Habituada a lidar diariamente com notícias menos boas, Clara de Sousa faz questão de fomentar a felicidade como exercício constante na sua vida. E o sorriso rasgado com que nos abre a porta de casa é sinónimo disso mesmo. Descontraída, simpática e sempre afável e carinhosa, a jornalista e pivot da SIC faz-nos sentir como se fizéssemos parte da família. E isso é uma das muitas características que a tornam uma mulher segura, descomplicada e perfeitamente consciente do que quer e do que não quer para si. Tanto na vida como na profissão, Clara de Sousa movimenta-se sob o signo da verdade. E é isso que a define, seja à frente de uma câmara, seja no carinho com que explica uma receita. Afinal, a paixão pela cozinha vem de longe e está-lhe no sangue. E isso vê-se, mais uma vez, no seu novo livro, A Minha Cozinha – Best of. E foi com o cheirinho de uma tarte de chocolate e nozes acabada de fazer que a jornalista, que é mãe de Manuel, de 20 anos, e de Maria, de 17, do seu casamento com Francisco Penim, nos falou desta paixão, de si, dos filhos e da vida no geral.
– É na cozinha que se encontra com o seu eu mais profundo?
Clara de Sousa – Não. É na cozinha que às vezes fujo um bocadinho de mim mesma. Viajo para outros lados. Mas há tantos momentos em que nós nos encontramos. Pelas mais variadas razões. Para pensar no trabalho que temos para fazer, na vida, nas opções que tomamos, fazer balanços. Acima de tudo, quando estou sozinha e não estou distraída. A cozinha distrai-me, completa-me noutras coisas, mima-me, dá-me uma energia muito boa.
– Os seus filhos partilham a sua paixão pela cozinha?
– Não. A Maria um pouco, mas o Manuel não tem grande interesse. Mas sabe cozer as massas e fazer omeletas, portanto, não ficará sem comer se tiver alguma urgência. A Maria gosta de se aventurar um pouco mais e como se tornou vegetariana, dou com ela a procurar receitas para fazer. Mas tem que lhe apetecer mesmo. E ela já tem o gosto de criar momentos de afeto e amizade entre as pessoas através da comida. Temos que ensinar os nossos filhos a serem pessoas felizes e, sobretudo, a criarem momentos de felicidade. Acho sempre que a infelicidade é mais certa na vida do que a felicidade. Portanto, temos que ajudar a criar esses momentos.
– Como é a vossa relação?
– É normal. Os meus filhos estão numa fase muito boa. Já não estão tão dependentes de mim, mas ainda têm um grau de dependência razoável, e estão muito camaradas. Há uma aproximação maior. Estão a ficar crescidos e começamos a falar de igual para igual. E é tão bom. Gosto muito desta fase. Está cada um a decidir o que vai ser na sua vida e têm que lutar por isso. Sempre entendi que é péssimo quando nos levam ao colo. No outro dia, o meu filho dizia que tínhamos uma geração de frustrados e é curioso ele perceber isso.
– Avalia muito o seu papel de mãe?
– Sou uma mãe descontraída, não sou nada stressada. A minha mãe trabalhava muito, não tinha tempo para ser stressada comigo. E como saía de manhã e chegava à noite, dava-me tarefas, responsabilidade. E acho que acabamos por ser, enquanto adultos, o reflexo daquilo que foram os nossos pais connosco. Para o bem e para o mal. Mas sou uma mãe relativamente tranquila. Não estou sempre a cobrar, nem a chatear e eles sabem que comigo estão à vontade para tudo, para dizerem e falarem do que quiserem e para colocarem as questões como quiserem. Depois, podem é não gostar da minha opinião [risos]. Tenho grandes conversas com o meu filho sobre o rumo que o Mundo está a tomar. Ele tem as suas convicções e eu não concordo com todas. Mas a verdade é que temos que aceitar a diferença, seja do que for.
– Fez anos há pouco tempo. Sente-se com 49 anos?
