Não marcámos encontro nem programámos uma entrevista. Foi uma conversa inesperada aquela que tivemos com Luís Sanchez sobre a morte trágica, há três meses, do seu companheiro de vida e cofundador da dupla criativa Storytailors, João Branco. O criador, de 44 anos, deixou-se fotografar na Alfândega do Porto, sorriu para a lente do fotógrafo, mas foram mais as vezes em que se emocionou. Recordou o dia fatídico em que João, de 40 anos, se atirou da janela do quarto dele, em casa da mãe, um 10.º andar, falou do estado de choque em que ficou, dos planos que tinham em comum, do vazio com o qual está a aprender a viver e da vontade de continuar o trabalho dos Storytailors. Falou de João sempre com admiração, ao mesmo tempo que nos mostrava a instalação audiovisual que revisitava as peças originais do duo e que apresentou na última edição do Portugal Fashion, em jeito de homenagem.
– Compreendo que não esteja a ser fácil enfrentar a vida depois da morte do João, com quem partilhava a vida há cerca de 18 anos. Como é que tem sobrevivido?
Luís Sanchez – Tem sido muito complicado. Foi um choque para mim, porque nada fazia prever aquele desfecho. Não fazia sentido, não havia nenhum indicador. Passou-se com o João algo que eu nunca percebi para que ele tomasse a decisão de pôr fim à vida.
– Mas ele andava deprimido?
– Eu é que era o depressivo da relação. Ele era o Sol e eu a Lua. Ele era otimista, luminoso, tinha energia, estava sempre motivado.
– Chega à conclusão de que o bem-estar dele era apenas uma capa?
– Não sei. Ele estava sempre bem-disposto e a rir. Não sei sequer o que o terá levado, de facto, ao suicídio.
– Sente algum peso, alguma culpa, por não se ter apercebido do estado dele?
– Sim. Já pensei que poderia ter feito mais, poderia ter estado mais atento, poderia ter amado mais, e claro que tudo isso se traduz em sentimento de culpa. E eu tenho sentido isso de várias formas.
– Imagino que tenha procurado ajuda especializada para não só compreender o que o terá levado a cometer essa loucura, como para tentar superar a dor…
– O João morreu nas vésperas de Natal e tínhamos planeado ir para a Madeira passar a quadra natalícia, com a minha família, e foi isso que fiz. Fui para junto dela, onde procurei apoio emocional. Quando regressei, senti que precisava de apoio psicológico, psiquiátrico e de medicação para conseguir dormir.
– O choque deu lugar a um vazio?
– Bem, o choque fica para sempre. Agora junta-se o vazio, a dor, a ausência e a saudade. E é com estes sentimentos que estou a aprender a lidar, mas está a ser difícil.
– É quase como um reaprender a viver?
– Sim. No dia a dia as minhas rotinas foram todas alteradas, porque ele não está. Já não posso partilhar as minhas ideias, a minha vida. Tudo isso é doloroso. Tenho estado a aprender a lidar com a dor.
– Continua a viver na mesma casa? Não lhe apetece mudar?
– Continuo na mesma casa. Não mudei nada, não me apetece, até porque não me incomoda. Traz-me, aliás, boas recordações. Também, ao contrário do que algumas pessoas me aconselham, não me desfiz das roupas e nem faz sentido fazê-lo. Tenho é oferecido uma peça ou outra a alguns amigos que pedem para ficar com algo do João. Essa partilha é uma forma de ele continuar a viver com esses amigos. A única alteração em casa é que construí um pequeno altar com umas fotos que fizemos recentemente, onde se percebe a luz que ele emanava. Penso sempre no otimismo dele, na capacidade de sonhar dele, quase naïf.
– Ele era um sonhador…
– Era um sonhador, mas também um concretizador. Ele sonhou e concretizou.
– Já pensou como é que vai continuar a construir a identidade dos Storytailors?
– Falta uma peça e não vamos funcionar da mesma forma. Estou a tentar reestruturar, trabalhar de outra forma. Não vou substituir o João, mas ele vai estar sempre presente. Foram muitos anos juntos.
– O João é insubstituível?
– O lugar dele é insubstituível. Cada um de nós tem a sua genialidade, e o João era, de facto, um génio. Nestes anos de relacionamento houve uma simbiose, e quando essa simbiose se perde ficas coxo, ficas sem saber como reagir, sem uma parte de ti.
fotos: Ricardo Santos