Maria do Céu Guerra não gosta de dizer a sua idade. Não porque não aceite os anos que já leva de vida, mas porque, como disse numa excelente entrevista ao Diário de Notícias, em 2016, “gostamos de simular que somos velhos, de simular que somos novos, não estar prisioneiros dessas contingências”.
Não interessa, portanto, há quanto tempo um ator anda pela terra, interessa é o amor com que se entrega à sua arte. E esse, Maria do Céu tem-no de sobra. Por isso, quando fala dos seus projetos, o seu rosto transfigura-se, os olhos iluminam-se e o sorriso torna-se impossível de conter, igual ao de uma criança feliz. Da mesma forma, quando fala das dificuldades de manter viva uma companhia independente – e que em 2014 quase levaram ao encerramento da sua prestigiada A Barraca, de que é cofundadora e que desde 1975 já levou ao palco mais de 100 produções –, é a mágoa que lhe marca o rosto.
Tudo começou em 1963, no grupo de teatro da Faculdade de Letras de Lisboa, prosseguindo depois em prestigiadas companhias, como a Casa da Comédia, o Teatro Experimental de Cascais ou o Teatro Adóque, até chegar A Barraca. E nunca esta mulher determinada, corajosa e apaixonada parou de nos surpreender com personagens sempre intensas, com personalidade própria, seja em que registo for. E em 56 anos de carreira fez tudo o que havia para fazer: teatro, cinema e televisão, e dentro de cada uma destas categorias experimentou a comédia e o drama com igual entrega.
Não lhe chegando ser atriz, é também encenadora e produtora e já assinou figurinos, fez cenografia, dramaturgia e adaptação de textos de muitos autores consagrados. Com uma tão vasta atividade, não é por isso de estranhar que tenha recebido inúmeras distinções em Portugal e no estrangeiro. Entre elas, no passado mês de julho, o importante Actress of Europe 2019, no Festival Internacional de Teatro – Actor of Europe, que reconhece o percurso artístico de uma personalidade do teatro.
No passado domingo, dia 29, Maria do Céu Guerra estava no Coliseu dos Recreios como nomeada para um Globo de Ouro pela encenação da peça À Volta o Mar, no Meio o Inferno. Não o ganhou, mas a noite reservava-lhe um prémio bem maior: o de Mérito e Excelência. Quando percebeu que era dela este troféu especial, comoveu-se. Depois, agradeceu-o a Francisco Pinto Balsemão e “a este país que me deixou fazer uma carreira que me permite ter este prémio”, lembrando: “Eu penso no princípio da minha carreira e penso que éramos mais pobres e que estes 45 anos que vivemos sem censura nos permitiram crescer, nos permitiram ter opinião, ser grandes. Termos deixado de ter censura foi o prémio maior e mais irreversível que este país ganhou”. Humanista como sempre, dedicou o prémio a “uma querida amiga”, a atriz brasileira Fernanda Montenegro, “que está em dificuldades, a ser insultada por um governo que não merece aquele país”.
Já nos bastidores, Maria do Céu revelou à CARAS como se estava a sentir: “Penso sempre coisas como: ‘Será que estou tão velha, será que estou com os pés para a cova, o que é isto?’ Porque a vida passa tão depressa que a gente está sempre com a sensação de que está a ganhar o prémio revelação. Eu tenho sempre essa sensação. E acho que ainda não tenho o trabalho feito. Faz-me sempre uma certa impressão um prémio que parece que fecha a carreira… E eu não vou deixar fechar a carreira.”