– Não, no sentido em que quando tinha 19 achava que aos 49 já estaria muito velha. Os tempos são outros. Os meus 40 foram e estão a ser a década em que eu… Como dizer? Os 20 foram os 20, foram muitas coisas, entre o primeiro casamento e o trabalho. Os 30 foram a década de mãe de filhos pequenos, de evolução a esse nível. Os 40 foram a década em que me cumpri enquanto mulher adulta, madura. Foi uma década extraordinária para mim.
– E porquê?
– Não sei. Porque se calhar as circunstâncias da vida assim o definiram. Mas porque sinto que vivi mais, vivi coisas diferentes, evoluí a outros níveis. Não sei, senti-me com mais energia, mais mulher. Obviamente que tudo o resto é importante, mas sentir-me plena enquanto mulher foi aos 40.
– Isso trouxe-lhe mais segurança?
– Por regra sou bastante segura. Tenho algumas inseguranças, mas não são muito vincadas. Não me prendo muito nas coisas que me deixam mais frágil. Não me rendo às fragilidades. Até porque venho de uma linhagem de mulheres fortes, portanto, a educação que tive sempre foi no sentido de dar a volta. E a tua força é o teu motor. Como venho dessa linhagem, honro isso eternamente. Nunca vi a minha mãe baixar os braços, nem sequer quando morreu. E isso há que respeitar e honrar. Independentemente das nossas fragilidades e das circunstâncias da vida, há sempre uma solução. E quantas vezes a vida não nos surpreende com coisas melhores?! E é nisso que acredito. Nada é fechado, não há verdades absolutas. E essa é a beleza da vida.
– E que mulher é hoje?
– Tranquila, realizada, serena. Sobretudo porque aos 49 começamos a fazer um balanço do que queremos que se mantenha e do que queremos deixar para trás. A vida sempre foi feita disto: das coisas que mantemos, para nos acompanhar, e das que deixamos, porque não valem a pena. Nunca fui muito ansiosa, mas hoje estou mais certa, com mais convicções e mentalmente mais organizada sobre onde estou e o que quero fazer. Tudo o que faço, faço com verdade. Sou mulher. E tenho muito gosto em ser mulher.
– Que relação tem com a idade?
– Até agora não tem sido nada de preocupante. Para nós, mulheres, que estamos no ecrã, a idade pode ser bastante cruel. Mais para as mulheres do que para os homens. Mas a nossa atitude, aquilo que vem de dentro para fora, acaba por nos deixar mais frescas ou mais pesadas, dependendo do nosso estado de espírito. Um estado de espírito que tenha mais luz, mais otimismo, reflete-se no que transmitimos aos outros, na nossa aura. Portanto, independentemente de tudo, eu sei que mais tarde ou mais cedo irei envelhecer bastante. Não sei se no ecrã, se não. Acima de tudo, estou preocupada com uma coisa: manter-me intelectualmente capaz. No dia em que sentir que não estou intelectualmente capaz afasto-me. O valor da idade no jornalismo é muito importante. É o valor da memória, da experiência, da credibilidade. Espero continuar a dar-me ao jornalismo durante muitos anos. Não consigo imaginar reformar-me.
– Gostava de acabar os 40 apaixonada?
– Sou uma mulher permanentemente apaixonada. Por várias coisas. Não sou muito ansiosa em relação a isso. Já tive momentos da minha vida em que fui muito feliz e outros em que não tive esse tipo de felicidade. Mas a minha felicidade não se cumpre apenas no outro. Portanto, tenho muitos motivos na minha vida para ser feliz. Se surgir uma relação e for verdadeira, muito bem, se não, continuarei a ser uma mulher com um sorriso, independente, no sentido de espírito livre, o que dá muito jeito, mas que se dedica totalmente quando estou numa relação. Mas, mesmo solteira, continuarei a ser muito feliz, porque não consigo viver de outra maneira.
Clara de Sousa: “Foi aos 40 que me senti plena enquanto mulher”
A jornalista entrou nos 49 anos com um novo livro e a certeza de que esta década tem sido extraordinária.
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