No filme O Som que Desce na Terra, Margarida Marinho interpreta o papel de mãe de Maria da Luz, uma mulher que durante a Guerra do Ultramar parte para Angola em busca do marido desaparecido com a desculpa de ir levar cartas aos combatentes escritas – na verdade, gravadas – pelos familiares em Portugal. A sua personagem, explica-nos, representa “o arquétipo da mulher daquela época, é o contraponto à bravura e coragem da Maria da Luz. Ela tem medo pela filha, que conseguiu romper essa bolha da guerra, que, por definição, é do homem”.
A narrativa é baseada numa improvável história verídica, como sublinha: “Improvável em qualquer época, pois é como se uma mulher fosse levar amor para um cenário que continua a ser de homens.” Uma observação que leva à reflexão sobre a evolução do papel da mulher na sociedade: “Se nos compararmos ao que já foi o papel da mulher, e apesar de ainda não termos propriamente atingido um patamar de igualdade, não estamos no papel de outrora, quando não tínhamos voz e o patriarcado era rei e senhor. Agora temos mais palco, mais voz, mais presença.”
Palco e voz são precisamente duas coisas que Margarida, de 58 anos, pode reclamar ter: além da visibilidade do seu trabalho como atriz – tem um longo currículo, com trabalhos relevantes no teatro, no cinema e na televisão –, é autora de crónicas e contos publicados em jornais e revistas e também de um livro infanto-juvenil, Tattoo – De Noite, Um Cavalo Branco, e o segundo está pronto e deverá ser publicado antes do Natal. Margarida conta-nos que escreve frequentemente – “escrevo bastante, em papéis, cadernos, blocos… Escrevo cartas, às vezes sem ser para ninguém, só para mim” – e que para ela a escrita difere da representação na medida em que, ao tratar-se da sua própria voz e não da leitura de textos de outros autores, se sente “muito perto de mim, daquilo que eu sou, da minha origem”.
A escrita é mesmo uma atividade onde se encontra e da qual retira aprendizagem. “Acho que o exercício da escrita nos dá muito a dimensão das nossas expectativas e ambições, porque somos grandes espectadores, grandes críticos – somos muito críticos em relação a tudo, em relação à família, aos amigos, ao cinema, ao teatro – , mas por vezes nem tanto quando somos nós os criadores, os produtores. Apesar de tudo, é um trabalho de humildade. Percebemos o quanto é um ofício, o quanto é disciplina. A Agustina dizia uma coisa muito engraçada: a qualidade de um escritor depende sempre da fonte dos seus plágios. Nós somos também o produto daquilo que lemos.”
Uma boa razão para sempre ter contado histórias aos filhos, Manuel, de 28 anos, e Carlota, que tem quase 13 (nascidos de duas uniões anteriores ao atual casamento com o analista financeiro Laurent Saglio), hoje eles próprios leitores da mãe: “São muito críticos, têm sempre qualquer coisa a dizer. É maravilhoso!”