Olá. Daqui fala Jean Paul Gaultier. Convido-te para celebrares os meus 50 anos de carreira no Théâtre du Châtelet, a 22 de janeiro. Vens? Vai ser uma grande festa, com muitos dos meus amigos, e vamos divertir-nos muito, vai acabar muito tarde, acho. E agora vou dar-te uma novidade: vai ser o meu último desfile de alta costura. O meu último desfile Gaultier Paris. Por isso vem! Tens de vir, não podes perder isto. No entanto, fica descansado, a Gaultier Paris vai continuar. Tenho um novo conceito. Depois conto-te todos os segredos. Beijos.” Quando, no passado dia 17, partilhou nas redes sociais um vídeo divertido a simular que deixava esta mensagem de voz no telemóvel de um amigo, o estilista francês, de 67 anos, não estava a enganar ninguém. Porque se esta foi a sua última coleção de alta costura, não foi a sua grande finale e sim um ‘até já’ que promete novidades.
Reconhecido pelo seu sentido de humor, o criador francês começou o desfile com uma bizarra alusão à despedida: um enterro. Com o palco cheio de modelos vestidos num luto de estilo gótico, uma delas com uma coroa de flores nas costas que dizia: “A moda pela vida”, quatro dançarinos carregaram até ao começo da passerelle, adequadamente iluminada de roxo, um caixão, que depois de aberto revelou uma manequim vestida de branco.
O que se passou a seguir foi a loucura. Durante hora e meia, num ambiente digno de um concerto pop — muitos modelos desfilaram mesmo a dançar —, foram apresentados 200 coordenados para os quais o enfant terrible da moda abriu “todas as gavetas” dos seus ícones: os espartilhos com seios cónicos que Madonna tornou famosos durante a sua Blond Ambition Tour, em 1990, as crinolinas (uma estilização das armações compostas por vários aros de metal unidos através de tiras de tecido que davam volume aos vestidos compridos das nossas bisavós), a reinterpretação, nas mais variadas formas, das camisolas de riscas azuis e brancas dos marinheiros, as saias para homem, os cortes futuristas e estruturados, o casamento do estilo chique parisiense com a cultura pop, a androginia, o burlesco, o excessivo, o teatral, enfim, tudo o que reflita a sua personalidade irreverente e rebelde.
A atriz espanhola Rossy de Palma, amiga de longa data de Gaultier e imagem da mais recente campanha do seu perfume feminino Scandal Paris, a artista de burlesco americana Dita von Teese, a cantora Amanda Lear, a atriz Béatrice Dalle, o apresentador Antoine de Caunes, o futebolista Djibril Cissé e modelos como Paris Jackson (filha de Michael Jackson), Karlie Kloss, Winnie Harlow, Irina Shayk e Gigi Hadid foram alguns dos muitos nomes sonantes de diversas áreas que subiram à passerelle.
Na plateia também não faltaram vedetas, entre elas as ex-top models Carla Bruni, Eva Herzigova e Inès de la Fressange, a editora de moda Anna Wintour, o cantor Simon Le Bon (dos Duran Duran), os estilistas Miu-Miu, Kenzo ou Christian Lacroix. Pierre Cardin, em cuja casa de moda Gaultier se estreou, também fez questão de estar presente, apesar dos seus 97 anos.
Terminado o desfile, os modelos reuniram-se no palco para a apoteose: a entrada de Jean Paul Gaultier, de fato-macaco de mecânico sobre a sua eterna camisola marinière, a dançar, felicíssimo, ao som da voz do britânico Boy George, que começou e encerrou a noite. Apesar de ter dito aos jornalistas que está “demasiado velho para revolucionar o sistema”, no texto que escreveu para o catálogo do espetáculo, perdão, desfile, o criador referiu: “Acredito que a moda tem que mudar. Há muitas roupas que não servem para nada. Não as deitem fora, reciclem. (…) Esta noite vão ver a minha primeira coleção de alta costura upcycling.” Certamente um manifesto do que vai ser o seu futuro.
Jean Paul Gaultier despede-se da alta costura com uma coleção “upcycling”
O estilista, de 67 anos, anunciou que vai dar um novo rumo à sua carreira, que começou há 50 anos. O desfile do passado dia 22 terá sido um manifesto do futuro: fazer do velho novo.