade de se ser artista é que temos de pensar que o mundo precisa de uma coisa que inventámos e convencê-lo disso”, diz Sandra Celas a certa altura desta conversa com a CARAS. “Claro que há trabalhos que nos encomendam, mas outras vezes temos de ousar, de ir à luta”, continua, explicando que foi esse processo que esteve na origem do projeto musical que criou com Alex Cortez, a banda Mur Mur, na qual é vocalista. Um trabalho que pretende conciliar com o de atriz, que continua a ser a sua principal ocupação. Foi por aí que começou a entrevista a propósito desta visita a Saïdia, Marrocos, que fez na companhia da filha, Miranda, de sete anos (da relação já terminada com o artista plástico António Jorge Gonçalves), e que prefere manter longe da ribalta, pelo que Miranda assistiu à sessão fotográfica do lado da câmara. Mas assim que aquela terminou, ‘voou’ para cima do dromedário que a mãe montara para as fotografias, ansiosa e simultaneamente receosa pela experiência. A atriz incentivou-a, como faz em geral quando toca a novidades.
Dir-nos-á mais tarde que pretende dar à filha toda a liberdade que puder, para que ela escolha o seu próprio caminho.
– A vocação artística vem de criança ou foi uma descoberta mais tardia?
Sandra Celas – Como venho de uma família sem tradição artística, apesar de os meus pais cantarem, embora não profissionalmente, acho que simplesmente não tive consciência disso nem ninguém procurou orientar-me para a vida artística. Mas acho que já lá estava, sim, sempre gostei de cantar e representar, só não tinha consciência disso, e acabei por ir fazer um curso de teatro com a minha irmã, porque ela queria e eu não tinha nada melhor para fazer.
– E depois de vários anos a trabalhar como atriz, agora iniciou uma carreira musical.
– Há cerca de três anos começaram a pedir-me muito frequentemente para cantar, depois o Zé Manel (Darko) convidou-me para fazer um dueto com ele, entretanto tinha entrado num programa de talentos na TVI [Canta por Mim], onde fiquei até à final… Estava num momento em que me sentia um bocadinho cansada de fazer sempre as mesmas coisas e precisava, talvez, de me reinventar. Pensei: porque não encontrar um repertório meu para cantar?
– Acabou a escrever as suas próprias letras e a compor algumas melodias.
– Sim, mas no caso das melodias, precisava de um músico, porque não tenho formação musical. Pego numa guitarra e crio uma melodia, mas só do ponto de vista da estrutura, depois preciso de alguém que a trabalhe e lhe dê a forma de uma canção. Na altura desafiei o Alex, achei que partilhávamos alguma linguagem musical, por coincidência ele estava com vontade de entrar num projeto novo, começámos a trabalhar juntos e a coisa foi fluindo. Digamos que ele embarcou um bocadinho na minha loucura, porque isto da vida artística… Temos de pensar que o mundo precisa de uma coisa que inventámos e convencê-lo disso [risos].
– Mas acabou por correr bem: têm dado concertos, agora com uma formação mais completa que inclui mais três músicos, e vão gravar um disco.
– Sim, tem corrido bem. Estou curiosa de saber o que é que as pessoas chamarão à nossa música… Todos temos influências diversas, o Alex, ex-Rádio Macau, vem do rock, eu… ouço tudo. Só não consigo ouvir heavy metal, mas o que me alimenta musicalmente é muito vasto, vai da clássica à world music, do jazz ao pop rock… Mas o que me faz vibrar a cantar andará entre o pop e o rock, com todas as fusões que possa haver aí. Há uma rebeldia no rock, uma explosão, que me diz muito.
– Isso coincide com a impressão com que fiquei de si depois destes dias em Marrocos, pareceu-me que gosta de sair da norma, de seguir caminhos alternativos…
– Será verdade, sim, mas não é propositado, é uma coisa que me acontece, é orgânico. Já em criança a minha mãe me dizia que eu era esquisita [risos]. Acho que tenho tendência para escolher caminhos menos comuns, vem com a minha personalidade. Acho que se manifestou logo na infância: na escola primária não fiz um amigo. Só comecei a fazer amigos no liceu. Na infância acho que foi a minha irmã que me salvou, é onze meses mais nova e sempre fomos muito próximas. Até ao liceu, quando comecei a encontrar pessoas da minha ‘tribo’, sobrevivi solitariamente. Claro que tive momentos felizes, os meus pais eram fantásticos, estou a falar do ponto de vista da socialização. Foi um período angustiante, mesmo para esquecer. Tinha dificuldade em relacionar-me, porque me acontecia uma coisa muito estranha: achava sempre que era mal interpretada. Eu dizia uma coisa e as pessoas entendiam outra. O que é curioso, tendo em conta que hoje sou uma comunicadora [risos].
– Às vezes há uma certa sensibilidade social que se desenvolve mais tarde.
– Se calhar foi isso. Hoje em dia sou muito sociável, gosto de conversar, tenho amigos de quem gosto muito. Mas não sou aquela pessoa que está sempre rodeada de gente, não é qualquer pessoa que escolho, ou que me escolhe, para partilhar a minha intimidade.
– É óbvio que gosta de se resguardar, não terá sido por acaso que só se tornou público que estava separada do pai da sua filha um ano depois.
– Precisamente [risos]! Nisso se calhar não mudei assim tanto. Mas não sou saudosista, as dificuldades da infância ficaram no passado e a minha vida tem sido cada vez melhor. Sinto que vou cada vez mais ao encontro de mim própria, sinto-me cada vez melhor na minha pele.
– Tem uma relação muito próxima com a sua filha. Gostaria de ter mais filhos?
– Não sei. Para já, não, que encaro isto de ser mãe como uma profissão muito a sério [risos].
– Mas não teve mais filhos quando a Miranda era mais pequena porque não quis?
– Não era o momento, não quer dizer que não fizesse parte dos planos… Não digo que sim nem que não, estou um bocadinho aberta ao que a vida me trouxer. Fui mãe aos 33 anos e antes achava que não ia ter filhos… A vida trouxe-me essa surpresa e estou muito grata, porque é de facto maravilhoso, é uma experiência muito forte do ponto de vista do amor.
Sandra Celas: “Sinto-me cada vez melhor na minha pele”
A atriz e cantora, de 41 anos, passou uns dias em Marrocos com a filha, Miranda, de sete anos, que preferiu resguardar mantendo fora da reportagem fotográfica.
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