Poder-se-ia esperar que, aos 50 anos, Rita Loureiro optasse por visuais menos vistosos e excêntricos do que os que escolheu para esta sessão fotográfica. Contudo, a atriz nunca se regeu pela norma nem procurou ser igual aos outros. Fiel a si mesma, não abdica da sua autenticidade, mesmo que isso a leve a sentir-se “desenquadrada” num mundo que vive de imagens perfeitas que recolhem likes nas redes sociais. Independentemente das mudanças que o tempo traz, o palco continua a ser o seu espaço de eleição, aquele onde vive livremente a vida dos outros e que ainda lhe provoca um nervoso miudinho, mesmo contando com mais de 30 anos de carreira.
Numa manhã passada num cenário que remete para uma versão moderna e alternativa de Alice no País das Maravilhas, Rita revelou os valores que têm sido o guião da sua história, na qual a filha, Francisca, de 15 anos, também assume protagonismo.
– Já soma mais de 30 anos de carreira. Para quem gosta tanto do que faz, tem aquela sensação de que foi ontem que começou?
Rita Loureiro – Não posso dizer isso. Já é uma viagem longa, mas que tem sido muito prazerosa. Gosto muito do meu percurso, porque sinto que é meu, foi talhado por mim. E isso faz-me sorrir.
– E o que revela sobre si esse percurso?
– Revela que gosto de pensar no que faço. Acredito pouco no instantâneo, no rápido. Quando comecei, era uma miúda vistosa e queriam que fosse modelo. Andava no conservatório e sempre disse que queria ser atriz. Sabia que esse capital da imagem me ajudaria a desbravar terreno em certos meios, como televisão ou cinema, mas neguei essa facilidade, porque senti que tinha de trabalhar de dentro para fora. Achava pouco ter a imagem como rampa de lançamento. E esta atitude define a forma como me vejo enquanto atriz. Não gosto das coisas fáceis e procuro os caminhos mais difíceis e solitários para chegar onde quero.
– Como é que alguém com essa atitude se adapta à sociedade contemporânea, na qual a imagem e o imediatismo das redes sociais têm tanta importância?
– Muito mal… Há uns anos que me sinto um bocadinho desenquadrada, essa escravidão da imagem e a forma imediata como se vive hoje faz-me confusão. Parece que as pessoas não vivem, passam pelas coisas, não habitam os acontecimentos. Não sinto que este tempo e esta forma de viver sejam meus, mas vivo e trabalho neste tempo e há cedências que tenho de fazer. O que se projeta nestas plataformas digitais é pura ficção, e, para mim, representar é o que faço com as personagens. No dia a dia procuro a autenticidade, que neste momento tem a ver com privacidade. O que está fora dessa esfera é fácil de corromper. Sou um pouco bicho-do-mato, gosto de estar escondida.
– E de onde vêm esses valores e forma de estar?
– Era uma criança extrovertida e exuberante, mas na adolescência comecei a virar-me para dentro e a interessar-me por filosofia e por aqueles movimentos feministas que hoje já não abraço de forma tão veemente. Depois, procurei os palcos, que são um espaço de liberdade e de projeção onde conto histórias de outras vidas. É o equilíbrio que encontrei.
– Diz-se que a representação dá palco a muitos egos. Dá espaço ao seu ego ou a sua introspeção abafa essa necessidade?
– O ego está lá, todos o temos, mas é preciso saber lidar com ele. Não o podemos alimentar demasiado nem devemos castrá-lo. Precisamos do nosso ego, porque também nos dá algum alento e vaidade, que são necessários nesta profissão. Mas tem de ser bem doseado. O excesso de ego nesta profissão é perigosíssimo, porque cega as pessoas.
– E não dar espaço ao ego pode castrar a ambição?
– Não ligo a ambição ao ego. A ambição é algo mais estratégico e racional, o ego funciona mais com o lado emocional. Tenho as minhas ambições. Quero fazer o que me vier parar às mãos com o maior profissionalismo possível. Sou muito exigente comigo própria e lido mal com o erro. Mas a idade tem-me ajudado a lidar melhor com isso, trouxe-me calma e uma certa loucura também.
– Essa loucura nota-se numa certa rebeldia nas ideias?
– Sou uma rebelde no campo das ideias, e já o fui noutros campos. Sempre estive mais do lado da diferença do que da norma. Aproximo-me sempre das pessoas menos convencionais, tenho uma atração pela diferença.
– Aos 50 anos, está num lugar confortável? Ou nem sempre é fácil lidar com o passar dos anos?
– É muito confortável olhar para o percurso emocional e espiritual que já percorri. Lido bem com as rugas e aos cabelos brancos que vão aparecendo. Acho bonito notar-se a idade que uma mulher tem, torna-a mais bonita. A única coisa que me faz confusão é sentir-me menos capaz de fazer as loucuras que sempre fiz, como saltar, dançar horas a fio, correr, ir para o mar e atirar-me para as ondas… Sinto que já não tenho a mesma resposta do meu corpo, e isso faz-me confusão.
– Mas energia não lhe falta, uma vez que está a gravar uma novela e a fazer uma peça. Como está a ser o desafio de interpretar a Rosete na novela?
– Estou a adorar esta Rosete. Divirto-me muito com esta personagem e com o núcleo que me calhou, do qual fazem parte a Catarina Gouveia, a Luciana Abreu, o Virgílio Castelo, a Maria João Luís, que é minha amiga há 30 anos. E todo o resto do elenco e equipa técnica são maravilhosos. A Rosete tem um percurso de vida muito forte. Perdeu os pais muito cedo e não tem ninguém. Começa a novela cheia de certezas e de repente esta história de amor com o cunhado vem abalar essas estruturas. O desafio é perceber como é que uma personagem tão sólida lida com estas adversidades.
– Há uma responsabilidade acrescida por se levar à cena um texto tão emblemático como o Hamlet?
– Há, porque é um texto de Shakespeare, mas também há uma certa loucura em fazer o Hamlet desta forma tão diferente, com uma visão mais nova e fresca da qual gosto muito. Sempre gostei de fazer teatro. A minha formação e o início da minha carreira foram fundamentados no teatro, preciso do palco para me reciclar. E gosto muito de trabalhar com pessoas mais novas do que eu, porque há uma liberdade na concretização de ideias, uma partilha de sabedorias.
– E quando se trabalha tanto há espaço para se ser mãe?
– Não é fácil. Se não fosse mãe, seria ótimo fazer televisão e depois ir para o teatro. É cansativo, mas é muito bom, porque é o que gosto de fazer. Contudo, custa-me imenso não estar com a minha filha e não termos um bocadinho para conversarmos olhos nos olhos quando tenho este ritmo de trabalho.
– E como é que alguém com os seus valores convive com uma adolescente que já cresceu neste mundo do imediato?
– Estamos a educar-nos mutuamente. Ela ensina-me umas coisas sobre como se vive hoje em dia e sensibiliza-me para essa realidade e eu transmito-lhe outros valores, como a importância de não se passar apenas pelas coisas. Não há só telemóveis, há livros e imaginação também.
– E essa troca de experiências é fluida ou conflituosa?
– Tem de haver conflito, claro. O conflito é saudável e impulsionador. Agora tem de haver sempre comunicação e afetividade.
– Está sozinha com a sua filha há muitos anos. Já são amigas?
– Temos uma comunicação franca. Sei que tenho ali uma pessoa com quem posso falar, e vice-versa. Mas sou a mãe, não a melhor amiga. Sou a pessoa que a ama incondicionalmente e em quem ela pode confiar.
CARAS EDIÇÃO 1272