Tozé Brito faz músicas há mais de 50 anos, Inês Meneses ouve-as há quase tantos (a escritora e radialista completou 50 anos em novembro). No lugar do criador e da ouvinte, reconhecem que a música é uma arte que se faz presente na vida de todos. Traz alegria, ajuda a ultrapassar desgostos, fixa-se na memória, como um gatilho para momentos que se tornaram intemporais. “Sem dúvida que todas as épocas, lugares, amores, desamores ou momentos únicos que vivi contribuíram com canções para a banda sonora da minha vida. As canções que então escrevi e ouvi ficarão para sempre associadas a esses momentos e memórias, que, felizmente, se renovam a cada dia que passa. A banda sonora está longe de estar encerrada”, adianta o músico. Também Inês reconhece esse superpoder às canções: “As canções levam-me longe, embalam-me, levam-me de novo a momentos (in)felizes, fazem-me sonhar. Já acontecia em adolescente e esse brilho nunca se perdeu. Não há idade para estancarmos esse lado fantasioso.”
Reflexo dos tempos, a música traduz as emoções não só de quem a cria como de quem a ouve. Cantando-se desde sempre o amor, as canções são testemunhos de como a paixão e o enamoramento continuam a ser, agora ou em séculos passados, a principal inspiração para quem pára, escuta e desfruta deste embalo. “Todas as histórias de amor vêm acompanhadas de banda sonora. O amor e a música fundem-se. A música sai enaltecida de uma história de amor até quando não foi feliz. Embora o sentimento permaneça, em abstrato, igual, a maneira como o vivemos e cantamos é muito diferente. As canções são fotografias do tempo que vivemos. O amor tornou-se mais volátil e as canções foram atrás dessa inconstância”, acrescenta a radialista, que é complementada pelo marido: “O que definitivamente mudou foi a forma de o contar e cantar, porque o amor é o mesmo de sempre, atemporal. As histórias são o reflexo do tempo que vivemos, necessariamente mais telegráficas, menos poéticas, diria mesmo que menos sofridas, pela velocidade e facilidade com que também os sentimentos parecem ser interiorizados e descartados. A música contemporânea é, sem dúvida, eclética na forma como acompanha esse ritmo e essas mudanças.”
Nestas mudanças, a música abre espaço a uma polifonia de ideias, amores e protagonistas, refletindo as mudanças que se auscultam na sociedade. “A música popular, em especial, sempre assumiu e assumirá um importante papel na mudança de mentalidades e paradigmas sociais”, recorda Tozé. Também Inês salienta a música que canta amores de todos os géneros: “Muito antes deste novo tempo, Chico Buarque já escrevia sem se perceber se era um homem ou mulher a esconder-se ‘atrás’ do papel. O chamado ‘gender fluid’ está em muitas vozes desta nova geração. Sobretudo penso que as canções não precisam de género. Precisam de um mensageiro e de que a mensagem seja compreendida.”
Para lá do amor romântico, a radialista refere que a música é ainda estandarte de mudanças sociais: “Por tudo o que estamos a viver, a precariedade, a pandemia, o ressurgimento de uma extrema direita perigosa, a canção volta a ser uma bandeira urgente a erguer. Às vezes esquecemo-nos do seu poder.”
“No fundo, poderíamos dizer que todas as canções são sobre o amor (ou a ausência dele). O tempo que vivemos atira-nos, no entanto, para outras mensagens. Há uma consciência social e política que voltou a muitas vozes. Em termos de diversificação, na música está bem à vista as formas diferentes como é apresentada. Diria que todas são válidas, mesmo que não seja ouvinte de muitas delas.” (Inês Meneses)
“Essa abertura [ao amor que não é heteronormativo] já começa a sentir-se em certos géneros musicais, mas o tema é mais facilmente abordável num livro ou num filme que nos três, quatro minutos que dura uma canção.” (Tozé Brito)