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João Lima
Há na voz e nas palavras de Márcia uma profundidade que não deixa indiferente quem a ouve. Escrevendo, tocando e cantando as emoções que leva aos outros, a artista, de 37 anos, não tem medo de mexer nas feridas, de pôr a nu as fragilidades e de confrontar o público com os seus próprios medos.
Contudo, quando está no palco, também leva a cada pessoa que está na plateia palavras de esperança, de superação e de ânimo, acreditando que aquele “bocadinho de céu” pode ser uma luz no meio dos dias cheios e mecânicos que preenchem a vida. E é por continuar a ver o palco como este lugar transformador que Márcia sente um entusiasmo quase juvenil por ir atuar pela primeira vez em nome próprio no Coliseu dos Recreios, no próximo dia 18.
Numa conversa que se fez ao ritmo da música e dos afetos que a inspiram, a artista abriu a porta do seu universo mais pessoal, no qual o marido, o músico e realizador Filipe Cunha Monteiro, conhecido como Tomara, e os filhos, Carolina, de sete anos, e Eduardo, de três, são os protagonistas.
– Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes, começou a tocar guitarra, passou pelo cinema documental…. Sempre teve esta urgência criativa para se expressar?
Márcia – Sim, muito. Primeiro, com os desenhos. Desenhava muitas mulheres com os seus fatos. Depois, na altura da adolescência, escrevia muitos poemas e textos e foi aí que comecei a fazer música. Comecei a tocar guitarra sozinha. Tocava muito baixinho, para não incomodar ninguém, tinha muita vergonha. Com 13 anos fiz a minha primeira canção. Aprendi a tocar guitarra a ouvir um álbum da Tracy Chapman.
– Nessa altura a música já ocupava um papel central?
– A música sempre foi a maneira mais direta de me expressar. Mas sempre fui muito envergonhada, e isso jogava contra mim. Com o tempo, fui perdendo essa timidez. Já a pintura é algo muito mais recatado. Ninguém nos julga. Terminei o curso com distinção e foi muito bom mergulhar naquele mundo da estética e da filosofia. O tipo de raciocínio que aprendi no curso de Belas-Artes continua a fazer parte de mim. Nessa altura, li um livro do Aldous Huxley que me marcou para sempre e que me fez pensar que o brilho e o palco são uma forma de transcendência, estamos sempre à espera de ter aquele bocadinho de céu. Quando olhamos para o palco, devemos ter uma experiência transcendente, deve ser algo mais profundo do que uma conversa de café.