A vida de Bárbara Alves da Costa parece saída das histórias mágicas que alimentaram o seu imaginário infantil. Numa versão mais moderna, é certo, mas com o destino a pregar deliciosas partidas aos seus intervenientes. Senão, vejamos: aos 17 anos teve um namoro fugaz com Pedro Gil Ramos. Nos 20 anos seguintes, Bárbara, que se tornou jornalista da SIC, seguiu com a sua vida, bem como Pedro, arquiteto, e cada um teve um filho – ela é mãe de Maria do Mar e ele é pai de Bernardo, ambos de 11 anos. Estavam os dois solteiros há três anos, e sem saber nada um do outro desde a adolescência, quando se encontraram por acaso numa festa de aniversário. O antigo amor acordou e hoje, sete anos depois, deram uma irmã aos filhos – Alice, de três anos – e estão a viver o sonho que sempre lhes alimentou a alma. Juntos, deixaram a vida profissional que conheciam e abriram a Terra do Sempre, no Alentejo, um espaço de turismo que é também a certeza de que a vida vai muito para além do óbvio.
– Há uma canção do António Variações que diz: “muda de vida se não vives satisfeito”. Podia ser a banda sonora da vossa vida?
Bárbara – Não sei se é bem isso, porque nós vivíamos felizes em Cascais e tanto eu como o Pedro adoramos as nossas profissões. Mas há cerca de dois anos tivemos imensos azares na família, morreram a mãe e o padrasto do Pedro, perdemos um bebé e, além de tudo isto, passávamos os dias a correr, estava farta de dizer aos miúdos para se despacharem. Já tínhamos esta casa e tínhamos, também, a vontade de ter um turismo. E quando fizemos 40 anos tomámos uma decisão. Num mês metemos os projetos no ProDer (programa de desenvolvimento rural) e conseguimos fazer tudo, embora tenhamos sido os últimos a entregar. Lançámo-nos à sorte e pensámos: o que calhar, calhou. Somos assim os dois.
Pedro – Também queríamos muito proporcionar outra vida aos miúdos. Queremos que eles cresçam com liberdade e aqui conseguimos isso. Avançámos para este sonho muito por eles, também. Nós sempre vivemos em casas cheias de gente, de família e de amigos, e isso acaba por se replicar aqui um bocadinho, embora seja com estranhos. [risos]
Bárbara – A minha avó instigou-me muito este lado porta aberta. A casa onde vivíamos em Cascais era da minha avó e era uma casa onde as minhas tias entravam a qualquer hora, nunca sabíamos bem quantos éramos ao fim de semana. E eu cresci assim. É como as histórias. A Terra do Sempre veio muito deste nosso lado da minha avó nos ler sempre histórias, todos os dias. Cresci, e faço o mesmo com as minhas filhas, com essa magia. E foi aqui que criámos este mundo mágico em que todos os adultos querem acreditar.
– É a esperança para lá da rotina?
– É! Nós apercebemo-nos de uma série de coisas quando viemos para cá. Já sabíamos que queríamos mudar de vida e ter mais tempo para os miúdos, mas quando se sai da antiga rotina e se entra nesta nova rotina, onde há tempo, apercebemo-nos de como era. Notei uma diferença incrível na minha filha mais velha, que antes chorava no caminho pela A5, entre Cascais e Lisboa, com a pressão de chegar a horas à escola, e agora é tudo diferente. Este ar que se respira, esta calma que se vive faz toda a diferença. E aqui eles têm muito mais liberdade e mobilidade.
– Ainda assim, trocaram o certo pelo incerto. Não foi difícil?
– Nós achamos sempre que no fim vai tudo resultar. Claro que houve momentos duros, no inverno, em que não tínhamos muitos hóspedes e havia contas para pagar.
Pedro – Apesar dos momentos complicados, nós somos os dois assim, não nos agarramos às dúvidas. Puxamos um pelo outro. Mas esta é uma postura que não se ensina, faz parte de nós. Nós não planeamos as coisas, vivemos um dia de cada vez.
Bárbara – Não nascemos ricos, mas nascemos cheios de sonhos. E ou desistimos, ou não. E nós não desistimos. É isso que faz toda a diferença. Não tínhamos rede de segurança nesta mudança de vida, mas tanto eu como o Pedro sabemos trabalhar e, caso corresse mal, não íamos baixar os braços.
– Sempre acreditaram que podiam ajustar a vida aos vossos sonhos?
– Fui educada assim, portanto, não sei viver de outra maneira. Vivo permanentemente feliz, quer tenha dinheiro ou não. Contorno as coisas de modo a fazer tudo o que quero. Culpa da minha avó, da minha mãe e do meu pai, que também é jornalista e sonhador. As minhas filhas não acham que há impossibilidades na vida. Percebem que há contrariedades e dificuldades, mas estou sempre a dizer-lhes que conseguem fazer tudo sozinhas. Não quero criar um filho que aos 18 anos não sabe fazer nada. Mas aqui, de facto, tudo é diferente. Em Lisboa, a vida não pára, aqui sim. E com as mortes que tivemos na nossa família e a chegada dos 40, pusemos tudo em perspetiva e percebemos que não queríamos viver assim, apressados, sempre atrasados. E mais, não queria ensinar às minhas filhas que a vida era aquilo. Queria mesmo ter tempo! Digo muitas vezes à Maria do Mar que quando ela estiver no 12.º ano vamos parar um ano e viajar todos em família. Nós educamos mal os miúdos, a questão da gestão, da pressão… A vida não é só isto! Mudar de vida foi uma opção de família. Não o fizemos só pelos nossos filhos, a vida levou-nos a isto. Foi um caminho e eu acredito muito nestes caminhos. Hoje estamos aqui, vivemos super felizes e é o que nos faz sentido.
– As crianças adaptaram-se bem a esta mudança?
– A Alice fez três anos aqui e parece o Tom Sawyer com purpurinas.
Pedro – Quando comprámos esta casa, lembro-me perfeitamente de cá vir com a Maria do Mar e com o Bernardo e os picos, os paus e as aranhas serem um problema. A Alice é o oposto, está completamente enquadrada, nada lhe faz confusão. Ela não nasceu aqui, mas parece que sempre pertenceu aqui. A Maria do Mar foi mais complicado, com as saudades das amigas.
Bárbara – Foram três meses em que dizia que queria voltar para a antiga escola, mas depois passou. Ela continua a ter os amigos de Lisboa e tem os de cá. Ganhou muita confiança com esta mudança e agora já não quer voltar, fez-lhe muito bem.
– Sentem que também mudaram enquanto pais? Hoje são mais serenos?
– Completamente! Faz muita diferença. Eu andava sempre a mil e agora já não faço tudo ao mesmo tempo
Pedro – A tranquilidade deles também nos descontrai. Hoje, já não há gritaria de manhã, porque não vivemos atrasados, não temos a pressão do trânsito, das horas. Tudo mudou, em nós e neles. É uma sensação muito boa!
– Este é o vosso “final feliz”?
Bárbara – Sim, é. Às vezes nem sei muito bem como é que chegámos até aqui. Mas tem sido muito bom.