
Desde o número zero da CARAS, publicado em setembro de 1995, que acompanhamos a vida de Bibá Pitta. Nestes quase 25 anos testemunhámos a sua história de amor com o médico Fernando Gouveia, acompanhámos o crescimento dos filhos – Maria, agora com 27 anos, Tomás, de 25, Madalena, de 22, Salvador, de 20, e Dinis, de 13 –, presenciámos férias em família, conhecemos logo nos primeiros meses de vida o neto, Duarte, que nasceu a 29 de janeiro de 2016.
Ao recordarmos todos estes momentos, damos conta de uma particularidade: Bibá foi sempre fotografada em contexto familiar. Impunha-se, portanto, a experiência de a fotografar sozinha. E o convite chegou-lhe no momento certo. Aos 54 anos, está numa nova fase, de aceitação e readaptação. E foi precisamente por aí que começou esta conversa, franca e emotiva, entrecortada pelas inevitáveis gargalhadas que a caracterizam. Assuntos como a menopausa e a morte da mãe, Piedade Viterbo Pitta, a 15 de março de 2014, a maior prova que a vida lhe trouxe, dominaram a entrevista.
– Fotografá-la sozinha é uma novidade…
Bibá Pitta – É verdade, sempre fiz produções em família e isto é uma inovação, o que é engraçado, porque essa palavra tem muito a ver com esta fase em que me encontro.
– Depois de tantos anos a servir, a cuidar de quem está debaixo das suas asas, olhar por si deve ser um processo de aprendizagem…
– Sim, estou num momento diferente da minha vida. Durante muitos anos trazia uma casa às costas, sempre agarrada a mim. Hoje, os meus filhos estão todos mais crescidos, a Maria e o Tomás já têm as casas deles, o Salvador estuda em Londres. Só tenho dois a viver comigo: a Madalena, que vai continuar sempre comigo nesta estrada da vida, e o Dinis, que é um miúdo superindependente. E chegou a fase em que me posso dar ao luxo de olhar por mim, fazer o que gosto e o que quero. Tenho tempo para mim.
– Coincide também com o estar nos 50…
– No meu caso, coincidiu também com a menopausa, com a aceitação da morte da minha mãe. O que me obrigou a reorganizar-me, “arrumar gavetas” e andar com a vida para a frente.
– A menopausa é ainda um tabu para muitas mulheres.
– É. E embora as mentalidades tenham mudado muito, ainda há quem ache que a partir dos 50 uma mulher é velha, que vai ter falta de desejo, que a atividade sexual é mais difícil, e a verdade é que tudo isso tem solução. Mas é preciso pedir ajuda.
– Foi isso que fez?
– Foi. Passei muito mal. Foi numa altura em que estava emocionalmente fragilizada, porque ainda não tinha aceitado a morte da minha mãe. Tive insónias, calores, afrontamentos, ao mesmo tempo que andava à procura de alguma coisa. Foi muito duro. Quando percebi que estava à beira de um esgotamento físico, emocional e mental e que tinha de avançar, passei três dias de cama, em silêncio, a reposicionar-me, a aceitar a morte da minha mãe, a vencer os meus medos e a pensar que tinha uma família que precisava de mim e que não podia estar assim.
– Tentou, como é sua característica, ver o lado positivo…
– Apesar de ser otimista, também sofro, também choro e tenho momentos em que me sinto em baixo. Uma terapia que funciona comigo é não esconder o que sinto. Se tens vontade de chorar, choras, se te apetece rir, ris-te, se te queres isolar, isolas-te. Fingir não é bom em situação alguma. Depois, e acima de tudo, a minha família não me deixou ir ao fundo. Esteve sempre ao meu lado. Aperceberam-se, deram-me espaço e palco para os meus enervamentos.
– E acabou por conseguir aceitar a morte da sua mãe?
– Quando nos roubam a nossa mãe, é brutal. O maior obstáculo com que me deparei na minha vida não foi ter uma filha com síndroma de Down, foi ter ficado sem a minha mãe. Levaram-me um bocado de mim. Mas tive de me reencontrar, fechar um capítulo, aceitar.
– E esse processo está encerrado ou é uma caminhada?
– A dor é irreparável e vou chorar a vida toda a perda da minha mãe, por isso o processo é contínuo, mas agora noutra perspetiva, a de que está a olhar por mim e me deixou um legado emocional enorme.
– Qual é o papel do seu pai agora?
– O meu pai é um paizão. Também é o meu porto seguro.
– Quando olha para trás, sente alguma frustração por não ter feito algumas coisas que a teriam realizado para dar prioridade à família?
– Nunca me anulei, o que fiz foi ter dado tudo o que tenho de mim. E não me sinto nada culpada por ter deixado algumas coisas por fazer para os acompanhar. A maior felicidade que tenho é olhar para os meus filhos e ver os seres humanos que são hoje.
– Nunca teve tendência para culpar alguém por não ter conseguido fazer o que queria?
– É mais fácil culparmos os outros, mas não podemos fazer isso. Em tudo na vida a última escolha é nossa. Temos de ser responsáveis pelas consequências dos nossos atos.
– E agora qual é o próximo passo?
– Aproveitar tudo o que a vida me dá. Estou com muita vontade de viver, de aproveitar todos os momentos, porque se estamos em modo automático somos apenas espectadores da nossa vida.
CARAS EDIÇÃO 1273