A justiça francesa decidiu ser exemplar e, no passado dia 1, condenou o antigo Presidente Nicolas Sarkozy, de 66 anos, a três anos de prisão. Tal foi possível porque, quando perdeu as eleições de 2012, contra François Hollande, perdeu também a imunidade judicial. O dirigente máximo de França entre 2007 e 2012 foi condenado por corrupção ativa e passiva e tráfico de influências, pelo facto de ter recebido dinheiros ilícitos da Líbia para financiar a sua campanha em 2007 e que tentou esconder através de uma rede internacional de apoiantes, que incluiu agentes de forças secretas, que de alguma forma branquearam esses capitais.
Esta acusação surge depois de um julgamento de 10 dias no final de 2020, após um processo de investigação que teve como base 17 escutas telefónicas de conversas mantidas através de telemóveis secretos, em 2014, entre Sarkozy, o seu advogado, amigo e colaborador próximo no Eliseu Thierry Herzog e o antigo magistrado do Supremo Tribunal Gilbert Azibert, que o antigo Presidente subornou. A intenção era obter do magistrado informações sobre a referida ação judicial, prometendo-lhe em troca um alto cargo no Mónaco. Herzog juntou as mesmas condenações que Sarkozy e ainda extorsão de informação e Azibert corrupção passiva e violação do sigilo profissional. Ambos receberam sentenças iguais às do ex-Presidente.
Em sede de julgamento terá ficado provado que quando se candidatou pela primeira vez à presidência, em 2007, Sarkozy terá recebido 50 milhões de euros vindos da Líbia – alegadamente, parte desse dinheiro chegou a França de uma forma tão amadora que é quase anedótica: cinco milhões foram transportados de Trípoli para Paris, em mão, por um empresário franco-libanês próximo do então Presidente líbio, Muammar Kadhafi, Ziad Takieddine, em três malas com dinheiro vivo. Takiedinne chegou a dar uma entrevista, em 2016, em que se descreveu a si próprio como “intermediário na sombra”, mas entretanto recuou e não quis testemunhar contra Sarkozy.
Tudo terá começado em 2005, quando, na altura ministro do Interior do governo de Dominique de Villepin, Sarkozy visitou pela primeira vez a Líbia. O país, então liderado por Kadhafi (assassinado por forças da oposição em 2011), estava sujeito a um apertado embargo por parte da ONU, por violação dos direitos humanos, e Sarkozy terá prometido tentar que a França aliviasse esse embargo se a Líbia o apoiasse na sua ambição presidencial. Oficialmente, a visita foi justificada como parte da negociação de um contrato para a compra de aviões Airbus pela Líbia, acordo que foi assinado em 2007, em Paris, onde Sarkozy recebeu o ditador líbio numa visita de cinco dias que lhe valeu muitas críticas.
Após a morte de Muammar Kadhafi, a França de Sarkozy alinhou com as forças internacionais que fizeram uma intervenção militar na Líbia, que enfrentava uma sangrenta guerra civil, e um dos filhos do ditador, Saïf Al-Islam Kadhafi (que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade), prometeu retaliar e contar a verdade sobre o financiamento da campanha e exigiu que Sarkozy devolvesse o dinheiro à Líbia. Mas Saïf foi preso pelos opositores do seu pai e não concretizou a ameaça.
No dia a seguir à sentença, Nicolas Sarkozy, que acusa o juiz de não ser imparcial, disse que “não posso aceitar ter sido condenado por uma coisa que não fiz” e considerou a sentença “cheia de incoerências”, por não mencionar provas, “mas sim um emaranhado de pistas”, e já avançou com um recurso para o Supremo, prometendo mesmo recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, pois está “determinado a que triunfe o direito e a justiça num Estado de direito”.
Da mesma opinião é Carla Bruni, de 53 anos, com quem Sarkozy se casou em 2008 e de quem tem uma filha, Giulia, de nove anos. A famosa ex-top model e cantora tem usado as redes sociais para demonstrar o seu apoio incondicional ao marido, tendo partilhado, no próprio dia da sentença, uma foto carinhosa dos dois, em que escreveu: “Perseguição absurda meu amor Nicolas Sarkozy… o combate continua, a verdade verá a luz #injustiça.” Dois dias depois, publicou uma imagem do símbolo da república francesa, Marianne, a verter uma lágrima e legendou: “A teu lado para sempre Nicolas Sarkozy #injustiça.”
Esta é a segunda vez que um ex-Presidente é condenado a pena de prisão em França, depois de, em 2011, Jacques Chirac ter sido considerado culpado de mau uso de dinheiros públicos no tempo em que foi maire de Paris. Mas enquanto este teve como sentença dois anos de pena suspensa, Sarkozy foi sentenciado com um ano de prisão efetiva e dois de pena suspensa. Ainda assim, por muito que os juízes tenham querido ser exemplares, o estatuto do ex-Presidente não deixou de os intimidar, pelo que Sarkozy deverá passar esse primeiro ano em prisão domiciliária com pulseira eletrónica. Ou seja, viverá numa “gaiola dourada”.
Anteriormente, Sarkozy já fora absolvido noutro caso com contornos semelhantes, mas entretanto, a partir do próximo dia 17, deverá voltar à barra dos tribunais para responder por motivos idênticos – despesas excessivas na sua candidatura às presidenciais de 2012, que atingiram 42,8 milhões de euros, quase o dobro do permitido pela lei francesa, em parte gastos em luxos como champanhe e trufas para os apoiantes VIP e mobiliário Hermès nas ações de campanha – e está ainda a ser investigado em relação a um terceiro caso, relacionado com lobbying potencialmente criminoso enquanto advogado e consultor de dois oligarcas russos, dos quais terá recebido 500 mil euros em 2020, pelo que os próximos tempos não lhe serão fáceis.
Condenado a três anos de prisão, Nicolas Sarkozy tem o apoio da mulher, Carla Bruni
A ex-modelo acredita
completamente
na inocência do marido
Sarkozy e Bruni
em setembro de 2019